O prazer de beber vinho

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( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )

Adauto de Andrade

E quem diria que um filme de quinta categoria, do início da década de sessenta, totalmente trash, renderia uma sequência tão interessante? A obra original é Tales of Terror (“Muralha do Pavor”, na sempre fidedigna tradução brasileira) – uma tentativa de adaptação de contos de Edgar Allan Poe.

Mas a parte que nos interessa foi recortada-e-colada lá do Plural Refogado, coluna do Márcio Alemão, na revista Carta Capital nº 664, de 21 de setembro de 2011:

E ele (Montresor Herringbone, personagem bêbado vivido por Peter Lorre) parte para a noite. É expulso de uma taverna, segue cambaleante pelas ruas nem um pouco escuras de uma Londres mal cenografada, pedindo alguns trocados. Nada consegue, mas os anjos acabam conduzindo-o à porta de um local onde está acontecendo um encontro de comerciantes de vinho. Ele entra e sua expressão é a de quem, após grande sofrimento na Terra, alcançou o paraíso.

O anfitrião do encontro, então, com grande pompa, comunica que entre eles está o Robert Parker Jr. da época, o maior entendedor de vinhos de todos os tempos, o senhor Fortunato Luchresi, que é intepretado por Vincent Price. Usando roupas em tons de rosa, tendo o seu tastevin pendurado no pescoço, Fortunato é cheio de gestos exagerados, que são imitados de maneira cômica por Montresor, o mesmo que o desafia, dizendo que entende tanto ou mais que ele sobre vinhos.

Começa a competição. Um em cada ponta da mesa. O primeiro vinho é servido no tastevin de Fortunato. O tastevin, para descrevê-lo melhor, se parece muito com um pequeno cinzeiro de prata. Ele começa a sentir o aroma do vinho e depois o degusta. E esse é um bom momento: as caras e bocas que Vincent Price faz durante a degustação. Ah, sim! Me esqueci de que antes disso tivemos o aquecimento. Uma série de exercícios faciais e labiais com som.

Por fim, ele faz um bico e suga o vinho que já estava em sua boca. Nas sequência, diz, entre pausas: “Borgonha, Pinot Noir, Clos de Vougeot, 1838… Não muito ruim”. O organizador, orgulhoso, confirma as informações. Na vez de Peter Lorre/Montresor, ele escolhe uma taça para fazer a degustação. O responsável o serve com parcimônia e ele pede que encha a taça. Toma tudo de uma vez, sem caras e bocas e descreve o vinho com alegria: “Volnay, feito com uvas de vinhedos excepcionais, 1837… Muito bom vinho!”

E ele também acerta.

A disputa vai adiante e o que mais interessou e interessa para este Refogado: o técnico, o mestre, Fortunato Luchresi, em nenhum momento se mostrou feliz. Ele acertou uvas, safras, produtor, mas parece que esse esforço fez com que abandonasse o que Montresor não deixou escapar em nenhum gole: o enorme prazer de beber um bom vinho. E isso, no final, é o que importa.

Verdade verdadeira!

Confiram:
 

O pneu furado

No meu local de trabalho a ala masculina é minoria absoluta. O assim chamado “sexo frágil” reina em todos os setores. Mas… Será mesmo? Dia desses furou o pneu do carro de uma de nossas heroínas…

Bem, não teve como não lembrar um episódio acontecido com este desinfeliz que vos tecla, já há um bom tempo!

Na época, recém-separado e já meio que me engraçando com aquela que viria a ser a Dona Patroa, eu estava acampado morava na casa de meu irmão, que – coincidência das coincidências! – era mais ou menos próxima da casa dela. Trabalhávamos no mesmo escritório de advocacia e, de quando em quando, eu pegava uma carona com ela e o pai dela no bom e velho Golzinho quadrado que ele tinha. Aliás, tem até hoje.

E eis que numa bela manhã de sol, lá estávamos nós a caminho do Centro da cidade, ambos recém-formados, eu já de terno e gravata e ela num lindo tailleurzinho. Passávamos numa das avenidas mais movimentadas, cheias de lojas e comércios diversos, quando, não mais que de repente, o pneu do carro furou.

– FLOP-FLOP-FLOP-FLOP… FLOP… FLOP…

Nós, juntamente com o pai dela, “seu Carlos” (cujo nome na realidade não é esse, trata-se apenas de um “apelido” que ele usa, como boa parte dos japoneses das antigas), descemos do carro para dar uma olhada. Pneu traseiro, lado direito.

– Heh… Furou, né? – Disse ele.

Daí que o bonitão aqui, todo garboso e solícito, em pleno começo de namoro, já foi tomando a dianteira da situação!

– Xácomigo, seu Carlos! Em dois minutos tá resolvido!

Mas eis que ele me vem com essa:

– Non, non. Ela troca, né? Tem que aprender.

Murchei.

Que nem o pneu.

Olhei pra ela, toda arrumadinha, pronta para ir para o escritório, do alto (alto?) de seu metro e meio, unhas feitas, maquiada, cabelo ajeitadíssimo – e simplesmente fiquei boquiaberto…

Como discordar de um pai que tinha uma “lição” para ensinar à filha?

Pior: estando na condição de quem estava querendo me engraçar com a moçoila!

Ainda pra tentar ajudar pelo menos tirei o estepe do porta-malas. Mas todo o resto TEVE que ser feito por ela. E, pra piorar, o pai dela ali, conversando e explicando o que fazer EM JAPONÊS. Pelo menos por alguns momentos eu tive quase que certeza que eu era o tema da conversa, mas talvez fosse apenas neuras de minha parte.

Ou não?

Bem, no final das contas ficamos ali, enquanto ela trocava o pneu. Inúmeros transeuntes passavam e se espantavam ao ver os dois marmanjos parados enquanto a mocinha ralava com a chave de rodas na mão. Vendedores das lojas vinham até a porta e apontavam. Pessoas se apinhavam nas janelas dos prédios para ver. Até o tráfego de carros diminuiu seu ritmo para que os motoristas pudessem contemplar tão insólita situação!

Tá, acho que talvez não tenha sido bem tudo isso, mas que foi – no mínimo – rídiculo, ah isso lá foi!

Saldo final: mãos sujas, roupa amassada, escova seriamente prejudicada, cansaço e suor de um dia quente. Isso às oito da manhã. Antes mesmo de “começar” o dia…

Bem, nem preciso dizer que depois dessa foi a ÚLTIMA vez que ela trocou um pneu NA VIDA.

Dali pra diante, pneus passaram a ser (eternamente) matéria de outrem. Sempre fui eu, ou algum borracheiro, ou até mesmo algum “cavalheiro” que passasse pela rua. Como, aliás, deveria ser norma constitucional para toda e qualquer “dama em apuros”.

Especialmente se de apenas metro e meio de desenvoltura…

😀