Hebdomadário de um Temulento – II

“Mudança de hábitos”… Whoopi Goldberg que me perdoe, mas isso não é lá muito fácil, não. Ainda mais para um cara como eu, que adora uma rotina. Por exemplo: uma das coisas que costumeiramente costumo, como de costume, fazer, é ir no barbeiro. Nem sempre para cortar o cabelo, mas simplesmente para ficar vagabundeando por lá e tomando umas brejas, pois o ambiente é para lá de acolhedor, como já lhes contei no meu texto Os Barbeiros, lá de 2015. Apesar de que, desde o advento da pandemia, eu não comparecer com a mesma frequência de antes, sempre foi um local que gostei de estar. E, lógico, de beber.

Já tem mais de mês que eu estava ensaiando para ir até lá dar uma aparada na juba, até por uma questão de fidelidade ao Nando, meu barbeiro de plantão. Mas se mudanças são necessárias, por que não começar por aí? Deixemos as brejas de lado! Então combinei com o Vinícius, filho de meu amigo Evandro e que acabou de concluir um curso de cabeleireiro, que no sábado ele iria tosquiar este velho que vos tecla. É não é que ficou muito bom?

         

Um detalhe interessante para os novatos de plantão é que esse Vinícius já conheço de longa data, como dá para perceber nessa foto a seguir, de 2005, onde ele está junto com meu filhote caçula, o Jean (que hoje tem 18 anos), tomando o lanchinho da tarde…

Não mudou praticamente nada, né? Mas o que não mudou também foi minha capacidade etílica de sempre. A operação de desmatamento capilar se deu na casa do pai dele, meu amigo Evandro, copoanheiro das antigas e o remanescente de Los Três Amigos. Ou seja, obviamente, findo os trabalhos, sentamo-nos para tomar umas brejas. É, parece que essa “mudança” meio que não mudou muita coisa para a finalidade abstêmia que eu esperava…

E, pior, por motivos profissionais não pude comparecer na sessão desta semana lá na psicóloga, de modo que também não pude informar que falhei fragorosamente nas duas únicas tarefas que ela me deu: criar novos hábitos (distantes de ambientes etílicos) e tentar me reaproximar de meus filhotes. Até porque uma coisa leva à outra, pois mantendo meus hábitos e minha rotina, de igual maneira mantemos também nosso distanciamento e nossa contumaz falta de assunto.

Mas…

Talvez não seja o caso de simplesmente mudar meus hábitos. Talvez eu possa obter algum sucesso se retomar velhos hábitos que deixei de lado diante dessa minha temulenta desregrada vida. Vejamos o que temos: a reforma do meu Opala 79; a revisão e pintura de minha CB 400 81; pequenos reparos a serem feitos na casa (terei que ordená-los e criar uma lista de tarefas a cumprir); retomar minhas pesquisas genealógicas; organizar as informações para o próximo livro; retomar o projeto do livro de licitações (já perdi o bonde da história uma vez, quando do advento da chamada “Informática Jurídica”); voltar a escrever com regularidade no blog; retomar a digitalização e organização dos processos antigos de quando eu ainda tinha escritório… Enfim, há o que se fazer. Há com que ocupar minha mente para que eu mesmo me afaste dos encantos etílicos que, literalmente, usualmente embriagam minha alma.

Basta começar.

Boa sorte pra mim.

Hebdomadário de um Temulento – I

E eis que finalmente, depois de longo e tenebroso inverno (mais longo que tenebroso), finalmente resolvi dar o primeiro passo.

“Para onde?”, perguntar-me-iam vocês. “Não ‘para onde’, mas para quê”, responder-lhes-ia eu.

Já há muitos anos – eu disse ANOS !!! – que eu estou mergulhado no álcool. E nem é para ver se daria uma boa conserva, hein? Beber, beber, bebi desde a adolescência e durante toda minha fase adulta, mas era aquele negócio de final de semana, ou somente quando tinha uma festa, evento, sei lá, essas coisas. Muito de vez em quando um porre homérico, mas isso era mais exceção do que regra.

Porém de uns tempos pra cá comecei a tomar minhas cagibrinas praticamente todos os dias. Basicamente basta eu por o pé na rua e vou parar em algum canto específico para encher o caneco (na realidade são apenas três os botecos “pé-sujo” que frequento e gosto de frequentar). Não que amarre um porre diário, mas invariavelmente um semanal acaba acontecendo. E – oh, descoberta das descobertas! – percebi que isso está me fazendo mal. Fisicamente e financeiramente. Psicologicamente ainda vou muito bem, obrigado.

Mas mesmo assim somente com um trabalho psicológico é que eu terei como, se não me livrar, ao menos deixar essa bagaça sob controle. Eu acho.

Há meses a Dona Patroa vem me cobrando para tomar uma atitude, inclusive com bons argumentos, para todos os quais eu solenemente faço ouvidos moucos. Mas em determinado momento, nem eu sei o porquê, resolvi aceitar um desses conselhos. E então ela conseguiu o contato de uma psicóloga especializada no assunto, indicada por uma amiga, e o repassou para mim. E levou apenas algumas semanas para que eu agendasse uma consulta com ela…

E lá fui eu para o tal do proseio.

Conversamos um tanto, ela meio que tateando, tentando descobrir um tanto de quem eu sou e como fui parar ali. Minha vontade era já lhe dar alguns de meus livros de presente. “Faz o seguinte: dá uma lida aí no geral e quando concluir daí você me chama, tá bom? Desse jeito poderemos poupar um tanto de palavrório entre a gente e outro tanto de dinheiro para mim.” Mas alguma coisa me disse que não ia rolar. Talvez seja aquele fiapo que restou do que eu costumava chamar de consciência.

