Sobre história, estátuas e a pandemia

Muita celeuma tem se feito e a temperatura encontra-se agitada nas redes sociais por conta do que aconteceu com a estátua de Borba Gato.

Mas, antes de começar esse proseio, cá entre nós: vocês sabem quem foi Borba Gato?

Manuel de Borba Gato (*1649 +1718) foi um bandeirante paulista, descobridor de ouro e que exerceu o cargo de juiz ordinário em Sabará, MG. Participou da Guerra dos Emboabas (conflito pelo direito de exploração das então recém-descobertas jazidas de ouro onde hoje é o estado de Minas Gerais) e era genro do bandeirante Fernão Dias Pais Leme (conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”). Percorreu com o sogro as matas de São Paulo e do Mato Grosso e, mais tarde, a região de Minas Gerais, tendo encontrado ouro no Rio das Velhas. Ascendeu ao posto de Tenente-general do Mato e foi responsável pela organização da justiça, divisão das lavras de ouro e do envio dos impostos que correspondiam à Coroa Portuguesa. Era muito estimado pelos governadores de São Paulo, pois entregou várias permissões para explorações de minas, datas e lavras a amigos e parentes.

Bandeirantes como Borba Gato, Fernão Dias e Raposo Tavares fazem parte da formação histórica da cidade e do estado de São Paulo, sendo que seus nomes até hoje batizam ruas, avenidas, estradas e possuem estátuas no Museu Paulista. Afinal, foi por causa das bandeiras que os limites do Tratado de Tordesilhas foram alargados e a América Portuguesa cresceu, obrigando os soberanos de Portugal e Espanha a assinarem outros tratados a fim de resolver as questões de limites entre suas colônias na América.

Entretanto os benefícios históricos não têm o condão de apagar os malefícios cometidos, eis que um dos objetivos dessas expedições denominadas “bandeiras” era também o de caçar indígenas e escravizá-los, sendo que, muitas vezes, aldeias inteiras eram dizimadas e seus habitantes dispersados para sempre (resumo histórico da professora de história Juliana Bezerra no site TodaMatéria).

Agora que vocês já sabem quem foi Borba Gato e qual sua representatividade na história do Brasil – tanto para o bem quanto para o mal – então já têm condições de avaliar por si próprios essa ocorrência com relação à estátua de 13 metros que lhe foi erigida em Santo Amaro, capital paulista, no início da década de sessenta. Na tarde deste último sábado, dia 24, atearam fogo na estátua e um grupo denominado Revolução Periférica assumiu a autoria do ato, o qual foi exaustivamente veiculado nas redes sociais. Não é necessariamente uma novidade, pois em 2008 um grupo de moradores da cidade questionou o valor da homenagem a um homem de virtude tão duvidosa e propôs eliminar o monumento; também em 2020 a estátua foi pichada, pois muitos consideravam que uma pessoa que causou tanto sofrimento aos indígenas não mereceria ter sua imagem exposta em via pública (informações da reportagem de Daniela Mercier, no jornal El País).

Diante desse quadro duas correntes se criaram: aquela que repudia o que foi feito por se tratar de depredação a um monumento histórico; e aquela que apoia o que foi feito por se tratar de uma espécie de justiça tardia em defesa aos povos indígenas.

Ambas as correntes têm meu respeito – desde que suas convicções tenham se formado a partir da análise dos elementos históricos e não por meras opiniões desvencilhadas de fundamentos (que é o motivo pelo qual fomos conduzidos ao buraco em que estamos).

Particularmente sou integrante da terceira corrente.

Sou a favor de discutirmos a existência e até a substituição de monumentos desse tipo, mas não de meramente derrubá-los, num ato de selvageria. Já temos tecnologia para adentrar o espaço sideral e ainda assim, após milhares de anos de evolução, ainda voltamos à barbárie, com nossas tochas, ancinhos e forcados para “combater o mal”. Mas que “mal” é esse? Apenas a mera imagem do mal, que há décadas estava exposta e agora, por mera conveniência, oportunidade ou vontade de aparecer mereceu ser combatido? Ora, façam-me o favor!

É como esse negócio de “rediscutir” as obras de literatura de antigamente, reescrevendo-as de acordo com o que hoje se julga politicamente correto. Os livros, pelas histórias e estórias que contam, por si só são o retrato de uma época. Esse retrato pode ser bonito ou não, mas não vai deixar de ser um retrato e o que aconteceu à época não vai deixar de existir só porque resolvemos contar de um jeito diferente. Se pararmos para pensar bem, essa questão das estátuas homenageando o que hoje julgamos facínoras é um bom exemplo pra isso: tentaram recontar a história e construíram monumentos para pessoas que, à época, eram “heróis” e “desbravadores”, mas que aos olhos de hoje não passariam de bandidos e exploradores da miséria humana.

