Piloto Automático

Check Point: 04:00 AM

Acordo ao som de violoncelos do despertador do celular. Tonteio um bocadinho durante aquele clássico rápido momento de quemcossô, oncotô, poncovô…

Levanto e vou até o escritório para desativar o alarme – sim, tenho que deixar o celular bem fora de meu alcance, senão eu simplesmente o desligaria e não, “função soneca” não funciona pra mim.

Ato seguinte, já acompanhado pela Nãna, nossa gatinha adolescente, vou para minha ablução matinal (será que mais alguém NO MUNDO além de mim ainda usa palavras desse tipo?), mas antes disso educadamente cumprimento a “Clotilde” – que é o nome que demos à chiadeira meio assoviada que sem explicação ou justificativa surge e desaparece na caixa de descarga do banheiro (mais conhecida como o “Demônio da Caixa de Descarga”). Me encaro no espelho. Sorrio.

– Bom dia, bonitão!

[Pegar o cesto de roupas sujas, colocar duas canecas d’água no fogo, colocar ração para Nãna, colocar ração para a Leia e a Lara (nossas vira-latas de plantão), ir até a área de serviço no fundo de casa, separar a roupa escura do restante, ligar a máquina de lavar, recolher a roupa de ontem ainda pendurada no varal, deixar tudo bem dobradinho (facilita para a Dona Patroa passar e evita que ela me encha o saco), descer de volta para a cozinha, preparar o café da família (forte o suficiente para dar partida no carro), preparar o chá japonês do meu sogro (fraco o suficiente para enxergar o fundo da garrafa), preparar a mesa (canecas de cada um, talheres, Toddy, Nescau, leite, pão de forma, pão francês, maionese, requeijão, margarina, geleia, manteiga e o que mais tiver), preparar e colocar minhas torradas no forninho elétrico (fatias de pão francês amanhecido, azeite, orégano ou chimichurri, Aji-no-moto e sal).]

Check Point: 04:30 AM

Pego o celular, meu óculos pra perto (véinho…) e vou para o “meu íntimo momento matinal”, que é quando dou uma rápida checada nas redes sociais, confiro alguns e-mails e as notícias urgentes do dia. Ato contínuo, uma boa chuveirada e ao passar pela cozinha já aproveito e ligo o forninho elétrico com as minhas torradinhas dentro. Antes de me vestir, confiro meu peso: 104,3kg. Tô me mantendo. Se considerarmos que comecei o ano com 113kg, até que estaria bom, mas ainda tô longe dos esperados dois dígitos…

– Bom dia, filho!

Kevin, o filhote número um, já levantou, se barbeou e veio para a cozinha. Tiro de Guerra é assim mesmo, fazer o quê?… Retiro minhas torradas do forninho e sentamo-nos para o café. Meu primeiro café da manhã. Ele vai de café com leite e eu de café puro, sem açúcar. Mais as torradas.

Depois, enquanto ele vai colocar a farda, volto para a área de serviço.

[Tirar a roupa da máquina, colocar a roupa escura, ligar a máquina de lavar, pendurar a roupa lavada com os prendedores de plástico na ordem azul escuro, azul claro, verde, branco, amarelo, o restante e só depois usar os prendedores de madeira (gente, entendam: eu TENHO que me distrair com algo, nem que seja cultivando um TOC), descer de volta à casa, lavar a louça de ontem que deixaram na pia, colocar o lixo reciclável pra fora (é segunda-feira, único dia em que o caminhão passa), devolver a Nãna pra dentro, pegar a chave do Bilbo (nosso valente Ford Ka).]

Check Point: 05:20 AM

– Bóra, filho!

[Para o Tiro de Guerra: são 15 semáforos, 1 radar de 60km/h, 3 radares de 80km/h e 6 buracos de respeito (entendam “buracos de respeito” como aqueles que você tem que saber exatamente onde estão para, no momento certo, desviar deles – sob o risco até mesmo de amassar o aro da roda). Personagens do trajeto (pessoas que todo santo dia estão ali no mesmo lugar, no mesmo horário, fazendo a mesma coisa e que invariavelmente cumprimento ou não): o alemão palmeirense do segundo posto de gasolina, o motorista de van que sempre me ferra na subida, a moça misteriosa no ponto escuro do ponto de ônibus sem luz. Chegamos. Total: 13,8 quilômetros.]

Check Point: 05:36 AM

– Inté, filho!