Num resumo do resumo do resumo da ópera, basicamente lhe disse que, apesar de ter consciência de meu alcoolismo, não me considero um viciado. Se eu não sair de casa posso ficar dias sem beber e até sem fumar e não sentir vontade nenhuma disso. O que eu quero dizer é que não sinto falta da bebida ou do cigarro, pois meu problema mesmo seria o “sair de casa”. E também não bebo por negação, trauma, fuga, ou seja lá o escambau que for. Bebo porque gosto. Porque é divertido. Eu diria que sou um alcoólatra do tipo do Mussum (quem aí ainda se lembra?), ou seja, um bêbado de bem com a vida. Algo assim.

Ela, por sua vez, me disse que o alcoolismo pode ter três fatores como gatilho: a personalidade, pois o indivíduo tímido bebe para se soltar (nem com o mais hercúleo esforço, simplesmente não consigo me imaginar como uma pessoa tímida que precisa beber para se soltar – antes o contrário, taca cachaça em mim pra ver se eu calo a boca!); a genética, pois o indivíduo pode ter um histórico familiar de alcoólatras (e nesse caso não teria o que se fazer, pois se tá no sangue, tá no sangue – que o digam meus avôs tanto paterno quanto materno, que adoravam tomar um porre de vez em sempre); e a sociedade, pois o indivíduo bebe para estar com os amigos, para fazer parte de uma “turma” ou algo do gênero (é, acho que a coisa deve ser mais ou menos por aí mesmo…).

Ela também citou que o primeiro passo mais importante já foi dado, que é eu reconhecer que tenho um problema. Comentou que, apesar de não adotar esse sistema, no grupo dos Alcoólicos Anônimos esse é o primeiro dos doze passos para se tornar um abstêmio, conforme consta lá no site deles: “1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”.

Passinho meio exagerado pro meu gosto, quando assim descrito. Prefiro simplesmente reconhecer que tenho um problema, mas de jeito nenhum que eu tenha perdido o domínio sobre minha vida. Já perdi o domínio sobre a conta corrente, sobre o cartão de crédito, sobre ter razão numa discussão com a Dona Patroa e até sobre “desta vez é mesmo a saideira, verdade”. Mas sobre minha vida? Nãnãninãnão!

Bão, enfim, proseia daqui, proseia dali, conto um tantinho do meu dia a dia e da minha vida e ela chegou a algumas conclusões e me deu algumas orientações:

Primeiro: eu estou tentando parar de beber porque gosto de mim, faço isso por mim, e não o faço porque quero agradar alguém ou atender o desejo de seja lá quem for.

Segundo: mudança de hábitos são importantes, ou seja, sair da espiral descendente na qual me meti e criar novos hábitos, novos percursos, novas tentativas, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais est… Pôrra! Eu sempre caio nessa mesma esparrela do Star Trek! Caráy… Enfim, devo criar novos hábitos. É isso.

Terceiro: tentar me reaproximar de meus filhotes, restabelecer o vínculo que, antes mesmo de cair na bebedeira, eu já havia perdido, conforme deixei claro no meu texto Pais e Filhos.

Muito bem, são essas as minhas “tarefinhas” para a semana, mas mesmo assim confesso, sem nenhuma culpa ou modéstia, que só não passei num boteco depois da consulta porque já estava tarde e eu tinha que voltar pra casa…

Tá certo que o que eu queria mesmo era fazer como Mário Prata descreveu em seu livro Diário de um Magro – e ói que eu até consegui achar qual foi o spa que ele citou no livro: é o São Pedro Spa Médico, que fica em Sorocaba, SP. Eu cheguei até mesmo a fazer uma cotação de quanto seria ficar pelo menos uma semaninha por lá, e me responderam que o pacote de uma semana para uma pessoa, no apartamento suíte standard (ar condicionado, frigobar, TV a cabo, Internet wireless, telefone e secador de cabelo), com eletrocardiograma, acompanhamento médico, clínico geral, psicólogo, avaliação geral com fisioterapeuta e nutricionista, com enfermagem 24 horas, direito a uma massagem anti-stress (hmmmm….), atividades físicas (caminhadas, hidroginástica, alongamento, ginástica localizada, aulas de ritmos, aula de tênis, etc), tendo sinuca, ping-pong e pebolim, com café da manhã, almoço, jantar e lanches inclusos, e mais uma caralhada de coisas, sairia pela módica quantia de R$ 4.500,00 à vista (ou 6 vezes no cartão, com juros extorsivos).

o_O

Foda-se.

Vou ficar mesmo é com minha psicóloga de cem contos por sessão.

Estrogonofe sem censura

Desde o começo desse absurdo bélico entre Rússia e Ucrânia muita bobagem tem sido dita – principalmente pelos próprios meios de comunicação. O amigo virtual Jarbas Novelino, lá do Boteco Escola, em sua conta do Facebook fez uma avaliação cirúrgica, lembrando que a cobertura midiática dessa guerra é de “uma pobreza jornalística que dá dó”, principalmente pelo simples fato de que não há correspondentes in loco. Os assim chamados “correspondentes internacionais” não estão nem na Rússia, nem na Ucrânia, mas sim confortavelmente instalados em seus estúdios em Londres, Nova Iorque, Genebra ou seja lá onde for, limitando-se a ser mera caixa de ressonância dos veículos noticiosos mais encorpados.

Independentemente disso, temos ainda a questão de que, por discordar da atitude da Rússia, muitos países impuseram embargos, sanções e boicotes contra o país. E o que significa isso? São ações que visam, principalmente, afetar a economia interna, impondo situações que possam afetar tanto a importação quanto a exportação de produtos, bem como retaliações em outras esferas àqueles que coadunam com essa guerra.

Agora vamos ao desatino da coisa – que é, justamente, a especialidade deste nosso cantinho virtual: diversos restaurantes brasileiros, em “boicote econômico” à Rússia, resolveram tirar do cardápio o estrogonofe. Sério. Gente, cada vez mais acho que o FEBEAPÁ está fadado a se tornar eterno neste nesse Brasilzão véio sem portêra, pois em meio aos horrores de uma guerra este nosso povo resolve tomar uma atitude que não afeta em nada o que está acontecendo lá fora! Provavelmente só pelo afã de demonstrar que estariam “antenados” com o resto do mundo…

Ora, façam-me o favor!

