“Doutores”…

E então chegamos a mais um “onze de agosto”…

O décimo quinto que passo na condição de advogado.

Mas, cá entre nós, qual o porquê desta data? – perguntam meus curiosos botões.

Explico-lhes, pois.

Esse dia foi escolhido porque foi exatamente no ano de 1827 que foram criados os primeiros cursos de direito no Brasil. Até então, naqueles imemoriais tempos imperiais, caso não se tivesse a extrema sorte de nascer em berço esplêndido, eram poucas as “profissões” que poderiam trazer dinheiro orgulho para a família. O leque acadêmico era um tanto quanto restrito, pois o pobre diabo poderia se aventurar como político, padre, médico ou advogado. E, praticamente, só.

Já deu pra perceber que dentre essas “profissões”, apenas duas demandavam de estabelecimentos de ensino propriamente ditos: a medicina e o direito – com cursos regulares usualmente disponíveis somente na Europa.

Porém (e sempre existe um porém), já desde aquela época os ilustríssimos senhores adEvogados de direito jurídico, enciumados pelo fato de que seus colegas de nível superior – os médicos – eram tratados como “doutores”, resolveram levar sua indignação às portas do então imperador D. Pedo I.

Afinal de contas, eles tinham que ter essa prerrogativa também! Não era justo que a classe médica tivesse se apoderado de um título que até biblicamente era pertencente aos advogados (sim, estamos falando da expressão “Doutores da Lei”, atribuídas àqueles que tinham a responsabilidade de interpretar as Leis de Moisés). Aliás, em última análise o termo doutor, derivado do latim doctor (mestre, aquele que detém o conhecimento), bem como com a variação adjetiva doctus (culto, sábio), implicava num vital reconhecimento pela sociedade da importância diferencial da classe advocatícia como “cidadãos de elite”!

Bem, com toda essa pressão na casa, o Imperador, que não era bobo e precisava de todo apoio para se manter imperando como Chefe do Governo Brasileiro, pra dar um jeito de agradar sua tchurminha maçônica baixou um Decreto Imperial (DIM) em 1º de agosto de 1825, o qual veio a dar origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827, a qual, por sua vez, não só criou dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil (um em Olinda e outro em São Paulo), como também dispôs sobre o direito ao título (grau) de “Doutor” para o advogado.

Uma das argumentações (na minha opinião pra lá de falaciosa) é que por essa legislação não ter sido – até hoje! – expressamente revogada, ainda estaria em vigor (como, de fato, consta lá no site do Planalto). Daí, além da própria “tradição”, viria o “direito” de os advogados ostentarem o título de “doutor”.

Assim, caríssimos botões, vem daí – de quase dois séculos atrás – a já arraigada prepotência de muitos advogados que até hoje fazem questão de serem tratados por “doutores” (sem sequer saber a origem do porquê de tal título). Entendem-se por verdadeiros “paladinos da justiça”, defensores das leis, na fantasiosa condição de fiéis “cavaleiros do saber”!

Heh… Vamos combinar que, dado o perfil de grande parte da “classe”, cavaleiro por cavaleiro esses “doutores” estariam muito mais para Sith que para Jedi

Enfim, na opinião deste sempre vosso humilde escriba, tudo isso não passa de uma grande, pretensiosa e absurda fogueira de vaidades!

Aliás, caso queiram entender mais um pouquinho de como é que é (ou, talvez, como deveria ser) um advogado no seu dia a dia, basta clicar aqui para, diretamente das catacumbas de meu computador, uma bem humorada referência sobre esse tipo de profissional…

Ah, e sim!

Eis, na íntegra, a tal da Lei Imperial que lhes falei:

LEI DE 11 DE AGOSTO DE 1827.

Crêa dous Cursos de sciencias
Juridicas e Sociaes, um na cidade
de S. Paulo e outro na de Olinda.

Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte:

Art. 1.º – Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:

1.º ANNO

– 1ª Cadeira. Direito natural, publico, Analyse de Constituição do Império, Direito das gentes, e diplomacia.

2.º ANNO

– 1ª Cadeira. Continuação das materias do anno antecedente.

– 2ª Cadeira. Direito publico ecclesiastico.

3.º ANNO

– 1ª Cadeira. Direito patrio civil.

– 2ª Cadeira. Direito patrio criminal com a theoria do processo criminal.

4.º ANNO

– 1ª Cadeira. Continuação do direito patrio civil.

– 2ª Cadeira. Direito mercantil e marítimo.

5.º ANNO

– 1ª Cadeira. Economia politica.

– 2ª Cadeira. Theoria e pratica do processo adoptado pelas leis do Imperio.

Art. 2.º – Para a regencia destas cadeiras o Governo nomeará nove Lentes proprietarios, e cinco substitutos.

Art. 3.º – Os Lentes proprietarios vencerão o ordenado que tiverem os Desembargadores das Relações, e gozarão das mesmas honras. Poderão jubilar-se com o ordenado por inteiro, findos vinte annos de serviço.

Art. 4.º – Cada um dos Lentes substitutos vencerá o ordenado annual de 800$000.

Art. 5.º – Haverá um Secretario, cujo offício será encarregado a um dos Lentes substitutos com a gratificação mensal de 20$000.

Art. 6.º – Haverá u Porteiro com o ordenado de 400$000 annuais, e para o serviço haverão os mais empregados que se julgarem necessarios.

Art. 7.º – Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.

Art. 8.º – Os estudantes, que se quiserem matricular nos Cursos Juridicos, devem apresentar as certidões de idade, porque mostrem ter a de quinze annos completos, e de approvação da Lingua Franceza, Grammatica Latina, Rhetorica, Philosophia Racional e Moral, e Geometria.

Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.

Art. 10.º – Os Estatutos do VISCONDE DA CACHOEIRA ficarão regulando por ora naquillo em que forem applicaveis; e se não oppuzerem á presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submettidos á deliberação da Assembléa Geral.

Art. 11.º – O Governo crearà nas Cidades de S. Paulo, e Olinda, as cadeiras necessarias para os estudos preparatorios declarados no art. 8.º.

Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado dos Negocios do Imperio a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos 11 dias do mez de agosto de 1827, 6.º da Independencia e do Imperio.

IMPERADOR com rubrica e guarda.

(L.S.)

Visconde de S. Leopoldo.

Carta de Lei pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o Decreto da Assemblèa Geral Legislativa que houve por bem sanccionar, sobre a criação de dous cursos juridicos, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, como acima se declara.

Para Vossa Majestade Imperial ver.

Albino dos Santos Pereira a fez.

Registrada a fl. 175 do livro 4.º do Registro de Cartas, Leis e Alvarás. – Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio em 17 de agosto de 1827. – Epifanio José Pedrozo.

Pedro Machado de Miranda Malheiro.

Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancellaria-mór do Imperio do Brazil. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Francisco Xavier Raposo de Albuquerque.

Registrada na Chancellaria-mór do Imperio do Brazil a fl. 83 do livro 1.º de Cartas, Leis, e Alvarás. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Demetrio José da Cruz.

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