[De volta pra casa: são 18 semáforos, 1 radar de 60km/h, 2 radares de 80km/h e 4 buracos. Personagens do Trajeto: a moça loira que sempre está flertando com o porteiro de um prédio e o policial militar pra lá de barrigudo saindo da padaria. Cheguei em casa. Total: 15,7 quilômetros.]

Check Point: 05:53 AM

[Recolher o jornal japonês do meu sogro (sei-lá-o-quê Shimbun), subir direto para a área de serviço, estender a roupa escura respeitando a ordem dos prendedores, pegar minha pilha de roupa passada, descer de volta à casa, conferir se o Erik – o filhote número dois – já levantou, guardar a roupa passada, aproveitar que a Dona Patroa acabou de levantar, já dobrar as cobertas e arrumar a cama, arrancar o Jean – o filhote número três – do embolado de cobertas que todos os dias ele faz, volta para cozinha.]

Agora é hora do meu segundo café da manhã. E olha que nem sou um hobbit! Enquanto saboreio outra xícara de café e termino com o que sobrou das torradinhas, o restante da família vai chegando à mesa. O Erik prepara seu Nescau, a Dona Patroa toma seu café com leite e até mesmo o Jean, que ainda vai levar uns vinte minutos para acordar, mesmo que já esteja tomando seu Toddy. Eles terminam e vão se trocar, bem como arrumar as mochilas: o caçula estuda perto de casa e o do meio está num curso técnico perto do Centro. Eu continuo à mesa, esperando dar o horário.

Check Point: 06:25 AM

– Erik, to the Batmobile!

[Para a escola: são 13 semáforos, 2 radares de 60km/h, 1 radar de 80km/h e 1 buraco. Personagens do Trajeto: a moça loira sempre elegantemente sentada numa mureta enquanto aguarda a carona, um senhorzinho muito magro, de rosto anguloso, longa barba e cabelo escorrido sempre parado na esquina com um carrinho de feira (que apelidei de Wild Bill), o tiozinho meio careca passeando com uma coisa pequena e peluda que vagamente lembra um cachorro, o rapazinho na esquina da escola que deveria estar coordenando o trânsito (mas que só fica enconstado na parede vendo as menininhas passarem) e o rapaz da guarita. Chegamos. Total: 9,6 quilômetros.]

Check Point: 06:48 AM

– Boa aula, filho!

[De volta pra casa: são 7 semáforos, 1 radar de 60km/h, 1 radar de 80km/h e 6 buracos. Personagens do Trajeto: o gordinho de uniforme da Urbam mexendo no celular enquanto espera a carona e só. Novamente cheguei em casa. Total: 10,1 quilômetros.]

Check Point: 07:03 AM

Saldo Parcial: 49,2km e 2 máquinas de roupa

[Subir para a cozinha, medir a pressão de meu sogro de 86 anos (ele SEMPRE levanta pontualmente às sete), separar os remédios da parte da manhã (diabetes e, se o caso, pressão), moer tudo num pilãozinho e passar para um copinho (ele tem dificuldade de engolir aqueles comprimidos gigantes), voltar para a frente da casa, fazer uns dez minutos de alongamentos, sair para a avenida, caminhar um quilômetro rua acima, parar para alguns exercícios básicos, correr um quilômetro rua abaixo, chegar em casa.]

Check Point: 07:50 AM

Depois de um esforço final como esse eu sempre continuo suando por por mais pelo menos meia hora… Mesmo debaixo do chuveiro! Sendo assim, distraio-me com uma ou outra leitura e, por fim, passado esse tempo, vou tomar outra ducha, revigorado.

Check Point Final: 08:30 AM

Concluída essa rotina que tenho de segunda a sábado, finalmente posso me dedicar a seja lá o que vá fazer no dia de hoje: quer seja prestar uma consultoria, visitar um cliente, me reunir com as sócias, trabalhar numa peça jurídica, escrever uma crônica, mexer no meu Opala, enfim, sei lá.

Por ora resolvo simplesmente dar uma conferida numa peça que estou montando. Sirvo-me de um café e sento-me à frente do computador. O telefone toca.

– Pronto?

– E aí, Adauto? Bom dia! Desculpa aí se eu te acordei ligando assim tão cedo.

– Não, não. Estou só tomando um café…

– Êita vida boa, hein? Levantou agorinha mesmo, já encontrou seu cafezinho pronto e agora deve estar aí, pensando na vida. Um dia eu chego lá também!

– …

¯\_(ツ)_/¯

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