Casas Entristecidas

Autora: Walcerly Corrêa de Oliveira
Pedagoga especializada em Educação pela Universidade de Campinas
Artigo publicado no jornal Diário de Jacareí em 30/AGO/2009

De repente, depara-se com um imóvel residencial antigo, destoando da maioria das edificações das ruas, agora movimentadas.

Seus antigos donos já se foram e seus descendentes, por motivos diversos, venderam as propriedades ou as deixaram aos cuidados de locadores, que dão a elas uma finalidade qualquer.

Tímidas e isoladas, entre construções modernas de desenhos frios e materiais sintéticos, essas construções, de elaborada e suntuosa arquitetura, que resistem à ação do tempo ou à demolição, humildemente exercem agora função bem diferente da original, ora servindo ao comércio, ora adaptadas para estalagens ou para frios comitês políticos.

Os poucos imóveis residenciais antigos que ainda restam, habitados por algum membro da família de origem, e que outrora foram cheios de movimento e vida, são agora casas entristecidas.

Suas dependências, onde as famílias se reuniam ao final da tarde e eram especialmente iluminadas em dias de festas, hoje são frios espaços vazios.

Os amplos e confortáveis quartos, antes ocupados por filhos ainda crianças em um entra-e-sai vivificante, hoje são solitários depósitos de velhos objetos empoeirados que, junto com o cômodo, perderam a razão de existir, mas que inconscientemente são mantidos ali, como se o tempo pudesse retornar…

A suntuosidade da construção já não mais é conservada por manutenção, seus vidros se tornaram baços e suas paredes pálidas.

As janelas, destas casas entristecidas, sempre fechadas como para que impedir a saída das lembranças que ali devem estar preservadas, dão-lhes um ar de mistério e causam tristeza seus jardins descoloridos e abandonados, onde velhas e estéreis plantas ainda resistem sustentadas por bulbos profundos plantados por mãos que já se foram…

Casas entristecidas, espremidas entre modernas e funcionais construções, geralmente são indiferentes à maioria: a alguns despertam curiosidade, a outros melancolia, a muitos interesse especulativo, mas aos que valorizam histórias de gentes, despertam saudades…

O colar do “Sete Orelhas”

Ainda ontem – não sei mais o porquê – estava eu cá a me lembrar de antigos causos de família… Mas somente os recentes, dos quais se não participei eu mesmo, limitam-se a uma, quando muito duas gerações.

Mas existem os mais antigos. O dos antepassados, parentes ainda que longínquos. E nessa seara está esse causo que segue, contado e recontado pelas bandas do Sul de Minas em diversas versões…

Autor: Afonso Schmidt
Baseado em Cássio Costa: Achegas ao Folclore Mineiro.
“Jornal do Comércio”, 17-4-55 – Rio de Janeiro

Há anos íamos de automóvel com mais alguns companheiros, de Três Corações para Lavras, no Sul de Minas quando, próximo do lugarejo que se chamava São Bento, hoje Eremita, cortando belíssimo trecho à borda de uma pirambeira, ou desbarrancado, alguém apontou para modesta casa de fazenda que via a cerca de 400 metros de distância, ao lado de majestoso pau de óleo, vermelho, redondo como enorme guarda-chuva e falou:

– Lá está a casa da fazenda do “Tira-Couro”, de tenebrosa memória!

Vagamente já ouvíramos falar dessa propriedade e de um pavoroso crime ali cometido. então, o amigo, diante da nossa curiosidade, contou o que sabia:

– Isso faz muito tempo. Era dono destas terras de criação certo ricaço, pai de quatro filhos varões e uma filha. A menina, apesar do isolamento em que vivia, acabou gostando de um rapaz da sua condição, forte e trabalhador, filho de outro fazendeiro da vizinhança. Não se sabe por quê, o casamento deixou de ser do agrado da família da moça, que resolveu impedi-lo a todo custo. Isso porém, não foi obstáculo para que os dois namorados vivessem o seu romance simples e natural, cujos sinais apareceram com toda evidência pouco tempo depois.