É óbvio que Borba Gato destruiu nações inteiras ao longo dos mais de vinte anos que duraram suas bandeiras. Não tenho nem ideia de qual foi o número de indígenas massacrados e povos dizimados no decorrer desse período. Mas respondam-me com sinceridade: será que em algum momento durante esse período ele teria conseguido o “prodígio” de ser responsável, quer seja por sua ação ou omissão, pela morte de mais de meio milhão de pessoas em menos de um ano e meio?

Vocês querem discutir a derrubada de imagens de genocidas? Então sugiro que comecem a ler os jornais, assistir os noticiários e a acompanhar fontes confiáveis de informação. O principal genocida a ser derrubado não é o da imagem de décadas atrás, mas sim aquele que está confortavelmente sentado em sua cadeira levando nosso país à bancarrota. E, pior, se divertindo com isso. Fazendo troça e espalhando mentiras (“fake news” é muito chique, pois mentira é mentira, não importa o nome que se lhe dê).

Enfim, antes de se postarem como defensores ou indignados pelo que foi feito a uma mera escultura, sugiro que se questionem profundamente se já não passou da hora de retomarmos as rédeas de nossa nação, o que somente vai ter início se destituirmos aqueles que desejam o poder pelo poder, somente em benefício de si e dos seus, ignorando a gigantesca massa da população que a cada dia se vê numa situação pior, sendo paulatinamente dizimada, tal e qual o sofrimento impingindo pelos bandeirantes de antigamente.

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Agora que já conversamos com seriedade, vamos relaxar, pois este aqui é um blog que continua tentando trazer algum entretenimento para vocês. A respeito dos bandeirantes uma de minhas tirinhas preferidas foi feita por Laerte, na edição nº 1 da revista Piratas do Tietê, em 1990, quando ao chegar nessas paragens paulistanas quem foi que eles encontraram? O Capitão e sua tripulação, é claro! E cá entre nós, adorei a “negociação”! 😀

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Mas melhor ainda foi a estória contada também pela Laerte e publicada na edição nº 12 da revista Piratas do Tietê, em 1992, sob o título “Bandeirantes do Pinheiros”, onde, com muito bom humor – e um tanto mais de sarcasmo – ela nos conta como foi que se deram as bandeiras através dos tempos. Confiram!

Ditados do arco da velha

Dia desses, numa experiência facebookesca, resolvi publicar alguns ditados e frases que não se ouve mais nos proseios de hoje em dia e lancei um “desafio”: se alguém se habilitava a continuar essa lista do arco da velha. Aliás a própria expressão “arco da velha” por si só já é démodé (que já não está mais na moda), pois há muito tempo não ouço ninguém utilizá-la.

Aliás do aliás, a origem da expressão é interessante, eis que antes do significado que atualmente lhe é dada de coisa antiga ou de antigamente, dizer “isto é do arco da velha” ou “são coisas do arco da velha” seria o mesmo que dizer que são coisas incríveis, invulgares, mirabolantes. É uma expressão que tem origem no Antigo Testamento, segundo Orlando Neves no seu Dicionário de Expressões Correntes:

Fez Jeová um pacto de paz com Noé, quando, depois de findo o Dilúvio, lhe disse: “Este é o sinal da aliança que faço entre mim e vós e todo o animal vivente que está convosco, para perpetuar gerações: o meu arco tenho nas nuvens, e será ele o sinal de uma aliança entre mim e a terra. Quando eu trouxer nuvens sobre a terra e aparecer o arco nas nuvens, então me lembrarei da minha aliança que está entre mim e vós e todo o animal vivente de toda a carne; as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda a carne. O arco estará nas nuvens; olharei para ele, a fim de me lembrar da aliança eterna entre Deus e todo o animal vivente de toda a carne, que estará sobre a terra. Disse Deus a Noé: este é o sinal da aliança que tenho estabelecido entre mim e toda a carne que está sobre a terra” (Génesis, 9,12-17). Assim nasceu, biblicamente, o maravilhoso arco-íris, o arco-celeste, o arco-da-velha. Velha porquê? Porque é descrito no Antigo Testamento, no Velho Testamento, ou seja, na lei velha.

Bem, agora que já tiveram sua cota de cultura inútil, voltemos à nossa tarefa principal. Dos ditados a seguir eu compartilhei somente alguns e todo o restante veio da colaboração coletiva.

“Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.”

“Num dia, calça de veludo; noutro, bunda de fora.”