Enfim, toda essa introdução serviu para resgatar um post lá de 31/10/2014 publicado pelo Daniel Rodrigues no (quase) finado Deitando o Gato na Grelha, um blog pra lá de bem-humorado que, segundo ele próprio, é de “Receitas de churrasco como ele tem que ser. Sem frescura e sem rodeios. Porque homem que é homem esquenta a barriga na churrasqueira e esfria na geladeira de cerveja.” E garanto-lhes que as receitas dele são ótimas!

Divirtam-se!

Strogonoff, uma pérola da culinária soviética

Sou um cara das antigas. No meu tempo, a Rússia era apenas uma província da URSS, que respondia pelo pomposo, vistoso e lustroso nome de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Aliás, não respondia não, porque tinha uma tal guerra fria pegando, todo mundo com medo da bomba atômica, do MIG 29 (quem nunca assistiu Top Gun que atire o primeiro F-16), da estação MIR e da cadela Laika. E eles não respondiam nem pros Ianques, pra quem todo mundo respondia, então quem sou eu de falar que eles respondiam por alguma coisa…

Naquele tempo, os nossos camaradas, além de beber vodka, mandar foguete com cachorro pra lua e infernizar os americanos, se alimentavam alegremente com um delicioso prato que responde pelo nome de строганов.

Entendeu? O prato se chama строганов. строганов é uma coisa que se come. Não se fala, mas se come. A menos que você tenha feito parte da KGB num passado remoto (e se fez eu tenho medo de você), imagino que não consiga pronunciar o nome do prato. Cтроганов não é como feijão, arroz… Ou até mesmo Feijoada, que qualquer gringo sabe falar. Eles vão no boteco, falam “Feixoara” e o prato vem. Se eu ou você, ou nós dois juntos, formos à Rússia (prefiro chamar de União Soviética, mais charmoso) e pedirmos um строганов, ou ficamos com fome; ou levamos um cacete.

Imaginemos um tal de Sr. Dimitri Vladivostok (joguei muito War na adolescência).  Camarada Dimitri estava a largar a URSS querida e lançar-se ao mar rumo ao Brasil, como tantos fizeram nos tempos pós-segunda-guerra. Munido de toda a vodka que conseguia carregar, o Camarada Dimitri aportou nesta terra onde se plantando tudo dá, e começou sua pacata vidinha numa igualmente pacata cidadela deste nosso Brasil varonil. Solícito com os amigos e vizinhos, o simpático Camarada sempre convidava a todos a saborearem sua deliciosa строганов, receita cuidadosamente passada de mamuska em mamuska pela sua família, há séculos. E ninguém comparecia.

Rápido como uma Perestroika, Dimitri logo percebeu que as pessoas não iriam querer saborear um alimento do qual não entendiam uma única letra do nome. Ok, todos sabemos que строганов começa com C, mas essas línguas são muito loucas e de repente o C tem som de Y, ou de 9. Então ele colocou o Wladimir e o Mikhail Tico e o Teco pra funcionarem e numa bela tarde ao som de Raul Seixas… ele, que já passou pelos quatro cantos do mundo procurando, foi justamente num sonho, que ele lhe falou: STROGONOFF é a alcunha da sua oferenda, meu caro Dimitri.

Não seria nada incompreensível como строганов, não abandonaria as suas raízes bolcheviques, não lhe faria um traidor de Stalin, mas ao mesmo tempo era uma palavra que todo mundo  conseguiria pronunciar. Pois foi assim que o nosso destemido filho da Mãe Rússia saiu pelas ruas da pacata cidadela do nosso Brasil varonil gritando aos quatro ventos “Venham comer o meu Strogonoff!!!”. E foi um sucesso. Alguns estavam curiosos com o alimento, outros com pensamentos impuros em relação ao nosso camarada, mas como este estava com os cornos cheios de vodka, o resultado final é que todo mundo saiu feliz.

Agora vamos parar com essa enrolação e mãos à obra preparar essa verdadeira delícia da culinária Moskovita.

Por falar em Moskovita (R$6,90 aqui no Super Vizinho, mercadinho perto de casa), abra logo uma dose de vodka e façamos um brinde ao som das trombetas. Cantando comigo:

С помощью транслитератор из букв латинского алфавита получаются буквы кириллицы, иврита, белорусского, греческого, или украинского алфавитов. Этот транслитератор задумывался как сервис для русскоязычных жителей стран , находящихся за границей и желающих переписываться на родном языке. Если кто-нибудь говорит “Я пользуюсь транслитом”, то всем понятно – речь идет. Еще его называют просто

«транслит» или  желающих переписыват!!!
«транслит» или  желающих переписыват!!!
«транслит» или  желающих переписыват!!!
«транслит» или  желающих переписыват!!!

Cantou? Então bebe logo essa vodka e comecemos a nos embriagar com mais uma receita com o padrão de falta de qualidade Gato na Grelha:

A primeira coisa que você vai precisar é de um bom pedaço de carne e uma faca afiada. Mas que carne? Você pode preparar um strogonoff maneiro com vários tipos de carne (patinho, acém, alcatra…). Fuja das carnes muito gordurosas, que vão fazer do seu strogonoff um poço de banha, e fuja daquelas carnes que têm muita fibra, como o contra-filé. Na verdade, quem vai definir que tipo de carne você vai usar é o seu bolso. Patinho é barato, alcatra já nem tanto mas também não é uma fortuna, enfim. E como estamos falando do SEU bolso e não do meu, vou logo chutar o balde e te deixar cheio de carnê do açougue pra pagar: hoje vamos de filé-mignom, parceiro.