Quando o fato chegou ao conhecimento do pai e dos irmãos da jovem, houve grande indignação, planos de exemplar vingança. Um dia, agarraram o rapaz e o amarraram pelos pés a um galho baixo daquele pau de óleo e, com afiadíssima faca, o castraram e começaram a esfolá-lo como se faz a um suíno. Quase no fim da bárbara tarefa, apareceu de repente um irmão da vítima, o qual pensavam estar longe dali, cabra valente e decidido, bom na pontaria, que apenas com sua aparição, fez todo mundo correr.

Chamava-se Januário Garcia. Cortou a corda em que estava pendurado o irmão e, vendo que este morria em seus braços, jurou matar um a um toda a família dos assassinos. E foi dando cumprimento à promessa. Cortava a orelha esquerda de cada cadáver, para com elas fazer um colar que trazia no pescoço. Por fim, já havia matado seis e andava à cata da sétima e derradeira orelha cujo dono, na época do crime, era um menino.

Certa tarde, extenuado de tanto caminhar, tinindo de fome, o matador topou com um rapazola que tratava de acender o fogo para aquecer a matula. Puseram-se a conversar. Palavra vai, palavra vem, acabou o meninote por dizer que andava escondido pelo mato porque tinha a vida jurada. Há anos fugia do homem que já havia matado seu pai, sua irmã e três irmãos.

– De onde és tu, menino? – perguntou Januário.

– De Três Corações, filho de…

– Pois sou eu o Januário Garcia, que matou tua gente e que te procura há muito tempo, para te matar também!

Diante da expressão de terror do rapaz e do fato de haver participado da sua parca comida, o bandido ficou em apuros com a própria consciência. Por outro lado, achava que não podia dar por perdidos os anos que passara à procura da última de suas vítimas, nem faltar ao solene juramento que fizera diante do cadáver ainda quente do irmão querido. Depois de hesitar um pouco, resolveu ser generoso, generoso a seu modo, oferecendo uma oportunidade ao espavorido mocinho, que tremia diante dele, esperando a sentença.

– Como você parece bonzinho e repartiu comigo a sua matula, vamos fazer uma coisa: você sai correndo, eu conto até dez e depois faço fogo. E só dou um tiro. Se não acertar, você continua correndo e vai-se embora.

Assim se fez. Mas aconteceu que Januário ainda não tinha esquecido a pontaria e a carga acertou mesmo na nuca do rapaz que afocinhou morto no chão, vindo logo a sua orelha a completar as contas do sinistro rosário e dar ao seu portador a famosa alcunha de “Sete Orelhas”.

Em Três Corações e cidades próximas, essa estória está na boca do povo, quase com as mesmas palavras. No entanto, há quem conte que Januário Garcia morreu num jogo de búzio onde, sem dinheiro, quis pagar a parada com o seu famoso colar de orelhas ressequidas. Teria havido grande tumulto, morrendo o herói, de uma facada. Outros afirmam que ele morreu de morte natural em idade avançada.

Conto publicado em:

Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro – Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro
Seleção de Mary Apocalyse / Supervisão Literária de Afonso Schmidt
Livraria Literart Editora – SP
1962

O Rio Paraíba – O “Furado”

Autor: Prof. Benedicto Sergio Lencioni
Publicado p. 33/37 da revista Historias gentes e cousas de minha terra
Jacareí – SP

O Rio Paraíba mudou de leito!

Lembro-me de ter ouvido, várias vezes, durante minha adolescência que o leito do Paraíba fora mudado pelo trabalho dos escravos de um fazendeiro, durante a noite.

Esta afirmativa despertava a minha imaginação, à base de imagens e fatos correlatos: Durante a noite, ao som de estalidos de chicote, braços negros e luzidios enterravam enxadões em solo virgem e o rasgavam pela primeira vez. Centenas de escravos trabalhando maquinalmente, abrindo o leito por onde correria pacatamente o lendário Paraíba.

