Memórias…

Existem certas memórias que vamos mantendo e acalentando no decorrer de toda nossa vida e que estão sempre presentes, por ali, nos rondando… Volta e meia nos deparamos com essas memórias, sofremos – ou não – com elas, damos colo, cuidamos e as carregamos conosco. Sempre de quando em quando toda vez  mais ou menos…

E, de tanto “cuidar” dessas íntimas memórias que estão em nosso círculo de proximidade, acabamos deixando outras pra trás, que acabam ficando meio que soterradas pelas que estão mais presentes em nosso dia-a-dia – quer sejam úteis ou não.

Por motivos muitas vezes dos mais obscuros acabamos em algum momento de nossas vidas resgatando essas antigas memórias – pelo amor ou pela dor – e então convivemos com elas por mais um curto período (até que voltem para as catacumbas de onde vieram) ou então as transformamos e acabamos transferindo-as para o rol daquelas que nos circundam…

Falo disso porque algumas dessas antigas memórias têm voltado a conviver comigo, presentes e ao meu lado, exigindo seu espaço, sentando no meu lugar do sofá e pegando cerveja na geladeira sem sequer pedir ordem.

E ainda não decidi se elas vão ficar por aqui ou se as chuto de volta para os cantões mais soturnos de minha cabeça de onde nem sei se deveriam ter saído.

Mas uma delas veio com muito carinho…

Final da década de oitenta, começo dos anos noventa.

Morávamos numa casinha modesta e simpática, em eterna reforma (muitas vezes comigo mesmo como pedreiro/encanador/eletricista e pau-pra-toda-obra), um carrinho velho mas valente (sim, um Fusca) e nossas economias (economias?) eram o suficiente para levarmos a vida sem muitas pretensões – mas ainda assim felizes com nossas rotinas suburbanas e com um futuro bem distante e intangível.

E uma dessas rotinas era o levantar todas as manhãs, cuidar dos cachorros e gatos de casa (sim, sempre os tive) e sair para uma curta caminhada. Cerca de um quilômetro, creio eu. Saindo de casa seguia à esquerda até o final da rua, virava à direita, passava um quarteirão, outro, o posto de gasolina na esquina seguinte e dali já estava atravessando a ponte. Aquela, mais antiga, sobre o Rio Paraíba, ligando os bairros joseenses de Santana e Alto da Ponte. Mesmo ali do alto sempre tinha algum tranquilo pescador pra cumprimentar – “diiia!” – bem como outros tantos apressados em sua marcha logo cedo para o trabalho.

Passada a ponte – “Minas Gerais”, se não me engano – e beirando o rio, bastava já descer à direita para o Centro Comunitário, onde aos sábados costumávamos vir com outros amigos para ficarmos sentados no gramado da enconsta do morro e assistir as corridas de kart, quando invariavelmente algum daqueles carrinhos acabava fazendo uma curva reta e se enfiava dentro do rio…

Porém, durante a semana, a pista era livre para caminhadas e corridas. Era uma época em que o cooper estava na moda e sempre havia alguém com um walkman pendurado fazendo seu trote. Não, eu não tinha um walkman. E sim, eu ia lá diariamente para correr.

Não lembro mais qual era o tamanho da pista. Havia a “volta do lago” e a “pista estendida” e eu sempre fazia o circuito completo. Coisa de dez voltas ou mais. O suficiente para suar até perder o fôlego e, então, partir para outros exercícios / ginásticas nos “equipamentos” disponíveis. Na realidade um monte de troncos dispostos de forma a se tornarem os tais equipamentos, mas que ainda assim eram muito úteis.

Dali uma caminhada de volta pra casa, com direito a uma passada na padaria para levar um pão quentinho. Invariavelmente acordava minha esposa com um beijo (e às vezes algo mais, por que não?) e partia para meu diário banho gelado, não importava que tempo fosse. Não me perguntem o porquê, mas eu gostava muito da água fria – gelada mesmo – talvez por me deixar sempre com a sensação de estar numa das cachoeiras que tanto gostávamos de frequentar nos finais de semana. Simples assim.

Ao sair do banho o café já estava pronto e ela me esperava para um gostoso proseio antes que fôssemos para nossos assalariados trabalhos.

Sei que parece mero saudosismo, daquele tipo que costumamos ouvir de nossos pais, mas o fato é que nessa minha época o mundo realmente era mais ingênuo e a vida efetivamente bem mais simples. A atual complexidade de nosso dia-a-dia, a avalanche de informações com as quais somos bombardeados através dos inúmeros canais de comunicação amplamente disponíveis e as obrigações sobre as obrigações sobre as obrigações que assumimos acabam nos impedindo de uma vidinha um tanto quanto mais pacata e tranquila.

Pois é… E agora, depois de tantos anos com essas memórias soterradas, elas resolveram voltar com toda força nesses momentos em que minha cabeça tem encontrado tempo para pensar um pouco mais livremente…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *