Giri

O conto dos Quarenta e Sete Vassalos Leais

Alexandre Nuernberg
Adaptado do mangá “Lobo Solitário” (Kozure Okami),
de Kazuo Koike (argumento) e Goseki Kojima (desenho).

Era uma época insana. O menor capricho do Shogun tornava-se lei posta em vigor pela pena de morte. Ensinamentos de Buda, que condenavam a violência e a crueldade, foram deturpados em mandamentos contra a morte de animais de toda a espécie, decretando a fome e a peste aos outrora férteis campos do Japão. Caçadores enchiam as ruas, voltando-se para a mendicância e o crime.

Era uma época de decadência moral, regida por ridículas cerimônias. Um tempo de mortes estúpidas e sofrimento sem sentido.

Lorde Asano era jovem e tinha pouca paciência para com a etiqueta de corrupção do shogunato. Ele recusou-se a pagar propina a um oficial da corte. O funcionário, para se vingar, ludibriou Asano, levando-o a vestir-se erroneamente numa cerimônia onde o menor deslize era causa de humilhação pública. Enfurecido, o samurai atacou seu inimigo. Antes de ser subjugado, arremessou sua espada através de um corredor do castelo Tokugawa, a moradia do Shogun. Errando o alvo, o katana perfurou uma porta corrediça, adornada em ouro. Por ter causado dano ao lar de seu soberano, Asano foi sumariamente sentenciado à morte por ritual de suicídio.

Seus quarenta e sete vassalos juraram vingança e não tiveram sucesso. O Shogun então concedeu-lhes o privilégio de seguirem o exemplo de seu mestre, morrendo por harakiri. Quarenta e sete guerreiros samurai (um número grande demais para ser mantido num único pátio ou templo) levaram suas adagas a seus ventres e tombaram no exato momento em que as lâminas ceifavam seus pescoços.

O conto dos “Quarenta e Sete Vassalos Leais” é um estudo sobre o conflito entre a ética samurai e a burocracia do Shogun. Para o samurai, a devoção a seu senhor transcendia qualquer outra paixão na vida.

Essa obsessão em obedecer e servir seu mestre de maneira inquestionável e destemida era a pedra angular do código samurai.

Chamava-se “Giri”.

Giri também significa uma extrema lealdade ao nome da família e aos amigos, inclusive a estranhos a quem se sentisse simpatia ou afeição. Obrigação, honra, decência, cortesia, dívida de gratidão e responsabilidade.

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