Não imaginava outra cena, senão esta, que ainda hoje me acompanha como verdadeira, quando penso na abertura do célebre “furado” que mudou, por volta de 1850, o leito do Rio.

Ele passava, numa acentuada curva, nos fundos da Santa Casa de Misericórdia, banhando antes o atual leito da E. F. Central do Brasil no Cassununga e completando-se além da Rua XV de Novembro, passando pelos fundos da Igreja Matriz de N. Sa. da Conceição.

Que ele foi mudado provam os documentos e os indícios, mas que teria determinado a mudança do leito? Quais suas consequências? É o que procuraremos decifrar após a leitura e estudo dos documentos que conseguimos colher.

Em fins de 1850 ou 1851, o influente Barão de Jacareí encaminhou ao Juiz de Paz em exercício, Sr. João da Costa Gomes Leitão, o seguinte embargo:

“Ilmo. Snr. Juiz Mal. Supplente

Diz o Barão de Jacarehy, que estando prezentemente o Inspetor da Estrada geral abrindo hum Furado para novo encanamento do rio Parahyba, direcção que desvia extraordinariamente o rio da povoação em reconhecido prejuizo do publico, e especialmente do supplicante, porque o seu predio por onde passa o Parahyba perde consideravelmente de valor, como tudo se mostrará a seu tempo, vem requerer a V. Sa. Mandado de Embargo em dita obra, afim de que esta não continue, citando-se o Inspetor para audiência deste Juizo assistir aos artigos de nunciação e para todos os mais actos da cauza.

E. R. Mcê.

a) Barão de Jacarehy”

O embargo do Barão de Jacarehy suscitou o problema na Câmara e foi efetuada uma vistoria nas obras do “Furado” conforme atesta o interessante documento abaixo:

“Tristão Rodrigues da Silva, Escrivão do Juizo de Pas nesta cidade de Jacarehy e seo distrito na forma da lei. Certifico que revendo o Protocollo das Audiencias do Juizo de Pas nelle as Folhas quarenta hum verso athé quarenta e dois verso achei o Termo pela forma seguinte: Aos dois dias do mes de Março de mil oitocentos e oitenta e hum (1) nesta cidade de Jacarehy Comarca da Imperial Cidade de São Paulo, dirigindo-se o Actual Juiz de Pas em exercicio commigo Escrivão de Seo Cargo Ao diante nomeado e o official de Justiça Luiz Pinto de Morais e as Testemunhas Leocadio da Siqueira Cortes e Joaquim José dos Santos, ao Porteiro do Alferes João da Costa Gomes Leitão onde se estava abrindo hum furado para novo incanamento do Rio Parahiba o qual incanamento desvia o mesmo Rio sento e setenta braças da Povoação; E sendo ahy por ele Juis ditto que sendo a referida obra evidentemente Prejudicar ao Publico pois que retirava o curso do Rio muitas braças de huma grande parte da Povoação, deixando de paçar alem de por muintos Predios particulares, pela Caza de Caridade desta Cidade, indo essa nova direção do Rio ofender em grande parte a Ponte, na qualidade de Juis de Pas e poriço com o dever de ivitar qualquer obra prejudiciar ao Publico, muinto principalmente não existindo no lugar otro qualquer Juis no cazo de se opor a referida obra; E tão bem porque existe huma representação delle Juis ao Excelentisimo Presidente da Provincia sobre este mesmo furado, cuja representação viera para a Camara desta cidade informar. Não sendo avista desto posivel tal obra continuar, pois que he claro que o Governo procura dados para resorver-se com pleno conhecimento de cauza. Tendo-se já pidido huma convocação extraordinária da Camara, poriço fazia-se ver ao Inspetor desta obra João Rodrigues Munhos que não devia continuar nella athé que a Camara informace e o Exmo. Presidente da Provincia resolve-se a respeito, tanto mais que elle Inspetor hera o mesmo Vice-Presidente da Camara a quem tinha vindo a representação, e a quem consta a elle Juis que hum vereador avia requerido convocação da Camara Extraordinaria para informar sobre o objeto, e por elle Inspetor foi ditto que não tinha obrigação de convocar Camara já, poriço que estava incomodado e que não tinha a dar satisfação a ninguém, poriço que estava aotorizado por huma Portaria para esse fim do Exmo. Prezidente ao que elle Juis replicou que esta obra já se tinha começado sem aotorização no dia quatro do corrente como consta da copia della, e para constar mandou elle Juis lavrar o prezente Termo que asigna commigo Tristão Rodrigues da Silva Escrivão de seo cargo e as Testemunhas Leocadio da Silveira Cortes e Joaquim José dos Santos que a rogo do mesmo asigna José Rodrigues da Silva Toledo. Assignaturas: Frederico Candido de Lima Juis de Pas em exercicio. Leocadio da Silva Cortes. Jose Rodrigues da Silva Toledo, he o que se contem o dito Termo a qual me reporto e dou fé. Jacarehy 10 de março de 1851. Tristão Rodrigues da Silva, Escrivão do Juiso de Pas.”

Em data de 10 de março de 1851 o Sr. João da Costa Gomes Leitão em vista da autorização e da pertinácia do encarregado da obra do “Furado” exarou o seguinte despacho ao embargo do Barão de Jacarehy:

“Não tem lugar o que o suple. requer, visto o Inspector da Estrada Geral abrindo o dito furado por portaria do Exmo. Snr. Prezidente da Província e com sepção do proprietário. Jacarehy 10 de março de 1851.

a) Leitão.”

A mudança do leito foi efetivada, baldados os protestos e a celeuma levantada. Quatro anos após, em 22 de setembro de 1855, mais uma vez o Barão de Jacarehy, ainda não se conformando com a mudança declarava em reunião na Santa Casa “que não fazia a obra na enfermaria grande, mas que dava à Irmandade a quantia de 1:000$000 se ella conseguice voltar o Rio Parayba ao seu antigo leito”.

Em 7 de outubro do mesmo ano o Barão demitiu-se da Irmandade, “ao que parece por não ter a mesma se interessado pela volta do rio ao antigo leito” escreveu Rogélio Rodrigues no seu livro “Santa Casa de Misericórdia de Jacareí – Seu primeiro Século”. Não foi este apenas um episódio envolvendo a Casa de Caridade e o problema do “Furado”, outros se verificaram, uma vez que em sua Irmandade encontravam-se as pessoas mais influentes da cidade.

No livro de Atas da Câmara encontramos a seguinte discussão sobre o assunto, quando se procurava solucionar o problema estudando-se uma nova direção ao Rio. A Comissão Permanente encarregada de dar seu parecer sobre o novo “Furado” e prevenir a continuação desses danos, deu o seguinte parecer:

“Fazendo-se a mudança do Rio Parahyba pelo posto do Sr. Joaquim Antonino e procurando o antigo leito, previne-se todo o mal futuro: porém sendo esta mudança muito dispendioza, e talvez com tanta dificuldade, quer quando se realize a mudança, já o rio tenha dado grandes prejuizos.

A outro meio que sendo facilimo é muito dispendiozo, e por isso a Comição é de parecer que se lance mão delle, e é o seguinte:

Fazem-se mudar o rio pelo lado direito principiando pelo pasto do Sr. Leitão pouco para cima do portão do mesmo pasto, e dahy fronteando uma árvore que se acha no pasto do Sr. Joaquim Antonino, porque assim supõem-se que o rio procurando o meio previnira o mal, e quando não previna dará tempo a dar-se outras providências. Martins e Cardozo.

O Sr. Leitão largou a cadeira, e indicou que, se pelo pasto delle ficar melhor, que elle dá o terreno, mas que julga que fica no mesmo estado, e que sendo para por o rio em seo antigo leito, fazendo uma valla no pasto de Joaquim Antonino, procurando a volta do Cassununga, êlle dá para adjutoria 500$ Reis e o Sr. Joaquim Antonino Rapozo, fazendo-se a mudança do rio conforme indicação do Sr. Leitão tão bem dá 500$000. Reis.

A Camara officiou ao Exmo. Prezidente para êlle resolver a respeito mandando um Engenheiro para observar o melhor lugar, orçar a quantia priciza e dar a planta da óbra votando vencido o Sr. Andrade e Camara.”

Esta reunião extraordinária da Câmara Municipal realizou-se a 12 de outubro de 1863 e em data de 17 de dezembro de 1864 enviava ao Presidente da Província o seguinte ofício, dizendo entre outras informações:

“Percorre êste município o Rio Parahyba, que é navegável desta cidade para baixo. nada pode dizer esta Camara sobre profundidade, correnteza, largura e mais circunstâncias que podem interessar a navegação, porque não ha trabalhos a respeito no archivo desta municipalidade.

O rio Parahyba em consequencia de um canal que foi aberto por ordem do Exmo. Snr. Presidente Vicente Pires da Motta, em 1851, tem levado a força de suas correntes para uma direção tal que vae fazendo visivelmente um novo leito, de modo que a magnifica ponte de pedra que está sobre elle, e ponte que custou à provincia mais de 70 contos, vae ficar em secco, lançando-se o rio para o lado da cidade, onde causará graves prejuisos. Em vista disto esta Camara já representou ao Exmo. Governo Provincial por duas vezes, pedindo providencias e a illustrada Assembléa Provincial votou na sessão do presente anno a quantia de 2:500$000 para dar nova direcção ao rio. Infelizmente, porem, esta medida de salvação não tem tido applicação, de modo que breve a provincia terá o prejuizo da perda infallivel da ponte de pedra, e ainda maiores prejuizos pela aproximação do caudaloso rio que com suas enchentes impetuosas inundará esta cidade. Esta Camara toma a liberdade de chamar a sabia attenção de V. Excia. para este grave assumpto.

Paço da Camara Municipal da cidade de Jacarehy, em sessão ordinaria de 17/12/1864.

a) João da Costa Gomes Leitão
Ignacio de Siqueira Cardozo
Salvador de Oliveira Preto
Candido de Siqueira Cardozo
Joaquim Antonio de Paula Machado
Felismino Delfim d’Andrade e Camara”

Como se observa pela redação deste ofício, ainda nessa data a ponte de pedra não estava inutilizada de todo, o que nos leva a concluir que havia o leito velho e o “furado”, portanto o Paraíba correndo em duas direções. Também se deduz pela leitura que o “furado” foi se alargando pela “força de suas correntes” até dar o leito atual, ficando seu antigo o “lamaçal do cassununga” e o então “esmaga sapo”, hoje, ambos aterrados.

A preocupação dos homens públicos da época é constante e novas solicitações são formuladas: 5/4/1867, 7/8/1869: “É esta a décima vez que fazemos êste pedido”. Devido a tantos reclamos insistentes da Câmara o Governo da Província determinou em 6 de novembro de 1869 a vinda do engenheiro para estudar o controvertido assunto.

Em 14 de novembro de 1877 a Câmara mais uma vez voltou à carga comunicando ao Presidente da Província: “O rio continua a produzir desmoronamentos na margem do lado desta cidade e ultimamente com tanta força que formou um reconcavo. Neste andar, pois, é lógico que dentro em pouco tempo este desmoronamento alcance o leito primitivo”.

Nada disto, porém, aconteceu. O rio permaneceu em seu novo leito. O “furado” levou o rio para mais distante da cidade e suas águas deixaram no Cassununga o vestígio periódico do antigo leito – uma região baixa, inúmeras vezes inundada nas cheias.

Em 17 de maio de 1903, o assunto fôra, certamente, pela derradeira vez abordado em reunião da Mesa Administrativa da Santa Casa, nesta feita já intimamente ligado aos interesses do hospital no aproveitamento do leito antigo e não mais de seu retorno.

Como fato consumado, o assunto não mais agitou os meios políticos conformados com a irreversibilidade. O assunto estava encerrado.

(1) Estando o documento datado de 10 de março de 1851 trata-se de equívoco a data 2 de março de 1881.

Bibliografia:

  • Atas da Câmara Municipal de Jacareí
  • Santa Casa de Misericórdia de Jacareí – Seu Primeiro Século de Existência – autor: Rogelio Rodrigues

 

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Imagem constante na pág. 21 do livro Pelas Ruas da Cidade,
de autoria de João Baptista Denis Netto – o Jobanito.

Saudades…

“Cabelos Negros” – Eduardo Dusek

Fogão de lenha. Madeira queimando, fumaça subindo. Leitoa com recheio de farofa. Doce de leite na forma. Leite quentinho, espumando, direto da vaca… na caneca esmaltada, com Toddy no fundo. Água gelada de ribeirão. Peneira pra pescar guaruzinho. Fritada de peixe. Mesa de madeira rústica. Chão de terra batida. Banco de uns três metros pra todo mundo sentar. Despensa de mantimentos. Cachorros na porta da cozinha. Meia porta pro lado de fora. Janela de madeira com tramela. Colchão de palha. Folha de bananeira. Escorregador de morro abaixo. Bica d’água. Corrente na roda pro carro subir o morro no barro em dia de chuva. Barco na represa. Linhada. Vara de pescar de bambu. Minhoca, milho verde e queijo prato. Acará, tilápia, rabo vermelho, saguiru, bagre, piaba, traíra e cascudo. Lampião de gás. Chapéu, cavalo, arreio e sela. Causos de família. Céu azul.

Ah… Bateu uma saudade da infância na casa de minha avó…

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Eras Japonesas

Sistema de contagem dos anos no Japão, baseado no período de cada um dos Imperadores.

IMPERADOR MATSUHITO
ERA MEIJI
(08/09/1868)
IMPERADOR YOSHIHITO
ERA TAISHO
(12/07/1912)
IMPERADOR HIROHITO
ERA SHOWA
(25/12/1926)
IMPERADOR AKIHITO
ERA HEISEI
(08/01/1989)
 
 
 
 
 
 
 
 
1868 – 01
1869 – 02
1870 – 03
1871 – 04
1872 – 05
1873 – 06
1874 – 07
1875 – 08
1876 – 09
1877 – 10
1878 – 11
1879 – 12
1880 – 13
1881 – 14
1882 – 15
1883 – 16
1884 – 17
1885 – 18
1886 – 19
1887 – 20
1888 – 21
1889 – 22
1890 – 23
1891 – 24
1892 – 25
1893 – 26
1894 – 27
1895 – 28
1896 – 29
1897 – 30
1898 – 31
1899 – 32
1900 – 33
1901 – 34
1902 – 35
1903 – 36
1904 – 37
1905 – 38
1906 – 39
1907 – 40
1908 – 41
1909 – 42
1910 – 43
1911 – 44
1912 – 01
1913 – 02
1914 – 03
1915 – 04
1916 – 05
1917 – 06
1918 – 07
1919 – 08
1920 – 09
1921 – 10
1922 – 11
1923 – 12
1924 – 13
1925 – 14
1926 – 15
1927 – 01
1928 – 02
1929 – 03
1930 – 04
1931 – 05
1932 – 06
1933 – 07
1934 – 08
1935 – 09
1936 – 10
1937 – 11
1938 – 12
1939 – 13
1940 – 14
1941 – 15
1942 – 16
1943 – 17
1944 – 18
1945 – 19
1946 – 20
1947 – 21
1948 – 22
1949 – 23
1950 – 24
1951 – 25
1952 – 26
1953 – 27
1954 – 28
1955 – 29
1956 – 30
1957 – 31
1958 – 32
1959 – 33
1960 – 34
1961 – 35
1962 – 36
1963 – 37
1964 – 38
1965 – 39
1966 – 40
1967 – 41
1968 – 42
1969 – 43
1970 – 44
1971 – 45
1972 – 46
1973 – 47
1974 – 48
1975 – 49
1976 – 50
1977 – 51
1978 – 52
1979 – 53
1980 – 54
1981 – 55
1982 – 56
1983 – 57
1984 – 58
1985 – 59
1986 – 60
1987 – 61
1988 – 62
1989 – 01
1990 – 02
1991 – 03
1992 – 04
1993 – 05
1994 – 06
1995 – 07
1996 – 08
1997 – 09
1998 – 10
1999 – 11
2000 – 12
2001 – 13
2002 – 14
2003 – 15
2004 – 16
2005 – 17
 


Giri

O conto dos Quarenta e Sete Vassalos Leais

Alexandre Nuernberg
Adaptado do mangá “Lobo Solitário” (Kozure Okami),
de Kazuo Koike (argumento) e Goseki Kojima (desenho).

Era uma época insana. O menor capricho do Shogun tornava-se lei posta em vigor pela pena de morte. Ensinamentos de Buda, que condenavam a violência e a crueldade, foram deturpados em mandamentos contra a morte de animais de toda a espécie, decretando a fome e a peste aos outrora férteis campos do Japão. Caçadores enchiam as ruas, voltando-se para a mendicância e o crime.

Era uma época de decadência moral, regida por ridículas cerimônias. Um tempo de mortes estúpidas e sofrimento sem sentido.

Lorde Asano era jovem e tinha pouca paciência para com a etiqueta de corrupção do shogunato. Ele recusou-se a pagar propina a um oficial da corte. O funcionário, para se vingar, ludibriou Asano, levando-o a vestir-se erroneamente numa cerimônia onde o menor deslize era causa de humilhação pública. Enfurecido, o samurai atacou seu inimigo. Antes de ser subjugado, arremessou sua espada através de um corredor do castelo Tokugawa, a moradia do Shogun. Errando o alvo, o katana perfurou uma porta corrediça, adornada em ouro. Por ter causado dano ao lar de seu soberano, Asano foi sumariamente sentenciado à morte por ritual de suicídio.

Seus quarenta e sete vassalos juraram vingança e não tiveram sucesso. O Shogun então concedeu-lhes o privilégio de seguirem o exemplo de seu mestre, morrendo por harakiri. Quarenta e sete guerreiros samurai (um número grande demais para ser mantido num único pátio ou templo) levaram suas adagas a seus ventres e tombaram no exato momento em que as lâminas ceifavam seus pescoços.

O conto dos “Quarenta e Sete Vassalos Leais” é um estudo sobre o conflito entre a ética samurai e a burocracia do Shogun. Para o samurai, a devoção a seu senhor transcendia qualquer outra paixão na vida.

Essa obsessão em obedecer e servir seu mestre de maneira inquestionável e destemida era a pedra angular do código samurai.

Chamava-se “Giri”.

Giri também significa uma extrema lealdade ao nome da família e aos amigos, inclusive a estranhos a quem se sentisse simpatia ou afeição. Obrigação, honra, decência, cortesia, dívida de gratidão e responsabilidade.

Imigração Japonesa

O sonho de enriquecimento em terras brasileiras

Antonio Alves da Fonseca
Texto enviado para os participantes da Lista Gentree ( genealogia ).

Os japoneses também imigraram de sua pátria por motivos semelhantes aos dos italianos e dos alemães: a desintegração do sistema feudal após a “restauração Meiji” (1868), bem como a política de industrialização e urbanização.

O Estado japonês passou a taxar fortemente a propriedade rural e a produção agrícola, para poder financiar o desenvolvimento industrial, o que trouxe o empobrecimento aos proprietários rurais, que ficaram à margem do processo de modernização, forçando-os a emigrar.

Foram para Honolulu (Havaí) trabalhar com o açúcar e para as Ilhas de Guam (possessão alemã). Foram, ainda, para os Estados Unidos em grande número e também para o Canadá, trabalhar na indústria madeireira. Na América do Sul, estabeleceram-se no Peru, dedicando-se à indústria pesqueira; no Brasil, vieram trabalhar na lavoura do café.