Sou muito fã desse corte. Eu e a torcida do curintia, do framengo e do parmera, né? É uma carne muito macia, muito saborosa, e que mantém o sabor e maciez mesmo sob condições extremas. E vamos colocar nossa carne sob condições marromeno extremas. Então é bom ela aguentar o tranco.

Nada disso de chegar no açougue e pedir aquele picadinho pronto pra strogonoff. Ali eles cortam do jeito que querem, pedações grandes, e você nunca vai saber se tem um filé de gato ali no meio. Então larga mão de preguiça e bora lá picotar nosso filé mignom. Pra nossa receita, uma peça de meio quilo já é o suficiente. Principalmente porque o FM (dá muito trabalho ficar digitando o tempo todo, então vamos chamá-lo de FM) é uma peça muito limpa, praticamente sem nervos ou gorduras, então você vai aproveitar praticamente 100% desse meio quilo.

Aí, merrmão.. o processo é o seguinte: afia a tua faca, concentra no que tá fazendo e picota a carninha até obter meio quilo de pequenos pedaços do tamanho de meio polenguinho. Teve infância, compana? Então você sabe do que eu tou falando. Picota mesmo, sem técnica, sem critério. Se você já esquartejou uma pessoa, saberá como fazê-lo. Se não esquartejou uma pessoa, também saberá. Foca na miopia e polengo na mente que você consegue.

Agora é hora de temperar o FM picado. Você ainda tem uma trabalheira pela frente, e aí a tua carne vai pegando gostinho do tempero, o que fatalmente vai se transformar em mais amor no teu prato.

ATENÇÃO: isso foi uma PIADA. JAMAIS coloque sazon num filé-mignon!!! Nem fora dele. Não gosto desses temperos de gultomato monossódico, não. Enfim, gosto pessoal. Se você quiser colocar sazon, coloca. Mas não me conta que a gente perde a amizade.

Você pode temperar o seu FM como quiser. Pelas experiências que eu já tive, recomendo apenas um pouquinho de uma pimenta tipo tabasco, pimenta do reino e sal.

Não recomendo usar temperos liquidos em abundância, porque você vai ter que fritar essa carne depois. Muito liquido pode miar a sua fritura e você acabar cozinhando a carne. Também não recomendo temperos com folhas. Uma vez eu usei orégano. O sabor até ficou legal, mas o orégano soltou da carne, obviamente, e ficou boiando pelo strogonoff, dando um aspecto meio esquisito. Nem pimentas em fruta, pelo mesmo motivo. Uma biquinha, por exemplo, vai ficar boiando no molho depois… Estranho. Vai de sal, pimenta do reino e tabasco que é sucesso.

Agora vai mexendo até o chão na boquinha da garrafa tudo aí e deixa o FM quietinho. Vamos à próxima.

Aproveita que a faca tá afiada, que você ainda tá sóbrio (eu acho) e que a animação tá te contagiando e tome mais uma dose de vodka picote uma cebola. Picota pequeno, compadre. Lembra sempre com essa sua cabeça de vento que você está fazendo um strogonoff de FILÉ MIGNON, e não um strogonoff de cebola. Pega duas panelas, e divide essa cebola picada em duas partes. Uma pra cada panela.

Aí o mais fino, elegante e sincero leitor desse blog me pergunta: “Mas por que duas panelas, meu caro escriba?”

E eu respondo: “Научиться пользоваться еще проще с помощью, наглядной!”, o que significa: “Para fazermos um belo e saboroso arroz branco, camarada!”. Mas aí surge um problema daqueles capazes de ruborizar o mais sem-vergonha dos leitores: Sim, eu sei fazer arroz. Sim, eu sei cozinhar coisas saborosas, elaboradas e elas costumam ficar deliciosas…. Menos o meu arroz. Meu arroz é péssimo. Em todos esses anos nessa indústria vital, eu nunca consegui fazer um arroz que não ficasse uma papa. Daqueles que você puxa um grão e vem a panela toda, sabe? Então. Por este motivo não tem nenhuma receita de arroz aqui no blog (tem algumas, mas tem migué. Lê que você vai entender). E por isso eu sempre pulo a confecção deste alimento nas minhas receitas. Assim como o farei novamente. Agora. Faça o arroz como quiser, ok?

Por favor, aceito dicas inbox.

Voltemos à panela do strogonoff, que é a única que nos interessa hoje. Aproveitando essa picotagem toda, picota bem pequeno E CUIDADO COM ESSE DEDO AÍ um dentinho de alho, daqueles que não são nem minúsculos, nem imensos. Nem o dente de leite do seu filho, nem o sabre do mamute. Você entendeu.

Vodka. Tome vodka. Se for balalaika, tome um pouco menos.

Tomate, chegou tua hora. Pode te preparar pra sofrer a mais desumana das torturas. Embora o tomate não seja humano. Mas ele é um vegetal que na verdade é uma fruta, e como tem muito humano que também é fruta, considero sim o tomate um humano e bora pra tortura.

Sabe tirar a pele do tomate? Não, você não vai descascá-lo como a uma laranja. Isso aí não tem a menor graça e a gente tá aqui pra ver tomate sofrer. Então pega uma panela, enche de água e bota pra ferver. Quando estiver a pino, jogue, sarcasticamente, o tomate lá dentro. Delicie-se com os seus gritos e súplicas de dor. Mas fica de olho, esses tomates são muito espertinhos e derretem rápido. E ainda vamos judiar um pouco mais. Tá de olho? A pele do tomate já fez algum rasgo? Isso mesmo, a pele do nosso prisioneiro vai abrir em algum ponto. Quando isso acontecer, tira ele da água quente. Agora olha que cruel: deita ele na sua tábua e vai arrancando cuidadosamente a pele, enquanto ele te conta toda a verdade. A pele se solta rapidinho e neste momento você terá um tomate sem pele. E sem vida.

Então pára de maldade, picota o tomatinho e guarda em cima da tábua mesmo.