“O sujeito roeu a corda.”

“O sujeito não vale o que o gato enterra.”

“O que arde, cura; o que aperta, segura.”

“Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa.”

“O pau que bate em Chico é o mesmo que bate em Francisco.”

“A grama do vizinho sempre é mais verde.”

“O que aqui se faz, aqui se paga.”

“Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.”

“Casa de ferreiro, espeto de pau.”

“Quem com ferro fere, com ferro será ferido.”

“Mais tem Deus para dar que o diabo pra tirar.”

“Filho criado, trabalho dobrado.”

“Um olho no gato e outro no peixe.”

“Quanto mais você é bom, mais te fazem de trouxa.”

“Apressado come cru.”

“Quem não tem cão caça com o gato.”

“Quem tem amigo não morre pagão.”

“O roto falando do esfarrapado.”

“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.”

“Vão os anéis, ficam os dedos.”

“Não confunda bife de caçarolinha com rifle de caçar rolinha.”

“Finge que me engana e eu finjo que acredito.”

“É de pequenino que se torce o pepino.”

“Quem espera sempre alcança.”

“Quem tem filhos tem cadilhos.”

“Farinha pouca, meu pirão primeiro.”

“Vai que a coruja erra o toco.”

“Morrem as vacas para a alegria dos urubus.”

“O vento que venta lá, venta cá.”

“Coruja quando gaba o toco é porque tá podre.”

“Quando a esmola é muita, o santo desconfia.”

“Desgraça de pobre só tem começo.”

“Fulano é que nem biscoito de polvilho: faz barulho, mas não resolve.”

“É andando que cachorro acha osso.”

“Se tem uma chance de dar errado, vai dar errado.”

“Quem tem um backup não tem nenhum.”

“Achado não é roubado.”

“Quem perdeu é relaxado.”

“Dois bicudos não se beijam.”

“Chuta que é macumba da brava.”

“Cabeça vazia, oficina do diabo.”

“Falando no diabo, apareceu o rabo.”

“De grão em grão a galinha enche o papo.”

“O sujo falando do mal lavado.”

“Chutou o balde.”

“Panela velha faz comida boa.”

“Chutou o pau da barraca.”

“Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”

“A cavalo dado não se olha os dentes.”

“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”

“Quem vê cara não vê coração!”

“Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé.”

E aí? Vocês também não teriam pelo menos alguma contribuiçãozinha para este nosso interessante rol de ditados do arco da velha? 😀

Moral conservadora: perguntas que podem revelar a hipocrisia

J. C. Guimarães

Costumes conservadores são baseados na ideia de família tradicional, homem e mulher, com nuclearidade na figura masculina; na monogamia; na heteronormatividade, combinando os dois sexos opostos; no judaísmo-cristianismo enquanto sistema de crenças transcendentais (do qual a Bíblia seria o código), com forte componente racial de superioridade dos brancos. Têm sido a ideologia hegemônica no Brasil desde os tempos coloniais, quando aqui teve início a exploração econômica, sexual e racial de nativos e africanos, pelos conquistadores portugueses. São a ideologia do governo atual porque são, também, a ideologia das classes dominantes e, até, das classes dominadas, que, reconhecidamente, tendem a reproduzir convicções estranhas aos seus interesses.

Não é preciso valer-se dos conceitos clássicos (de Morgan, Mauss, Malinowski etc.) para saber que essas representações mentais são estruturantes em sistemas culturais complexos. Legítimas, têm a função de dar significado e coesão a grupos que nelas se reconhecem. Sem elas, perdem-se as referências que mantêm a noção de ordem, fundamental para a manutenção cósmica. São, nesse sentido, verdadeiros nortes existenciais, em que se baseiam o equilíbrio comunitário e individual. Daí a violenta reação a tudo que ameaça o conservadorismo, como aqueles grupos em ebulição — as chamadas “minorias” — aos quais se contrapõe. Conviver com as diferenças não é fácil, pela simples razão de que todos os grupos humanos buscam não apenas a própria identidade e afirmação, mas também a universalização de seus valores. É a hegemonia que está em jogo e o temor de extinção de uns pelos outros, o que tenciona o conjunto social e leva ao confronto aberto. A sociedade brasileira chegou a esse estado de polarização, a partir de 2015. Desde então, costumes e valores viraram guerra declarada.