O Japão tinha uma enorme população num território exíguo. A emigração do “excedente populacional” foi estimulada pelo governo para aliviar as tensões sociais e a explosão demográfica, de sérias consequências, como o desemprego, a miséria, a indigência…

Foram formadas as companhias de imigração, semelhantes àquelas formadas para a imigração italiana. Eram empresas privadas que se beneficiavam dos estímulos que o governo oferecia à imigração.

Os japoneses radicaram-se principalmente em São Paulo, já no início do século XX. Foram trabalhar na “frente de expansão” da lavoura cafeeira. Chegaram quando a imigração italiana sofria forte redução, no momento em que a procura por mão-de-obra para as fazendas de café era muito grande; maior do que a oferta.

Em 1907, o governo japonês e o paulista fizeram um contrato com a Companhia Imperial de Imigração, subvencionando parte dos gastos com o transporte de 3000 japoneses (mil por ano). Atendia-se assim aos interesses dos fazendeiros paulistas e aos do governo japonês.

Em 1908, chegam os primeiros japoneses (800), distribuídos por diversas fazendas do Estado de São Paulo. A relação entre os imigrantes japoneses e os administradores das fazendas foi muito conflituosa. Entre os próprios imigrantes eram frequentes os conflitos. As péssimas condições de trabalho, moradia e remuneração causavam constantes atritos, fazendo com que a maioria dos imigrantes abandonasse as terras já nos primeiros meses de permanência. Apenas 25% conseguiram ficar nas fazendas por mais de um ano.

O governo paulista tentou, diante dessa situação, cancelar os contratos. Para que isso não fosse feito, as companhias prometeram selecionar melhor os imigrantes, impedir as greves, as fugas ou o abandono das fazendas antes do prazo estipulado. Mesmo assim, em 1912, cerca de 60% dos japoneses já haviam abandonado as fazendas para as quais emigraram.

O sonho do enriquecimento

Os japoneses vinham para o Brasil com o objetivo de juntar um bom dinheiro e depois voltar para a sua terra. Trabalhavam como contratistas, diferentemente dos alemães e dos italianos, que eram parceiros. Assumiam a empreitada de cuidar de 4 mil a 8 mil pés de café por “família”, por um período de 4 a 6 anos. Poderiam intercalar o cultivo de café com agricultura de subsistência. Trabalhando dessa forma, alguns conseguiram realizar uma poupança, passando a pequenos proprietários. Era o sonho de todos aqueles que vinham com a família. Para isso, chegavam a dobrar a jornada de trabalho. Os que conseguiram adquirir uma pequena propriedade não retornaram para o Japão.

A partir de 1920, a emigração japonesa passou a ser politicamente orientada, principalmente após 1924, quando os Estados Unidos proibiram a entrada de japoneses no país, temendo o “perigo amarelo”. O governo japonês passou, a partir de então, a subsidiar integralmente a emigração para o Brasil. Fornecia capital para os projetos de colonização e para a produção de matéria-prima para o mercado japonês, atendendo a uma necessidade básica desse país, carente em recursos naturais.

O Japão começou a encarar o Brasil como um mercado potencial para os seus investimentos. Mensalmente, 1500 imigrantes chegavam ao Porto de Santos. Para termos idéia do crescimento dessa imigração, vejamos estes números: de 1908 a 1924, chegaram ao Brasil cerca de 35 mil japoneses; depois, em apenas 10 anos, de 1925 a 1935, foram 141 mil japoneses. A partir de 1936, essa imigração começou a cair, entrando no Brasil, no período de 1936 a 1950, somente 14.600 japoneses. Em 1942, o fluxo foi interrompido devido à Segunda Guerra Mundial.

Getúlio Vargas, com o “Estado Novo”, considerava os núcleos de colonização japonesa como “quistos raciais”. Os japoneses passaram a ser perseguidos, discriminados, falava-se no “perigo amarelo”, como nos Estados Unidos. Mesmo depois de restabelecidas as relações entre Brasil e Japão, no pós-guerra, a política de imigração por parte do governo japonês não foi retomada.

O Brasil também não tinha mais interesse numa política de imigração estrangeira.