Recapitulando:

1 – Picotamos uma linda peça de FM e temperamos. Ela tá em algum lugar da sua cozinha esperando por você. Pode ser em qualquer lugar, menos dentro da panela, ok?
2 – Picotamos meia cebola, esta sim está dentro da panela.
3 – Deixamos um alho banguela e o resultado está picotado dentro da panela.
4 – Temos um tomate sem pele, sem vida e sem dignidade picotado em cima da tábua.

Perfeito. Agora a coisa vai começar a cheirar bem…

Regue a cebola e o alho com azeite até cobrir o fundo da panela (tou acreditando que você pegou uma panela compatível com meio quilo de carne, certo?) e acenda, finalmente, o fogo debaixo dela.

O refogado é um dos momentos mais sublimes da culinária. Por isso, enquanto a cebola chia dentro da sua panela, tome mais uma vodkinha. Não sei você, mas eu já estou começando a ficar meio bebum. Bola pra frente.

Quando a cebolinha começar a ficar amarelinha, parecendo meio transparente, é a hora do FM entrar no jogo. Taca lá pra dentro todo o FM que você picotou. Dá uma mexidinha pra ele fritar legal.. Com o tempo, a carne vai começar a soltar um líquido e fazer daquilo um caldo com um cheiro delicioso. Pra saber se a carne tá no ponto… Tira uma e come, ué. A carne não pode estar mal-passada de jeito nenhum, porque a partir de agora, não vai mais ter fritura. Quando estiver no ponto, joga lá dentro o tomate. Dá uma mexidinha e deixa. O tomate tende a se dissolver, ou a ficar bem molinho.

Ah, esqueci de um cara importante: o Champignon. Sabe aqueles vidrinhos pequenos que vende no mercado, com campignon já picado? Então, taca um dele pra dentro. Se não estiver picado, pique. É importante ele ser pequeno. Só toma cuidado e não deixa aquela água da conserva cair dentro da sua carne. Ela é salgada e cheia de conservantes, vai estragar a receita. Cuidadaê!

Agora um toque que eu, particularmente, gosto muito: vai na geladeira, pega aquele catchup que você tem lá e manda uma golada de responsa pra dentro. É  mais ou menos a quantidade de catchup que você colocaria num X-Salada inteiro. Você vai saber o quanto.

Se você tem um catchup de qualidade na sua geladeira, tanto melhor. Se não tem, dá uma busca aqui no blog que tem uma receita maneiríssima de catchup da melhor qualidade.

Mexe. Tá ficando com um molho vermelhinho? É disso que eu tou falando, meu compana. Se você achar que o teu molho não tá lá muito vermelho, tá meio esquisito, pode jogar um pouco de molho de tomate pra ajudar. Imagina que você vai jogar uma lata inteira de um treco branco lá dentro, e o resultado final do strogonoff é uma cor meio laranja. Então bota essa palheta de cores pra funcionar e corrige o quanto julgar no molho.

Se você for daltônico, pensa que teu molho tem que estar com um azul bem maneiro, e o resultado final do strogonoff é um negócio meio amarelo-limão. Aí você pega aquele molho de tomate bem lilás que tem na sua geladeira e boa sorte aí pra ir corrigindo as cores. Enfim.

Mas que treco é esse que vamos colocar? É Creme de Leite, meu caro amigo… Aquele que sai do peitinho da vaca, que passou por um processo show de bola que eu não sei qual é, mas no final o que era pra ser comida de bezerro vira um treco bem cremosinho…

Só que você não pode simplesmente sair jogando creme de leite pelo mundo assim. Tem que tomar alguns cuidados antes. O creme de leite pode talhar com a temperatura, o fogo aceso, etc… Então desliga o fogo, joga o creme de leite lá dentro, mexe e pronto.

Tá feito o seu Strogonoff!

Emenda à Inicial: Acerca da “verdadeira origem” do prato, existem várias versões. A mais aceita é que teria origem por volta do ano de 1700 no seio (e vê se para de pensar bobagem aí!) da família Stroganov, uma rica família russa e de linhagem nobre. Os franceses teimam em afirmar que o prato não é russo, pois seria uma adaptação local de um prato deles – o que até faz sentido, afinal as famílias nobres russas costumavam ter um chef francês para servi-los.

Pois bem. Reza a lenda que o Conde Grigory Alexandrovich Stroganov – ou simplesmente ригорий Александрович Строганов – estava com problemas dentários e para que pudesse comer o chef do palácio adaptou o fricassé de carne (fricassé de boeuf), cortando em pequenas tiras e misturando a carne com um creme de leite tradicional russo. Tudo para facilitar a ingestão da comida. O acompanhamento era um caldo de legumes. Como foi feito para o Conde, o prato foi batizado com o nome da família.

Num livro de 1861 publicado por Elena Molokhoivets foi incluída uma receita de bife stroganoff com mostarda. Entretanto a receita original russa foi levada para a França pelo filho do Conde, Alexander, tendo sido publicada pelo chef Charles Brière por volta de 1891. O prato foi evoluindo e em 1912 Pelagia Alexandrova-Ignatieva acrescentou nova textura à receita, tendo incluído cogumelos, cebolas e molho de tomate, além de servir com batata cozida.

A Revolução Russa, de 1917, indiretamente exportou o prato para o exterior. E, na China, para onde alguns emigrantes nobres russos fugiram, o prato passou a ser servido com arroz – e foi essa “versão asiática” que foi adotada pelos americanos.

(Informações roubartilhadas daqui.)

Comida de Boteco

Dia desses, num breve proseio com o copoanheiro de plantão, falávamos sobre um tal de concurso que estão fazendo pelas redondezas: “petisco de buteco”.

É lógico que não poderíamos, juntamente com nossos fermentados e destilados de praxe, também deixar de destilar nossa etílica criatividade para um evento de tal pompa e circunstância! E se você tem estômago fraco então pare de ler este texto neste exato momento! Não só porque você não aguentaria uma verdadeira comida de boteco, mas também porque os níveis de ironia, sarcasmo e tiração de sarro seguem num tom bem elevado, provavelmente acima do suportado por pessoas sensíveis como você…

Continuou, né? Tá bom. Por sua conta e risco, então.