Convém perguntar: os tabus conservadores são integralmente levados a sério por seus aderentes? Analisados ponto a ponto, será verdade que os conservadores são fiéis ao conservadorismo? Serão eles, na vida privada, leais seguidores das normas de conduta publicamente exortadas e defendidas? Talvez nos decepcionemos ao entrar sorrateiramente nesta “honrada” casa, onde, ao que parece, nem tudo deve ser tão harmonioso. Pode ser que aquele elenco de ideias do início desse artigo seja ilusório — de fato, apenas ideologia —, falseando práticas comportamentais contraditórias que o desmentiriam, em parte ou no todo. Estudos antropológicos e sociológicos poderiam, com mais eficácia, revelar a imensa hipocrisia que nós, enquanto observadores, suspeitamos existir por entre as quatro paredes dessa casa. Uma série de questões bastante polêmicas se impõe, aos seus moradores.

O patriarcalismo apoia-se, inclusive, no Novo Testamento, e boa parte das mulheres aprecia a ideia de submissão a seus maridos. Mas em que porcentagem isso é escolha livre delas e não produto de repressão? É verdade que os casais, nas famílias tradicionais, estão mutuamente seguros da fidelidade dos seus parceiros? A monogamia é um fato social no Brasil. Significa que a fidelidade é, de fato, observada pelos conservadores ou a traição é mais comum do que se admite, entre eles? E, tendo em vista a traição, as esposas conservadoras têm a mesma chancela social que os maridos, para “pularem a cerca”? Elas estariam de acordo com uma provável desigualdade de tratamento? Casais conservadores restringem, realmente, suas relações sexuais entre marido e mulher ou, além de eventualmente se traírem, transgridem de forma associada, buscando práticas “corruptas” como o swing? Nesses jogos eróticos as trocas são entre sexos diferentes ou, eventualmente, ocorrem manifestações homoeróticas?

A homossexualidade é, de fato, raríssima ou comum entre os conservadores, incluindo seus líderes? Tudo isso não é nada conservador e levanta sérias questões morais, nos termos da moralidade que pretende se impor ao Brasil. Mas precisa ser respondido pelos conservadores, a fim de se estabelecer a coerência entre seu discurso e sua prática. Pública, inclusive.

Opções de arranjo familiar e escolhas sexuais interessam à religião, mas nunca foram agenda para o Estado laico, praticamente único no Ocidente e no Brasil. Somente em países comunistas, como a Coreia do Norte, e teocráticos, como o Irã, o governo controla a vida privada dos cidadãos. Agora, o governo brasileiro, que vocifera contra o Comunismo — regime “autoritário”, que “acabaria com a liberdade das pessoas”, e por isso “é preciso armá-las” — é o mesmo governo que se infiltra nas casas dos brasileiros para impor a visão de mundo de um grupo: os conservadores. Não precisamos, então, temer os comunistas, pois a principal missão da extrema-direita é, justamente, violar nossos muros para acabar com nossa liberdade. Pensando bem, aqui não há contradição, porque apenas comprova seu próprio autoritarismo, fascista. O que será contraditório é se, ao avançarmos das instituições públicas para os recintos domésticos desses novos moralistas, descobrirmos práticas que não recomendam. Será que não temem responder às perguntas mencionadas acima, expondo-se a um grave problema moral: a hipocrisia?

O conservadorismo, enquanto fenômeno público, é bem conhecido e assentado. Um estudo íntimo dele, porém, poderia surpreender a todos nós. E até escandalizar os menos liberais.

Twitescas

Amanhã é domingo
Pede cachimbo
Cachimbo é de barro
Bate no jarro
O jarro é fino
Bate no sino
O sino é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Bate na gente
A gente é fraco
Cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo!

Evangélico, eu?

Comecemos pelo princípio. Minha querida, amada, idolatrada, salve, salve Dona Patroa faz parte de um Pequeno Grupo da igreja evangélica que ela frequenta e, para fins de estudar a Bíblia, praticamente todas as sextas feiras eles se reúnem – e não me venham com críticas, pois em tempos de pandemia a reunião é virtual, tá o seus incréus!

Dia desses o foco do estudo foi a oração do Pai Nosso. Aqueles que a conhecem poderiam perguntar: “mas o que há para estudar numa oração tão curtinha que todo mundo já sabe de cor e salteado?”… Para de perguntar, ô criatura! Eu vou chegar lá. E a questão, na minha opinião, é exatamente essa. Esse Pequeno Grupo realmente se preocupa em compreender o conteúdo daquilo que professam.

Diferentemente da igreja católica, que acabou promovendo um Grande Cisma em decorrência principalmente das bulas papais – a história na realidade é bem mais complexa, mas basicamente essas bulas seriam “cartas de graças ou indulgências” por atos meritórios ($$$) -, as igrejas evangélicas de um modo geral parecem seguir mais o conteúdo dos Evangelhos do que o rastro do dinheiro.