Pois bem. Ele me perguntou se eu havia lido o tal do edital desse concurso e comentou que parecia que tinha uma taxa de cem contos pra participação. Do edital já lhe adiantei que nem sequer passei perto, pois tenho mantido minhas leituras naquilo que importa pro meu ofício, então não vou gastar minha vista com um monte de letrinhas juridicamente embaralhadas – e que provavelmente levariam meu senso crítico a um outro estágio de sarcasmo. E quanto à taxa de participação, meu, CEM CONTOS? Sinceramente, não sei se a informação procede ou não, mas vocês não tem ideia de quantos “petiscos de buteco” dá pra fazer com essa grana!

E acho que foi aí que chegamos ao cerne da questão: será que o organizador desse concurso REALMENTE sabe o que é um boteco? Por mais louvável que seja a iniciativa, me parece que não. Pois boteco, boteco MESMO, é outra coisa. Talvez esse sujeito esteja acostumado não com botecos, mas sim com bares, lanchonetes, restaurantes, petiscarias, mas isso também é outra coisa. Provavelmente, diferente da realidade de um boteco, ele deve frequentar locais que possuem mesas com toalhas de linho, garçons pronto a servi-lo, maître para organizar o local, chefs para cuidar do cardápio, coristas seminuas dançando no palco bem em frente, enquanto que ali à direita, num pole dance, tem uma fantástica ruiva que… Não! Péra! Isso é outra coisa…

Enfim.

Onde estávamos?

Ah, sim. Boteco.

Boteco é um lugar em que o dono chega todo dia pontualmente sabe-se lá a que horas, abre as portas de aço, arruma as caixas de bebida num canto, entre as mesinhas de plástico e as de lata (às vezes tem algumas de madeira também), limpa a bagunça da noite anterior, dá uma varridinha de leve (os cantos das paredes são tradicionalmente arredondados de tanta poeira), desentorta a bandeira do seu time pendurada na parede, se benze em respeito à imagem do santo que fica no outro canto, recebe as pessoas, serve as bebidas, faz as comidas e ainda cuida do caixa. Às vezes tem algum membro da família pra ajudar (a esposa, o filho vagabundo ou aquele cunhado que ninguém suporta), às vezes não. Nesses casos, quando precisa pagar alguma conta na lotérica mais próxima, pega um dos cachaceiros de confiança pra “cuidar” do estabelecimento enquanto estiver fora, não sem antes dar uma boa medida no nível das garrafas de cachaça e outras bebidas que ficam ali, bem do lado da pia. O que ele não sabe é que o caboclo dá suas bicadas do mesmo jeito – mas depois completa com água!

Boteco vem de botequim, diminutivo de botica, derivado do grego apótheke, palavra cuja origem remonta a milhares de anos no passado e pode ser toscamente traduzida por algo como “casa de bebidas onde se reúnem pés sujos, cachorros, violeiros, cachaceiros e outros sujeitos bons de proseio”.

Apesar de uma tradicional confusão cultural, é importante lembrar que um boteco não é um bar. Nem mesmo um bar ruim, como diria Antonio Prata, estando mais próximo da definição do Leonardo Boff… Etimologicamente eu diria que boteco está para bar assim como moleque para criança, velho para idoso, futebol de rua para pelada. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Mas voltemos ao concurso.

Concluímos que se fôssemos nós a fazer um concurso de Comida de Boteco (“petisco” é muito fresco e “buteco” é uma corruptela que falta para com o respeito tanto à língua portuguesa quanto aos botecos de verdade – na minha nada humilde opinião, é claro), teríamos então que montar uma planilha de quesitos rigorosíssima e com uma pontuação condizente à realidade da coisa.

Já na primeira leva de palpites pensamos em algo específico em relação à comida em si: fragrância (cherança); substância (sustança); crocância (mordança); abundância (êita porção servida!); ignorância (arre égua!!!); e, ao final, é claro, ânsia.

Deveríamos também considerar a situação jurídica do estabelecimento: se possui documentação e impostos em dia; se as coisas tão atrasadas mas é do antigo dono que faleceu; se não sabia que precisava de tudo isso pra abrir um boteco; se tem que enxotar todo mundo e fechar as portas rapidinho sempre quando chega a fiscalização. Pontuação inversamente proporcional à regularidade do local.

Aliás, falando em fiscalização, concordamos de bom grado que se o boteco tiver alvará da Vigilância Sanitária já estará sumariamente desclassificado do concurso, deixará de ser considerado um boteco e ainda sofrerá boicote pelos cachaceiros da cidade!

Outro quesito importante: a chapa. Se tiver chapa. Uma chapa limpa e bem cuidada demonstra um nível de asseio inaceitável para o preparo de uma verdadeira comida de boteco. A graduação da pontuação começaria pela simples análise de quantidade de gordura acumulada, aumentando de acordo com os restos de outros lanches que tenham passado por ali e atingindo sua nota máxima caso sejam encontradas substâncias totalmente desconhecidas e inexplicáveis – mas que ainda assim proporcionam à comida aquele gostinho tão bão…

Já para as frituras serão analisadas a qualidade do óleo e a idade da panela. Caso o mesmo óleo não tenha sido utilizado para pelo menos cinco tipos diferentes de frituras (incluídos aí peixe, pastel e coxinha) não será sequer pontuado. A panela deverá obrigatoriamente possuir crostras negras de idade que remontam a eras geológicas por toda sua volta. Gambiarra no cabo (se tiver cabo) e furos tapados contam pontos extras.

O cozinheiro é um item à parte. Tá certo que existem aqueles botecos em que os donos já trazem “pronto de casa” ou mesmo que compram daquela tiazinha que acorda às quatro da manhã e prepara os salgados pra no mínimo metade dos bares da cidade. Mas não é disso que estamos falando. Ao preparar seus quitutes – quer sejam lanches, porções, frituras ou seja lá o que for (afinal de contas quase tudo levemente comestível ou mastigável pode ser considerado como “comida de boteco”) é importante avaliar tanto a forma de preparo quanto as condições do cozinheiro: se usa luvas descartáveis; se usa luvas NÃO descartáveis; se lavou as mãos; se cortou as unhas; se existe explicação pr’aquele preto debaixo das unhas; se ao menos tem unhas. Panos de prato também serão pontuados à parte de acordo com o nível de cândida acumulado que venha a ser encontrado nas tramas do tecido. Se for encontrada (o que garantiria uma pontuação extra). O manuseio também será avaliado: se o pano de prato permanece dobrado à disposição ali de ladinho; se encontra-se pendurado num gancho próximo; se está preso no lateral da gaveta do caixa; se fica no ombro do cozinheiro e é o mesmo que utiliza para enxugar os copos, limpar o balcão, enxugar o suor da testa, secar o sovaco e, eventualmente, assoar o nariz.

A apresentação tem diversas variantes, passando pela tradicional estufa em cima do balcão, invariavelmente com bandejinhas ostentando pedaços de carnes indefinidas praticando nado sincronizado naquela piscina olímpica de gordura e óleo, como também salgados amanhecidos dos mais diversos tipos (ovos cozidos coloridos, por serem representantes de uma outra época, garantem muitos pontos adicionais) até a simples vitrine com uma ou duas moscas varejeiras do lado de dentro atestando a qualidade do alimento. O suporte pode se dar através de pratos de louça, plástico ou isopor (limpos ou não); guardanapos de papel que podem ou não segurar aquela gordura pingando e escorrendo nos dedos; e mesmo a clássica retirada com uma pinça e entrega diretamente na mão mesmo do cliente. Saquinhos de papel de padaria, ainda que usados e com restos de farelo de pão, bem como pedaços de jornais em tiras podem eventualmente ser aceitos, desde que, neste último caso, seja de no máximo uma semana (não pelo estado de conservação, mas por só trazer notícia velha).

A forma de degustação está diretamente ligada à disponibilidade do ferramental. Explico. Quesitos específicos avaliarão se a iguaria sob análise deve ser apreciada com a utilização de talheres, palitos ou guardanapos. Os quesitos seguintes avaliarão se existem talheres, palitos ou guardanapos. A pontuação continuará de acordo se os talheres são ou não lavados regularmente; se os palitos são comprados, reaproveitados ou feitos em casa; se o guardanapo é de pano, papel absorvente ou aquele negócio de qualidade e origem indecifráveis, que raramente limpa algo e que fica naquelas papeleiras inoxidavelmente enferrujadas bem no meio da mesa. Pontuação extra levará em consideração a necessidade de que, com ou sem ferramentas, as mãos tenham que ser usadas na degustação e se foi possível limpar aquela meleca residual que escorreu por entre os dedos num guardanapo ou, na ausência de guardanapo, na borda da toalha da mesa ou, se a toalha for de plástico, qual foi o tamanho e a consistência da mancha que tenha ficado na calça. Mais pontos extras se nunca mais for possível usá-la.

Acompanhamentos obrigatórios de acordo com o tipo de comida servida podem também render pontos extras, sendo aceitáveis e pontuáveis elementos do tipo suco, refrigerante, cerveja, vinho do garrafão embaixo do balcão, cachaça, azeite, orégano, coentro, pimenta, pimenta forte, pimenta muito forte, pimenta da braba mesmo, água-água-pelamordedeus, Epocler, Eno, e outras variantes. No caso da cachaça ser o acompanhamento, quer seja da tradicional, quer seja da artesanal (hmmm… aquela amarelinha…), aos juízes fica proibida a degustação de mais de três iguarias por sessão, bem como voltar pra casa dirigindo, assim como a utilização de celular para enviar mensagem para aquela ex que não quer vê-lo nem pintado de ouro, mas pela qual ele sempre chora quando está de fogo.

No que diz respeito aos juízes qualquer um pode ser aceito, independentemente de currículo, não importando a cor, a raça, o sexo, a preferência sexual, a religião, o partido político, o time que torce, sendo apenas imprescindível que nenhum desses temas jamais seja discutido no boteco, mesmo sabendo, é lógico, que vão ser. A única exigência é que ao menos um deles, por razões óbvias, tenha que ter o apelido de “avestruz”…

Enfim, meus queridos, brincadeiras à parte, no que diz respeito ao tradicional boteco como o conheço, prefiro mesmo é ficar com as palavras finais daquele excelente texto do Leonardo Boff:

O boteco é um estado de espírito, o lugar do encontro com os amigos e os vizinhos, da conversa fiada, da discussão sobre o último jogo de futebol, dos comentários da novela preferida, da crítica aos políticos e dos palavrões bem merecidos contra os corruptos. Todos logo se enturmam num espírito comunitário em estado nascente. Aqui ninguém é rico ou pobre. É simplesmente gente que se expressa como gente, usando a gíria popular. Há muito humor, piadas e bravatas. Às vezes, como em Minas, se improvisa até uma cantoria que alguém acompanha ao violão.

Ninguém repara nas condições gerais do balcão ou das mesinhas. (…)

Se bem repararmos, o boteco desempenha uma função cidadã: dá aos frequentadores especialmente aos mais assíduos, o sentimento de pertença à cidade ou ao bairro. Não havendo outros lugares de entretenimento e de lazer, permite que as pessoas se encontrem, esqueçam seu status social e vivam uma igualdade, geralmente, negada no cotidiano.

Aliás, em tempo: caso alguém queira se aventurar na cozinha para tentar fazer alguma tradicional Comida de Boteco (quer venha a seguir as regras acima ou não), eis aqui algumas dezenas de receitas para que possa experimentar: Receitas do Festival de Comida de Boteco – BH.