E entendam que quando falo de igrejas evangélicas estou me referindo àquelas que verdadeiramente estão preocupadas e voltadas aos ensinamentos de Cristo e não aquelas reuniões caricatas para “expulsão do demo” ou para venda de canetas e vassouras “consagradas” pela bagatela de mil reais a unidade. Isso, para mim, juridicamente tem outro nome. E moral e pessoalmente tem um ainda pior, mas este aqui continua sendo um blog de família e me recuso a transcrever palavras (muito) chulas neste nosso espaço virtual.

Mas, para variar, estou perdendo o foco. Estávamos falando da oração do Pai Nosso. Comecei a pensar nisso tudo ao me pegar ainda hoje, quase dormitando, naqueles últimos momentos de sanidade enquanto o sono vai nos inebriando e começando a tomar conta da gente e que, no modo “piloto automático”, fiz minhas preces – que se resumem a recitar mentalmente as orações da Ave Maria e do Pai Nosso. É um hábito que adquiri há muito, muito tempo, da época de adolescência em que ainda era frequentador da igreja católica.

E então tive um momento de lucidez (e lá se foi o sono pelo ralo abaixo!) e perguntei para mim mesmo: “mim mesmo, qual é o porquê disso?”, quero dizer, por que repetir mecanicamente determinadas “fórmulas” e acreditar que nisso aí estaria a salvação? No fundo, no fundo, como eu disse, é mais um hábito que uma convicção, pois na prática – ainda que participe e comungue da fé de muitas – não frequento nenhuma igreja ou grupo religioso, pois ainda prefiro um bom proseio sem intermediários (como já lhes contei aqui e aqui)…

E isso me fez lembrar que as “novas bulas papais” já estão inseridas no contexto da igreja católica há tempos, na forma dos confessionários e a nova moeda seria a quantidade de reza e não a qualidade da oração. Pecou? Ora, não se preocupe! Seus problemas acabaram! Vá até o confessionário, ouça um entediante sermão e retire seu boleto de rezas! Mentiu? Dez ave marias! Roubou? Cinquenta pai nossos! Traiu? Trinta terços completos e suba de joelhos os 382 degraus da Escadaria da Penha! E pronto! Tá tudo resolvido, pois lavou, tá novo: a alma tá limpinha e novinha em folha para os próximos pecados!

Tá, é exagero, eu sei, mas eu sou assim mesmo, fazer o quê? “Vocês sabem que não posso resistir ao dramático”… Aliás, disso tudo o terço me parece ainda mais inócuo agora que parei para pensar. Você recita dezenas de vezes as mesmas fórmulas sem se ater a uma só palavra do que está repetindo! Isso é reza, não é oração… Lembro-me de uma vida que já não mais me pertence que das diversas vezes que já participei de novenas, minha boca se mexia em consonância com todas as demais, mas a minha alma e pensamentos divagavam em outras plagas bem distantes de onde eu estava.

Antes de encerrar, quero que entendam que não vim aqui para ofender nenhuma igreja, religião, grupo, congregação ou seja lá como for que se autodenominem. Este texto simplesmente traduz meu modo de ver as coisas e não tem nada do que escrevi que já não seja do conhecimento e entendimento até mesmo do reino mineral…

E mesmo que eu esteja falando do Evangelho, também é bom deixar claro que na verdade nenhum livro, qualquer que seja, teria a capacidade de trazer um “manual para a vida”. Não existe “receita de bolo”. Temos, sim, que pensar muito, interpretar muito, compreender seu conteúdo e ter o tirocínio pessoal acerca de sua aplicabilidade ou não nesta nossa existência terrena. E conviver com as consequências de nossas decisões.

Enfim, o que eu estou tentando lhes dizer é que acho incrível a atitude desse grupo de pessoas que dedicou mais de uma reunião para estudar uma oração que pode ser repetida em menos de um minuto (cerca de sete segundos se for rezando o terço), pois eles não estão preocupados em simplesmente seguir o conteúdo do Evangelho, mas sim em compreender as palavras de Cristo.

E creio que talvez seja nisso que estaria o que realmente diferencia esse Pequeno Grupo dessa longeva dicotomia assimétrica que tanto caracteriza a distinção entre católicos e evangélicos, pois eles não se enquadram em nenhuma “definição clássica” para nenhum desses grupos, pois eles são simplesmente o que são: cristãos.

Simples assim.

E após todas essas elucubrações mentais que me vieram à tona (e acabaram com meu sono), para que não digam que mesmo nestes tempos de pandemia não lhes deixei uma mensagem de Páscoa, então lá vai! 😁