E vê se me chama, hein?

Adêvogado dos bão

Dizem que aconteceu em Minas Gerais, em Ubá, cidade onde nasceu o genial compositor Ary Barroso.

Na cidade havia um senhor, cujo apelido era Cabeçudo. Nascera com uma cabeça grande, dessas cuja boina dá pra botar dentro, fácil, fácil, uma dúzia de laranjas.

Mas fora isso, era um cara pacato, bonachão e paciente.

Não gostava, é claro, de ser chamado de Cabeçudo, mas desde os tempos do grupo escolar, tinha um chato que não perdoava. Onde quer que o encontrasse, lhe dava um tapa na cabeça e perguntava:

“Tudo bom Cabeçudo?”

O Cabeçudo, já com seus quarenta e poucos anos, e o cara sempre zombando dele.

Um dia, depois do milésimo tapão na sua cabeça, o Cabeçudo meteu a faca no zombeteiro e matou-o na hora.

A família da vítima era rica; a do Cabeçudo, pobre.

Não houve jeito de encontrar um advogado pra defendê-lo, pois o crime tinha muitas testemunhas.

Depois de apelarem pra advogados de Minas e do Rio, sem sucesso algum, resolveram procurar um tal de “Zé Caneado”, advogado que há muito tempo deixara a profissão, pois, como o próprio apelido indicava, vivia de porre.

Pois não é que o “Zé Caneado” aceitou o caso? Passou a semana anterior ao julgamento sem botar uma gota de cachaça na boca!

Na hora de defender o Cabeçudo, ele começou a sua defesa assim:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

Quando todo mundo pensou que ele ia continuar a defesa, ele repetiu:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri..

Repetiu a frase mais uma vez e foi advertido pelo juiz:

– Peço ao advogado que, por favor, inicie a defesa.

Zé Caneado, porém, fingiu que não ouviu e:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

E o promotor:

– A defesa está tentando ridicularizar esta corte!

O juiz:

– Advirto ao advogado de defesa que, se não apresentar imediatamente os seus argumentos…

Foi cortado por Zé Caneado, que repetiu:

– Meritíssimo juiz, honrado promotor, dignos membros do júri.

O juiz não aguentou:

– Seu moleque safado, seu bêbado irresponsável, está pensando que a justiça é motivo de zombaria?
Ponha-se daqui pra fora, antes que eu mande prendê-lo.

Foi então que o Zé Caneado disse:

– Senhoras e Senhores jurados, esta Côrte chegou ao ponto em que eu queria chegar… Vejam que, se apenas por repetir algumas vezes que o juiz é meritíssimo, que o promotor é honrado e que os membros do júri são dignos, todos perdem a paciência, consideram-se ofendidos e me ameaçam de prisão! Pensem então na situação deste pobre homem, que durante quarenta anos, todos os dias da sua vida, foi chamado de Cabeçudo!

Cabeçudo foi absolvido e o Zé voltou a tomar suas cachaças em paz.

Moral da estória? Mais vale ser um “Bêbado Inteligente” do que um “Alcoólatra Anônimo”!

Mas pode ainda ter outra, melhorzinha:

“No mundo sempre existirão pessoas que vão te amar pelo que você é,
e outras, que vão te odiar pelo mesmo motivo.
Conforme-se com isso.”

Johnnie Walker X João Andante

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( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )

Bicarato

Quem capota primeiro? O lorde ou o caipira? Apostas ali no escritório, por favor.

Mas, caray, que porre! Esses gringos ainda não sacaram que cachaça é cachaça e uísque é uísque? E que, apesar do fraque e cartola, o lorde é muito mais cafona que o nosso legítimo e sincero e gente-boa e lesgal-pra-caramba e… eu-também-gosto-muitcho-docê-mas-ninguém-me-entende-você-é-um-amigão-mêsss! Dá-mais-uma-aí-Chefia!

Uísque Johnnie Walker tenta derrubar cachaça João Andante

A holding inglesa Diageo, detentora da marca do uísque Johnnie Walker, abriu processo administrativo no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) contra a cachaça João Andante. A Diageo acusa a empresa mineira de ser “imitação” de sua marca –segundo ela, avaliada em US$ 3,5 bilhões.

Mas o processo gerou publicidade para a cachaça e fez suas vendas dispararem. Nas últimas duas semanas, os pedidos feitos via e-mail já chegam a mil garrafas. Até então, as vendas eram de apenas 200 garrafas por mês.

“Os pedidos estão aumentando muito e nós sempre trabalhamos com margem e volume pequenos”, disse Gabriel Lana, 25, um dos donos.

A João Andante foi organizada em 2008 por quatro jovens que viam a atividade mais como um hobby do que propriamente um negócio empresarial. Cada um deles segue com sua profissão.

O desenho das duas marcas é representado pela figura de um andarilho, embora de classes sociais distintas: enquanto um é lorde, o outro é um jeca, ou capiau, conforme o regionalismo mineiro.

“Apesar de ambos os personagens mostrarem algumas distinções, o uso da expressão ‘João Andante’, que é a tradução literal de ‘Johnnie Walker’, evidencia a intenção de criar uma ‘versão local’ da marca”, argumenta a holding inglesa por meio do escritório de advocacia Dannemann Siemsen.

Os mineiros negam que o uísque tenha sido a inspiração e sustentam que o Walker da marca inglesa nada tem a ver com andar ou caminhar –é um sobrenome.

Afirmam que a ideia é a de um caixeiro-viajante, que é um andarilho, segundo o escritório de advocacia Hidelbrando Pontes e Associados.

[Copy&Paste direto da Folha.com]

Esses gringos, sempre se achando... nhé!

Segunda dose: uai, mas é claro que o João Andante tem sítio-chácara sim. E é bem bacana, óia só aqui. E tem mais causo também lá no Dono do Bar