Veredas da Vida – I

Antes do Início

Dia desses cheguei à conclusão de que precisava dar uma atualizada no meu currículo – aquele costumeiro rol de empresas e períodos de trabalho que colecionamos no decorrer de uma vida inteira. Afinal já há bem mais de uma década que eu sequer colocava os olhos nele! Resgatei-o das catacumbas de meu computador e comecei a dar uma lida… E a cada linha que eu avançava, um sorriso diferente eu esboçava, afinal foram tantos lugares, tantas pessoas, tantos momentos, tantas situações que já enfrentei, que já nem mais lembrava…

É interessante parar para pensar nas trilhas pelas quais já passamos. Principalmente em se tratando de nossa vida profissional. Hoje, quando olho para trás, vejo o caminho tortuoso que segui até chegar onde estou e – fato incontestável – percebo o quão interligada nossa vida é em todas suas pequeninas nuances…

É uma falácia gigantesca o discurso simplista de que “quando entramos no trabalho devemos deixar nossa vida pessoal lá fora”. Besteira! Nossa vida pessoal é intrínseca à nossa vida profissional – assim como o contrário: o que nos afeta no trabalho também nos afeta em casa. Tomamos nossas decisões profissionais de acordo com as experiências que temos de vida, bem como decidimos a direção de nossas vidas pessoais de acordo com o rumo para o qual as oportunidades de trabalho nos levam. Nada é perene, tudo é inconstante. Às vezes estamos muito bem em ambos os aspectos, outras, nem tanto.

E é isso que desejo lhes mostrar nesta série de textos através dos quais vou contar um bocadinho de toda minha “experiência profissional”, sem exceção, desde a mais tenra idade…

Ou seja, é isso mesmo: senta que lá vem história!

E das grandes!

Muito antes de sequer pensar em trabalhar numa Administração Pública Municipal, assim como a grande maioria dos mortais tive vários outros empregos (e subempregos…), alguns registrados e outros não – afinal, na época, o que era mais importante: trabalhar (e ter um dinheirinho) ou ser “formalmente registrado”? Então.

Se não me falha a memória, meu primeiro trabalho “trabalho” mesmo foi lá pelos idos de 82, do alto dos meus 13 anos de idade, quando eu estava na sétima série (quando o primeiro grau ainda terminava na oitava, ok?). Alguns ainda devem se lembrar dessa história, pois foi quando comecei a trabalhar numa bicicletaria sem saber absolutamente nada de como consertar uma bicicleta. A proposta que fiz foi a seguinte: que me deixassem trabalhar por lá, aprender o ofício e em vez de pagamento em dinheiro eu receberia meu pagamento em peças novas. E essas peças serviriam para reformar a Matilde, uma boa e velha Monareta que eu havia comprado já toda detonada e, em casa mesmo, fui descobrindo como consertá-la… Entre idas e vindas fiquei bastante tempo por lá, pois me tornei um “Técnico em Bicicletas” de mão cheia, tendo aprendido – e muito bem – todos os segredos do ofício. Ao menos no que diz respeito às bicicletas daquela época…


Senhoras e senhores, com vocês, minha primeira bicicleta: Matilde!

É lógico que depois da Matilde tive outras bicicletas “mais decentes”, o que me permitiu inclusive partir para outros “trabalhos” nos anos seguintes.

Um deles foi ajudar a Dona Vitória, mãe de meu grande amigo Niltinho serralheiro, fazedora de salgados e detentora da melhor receita de empada da face da Terra. Eu chegava na casa dela bem cedinho, antes mesmo das cinco da manhã, para auxiliar no término das empadas, pastéis e coxinhas – as verdadeiras: feitas com a legítima massa de batata… Entenda-se por “auxiliar”: pincelar as empadas com gema de ovo antes de colocar no forno. Na maior parte das vezes ficava mesmo era proseando com aquela boa velhinha, muito bem vivida, contadora de causos como ela só! Ou meio que paquerando com o rabo dos olhos a filha caçula dela que sempre meio que estava por ali quando eu também estava… Quando os salgados ficavam todos prontos, com o dia começando a amanhecer, acomodava tudo num isopor e, com minha bicicleta, ia desempenhar minha função de “Entregador de Salgados” distribuindo-os em uma meia dúzia de bares com quem ela já tinha um acordo prévio.


Minha boa e velha Barraforte…

Outro trabalho que arranjei nessa época foi o de Entregador de Jornais. No caso, a Folha de São Paulo. Eu fazia toda a área que cobria desde o Jardim Paulista até as proximidades do Centervale Shopping. Também começava de madrugada, pegando todo o lote de jornais a ser entregue e, com o rol de assinantes na mão, ia de casa em casa, cumprindo minha tarefa. Na época não haviam pensado em colocar os jornais dentro de sacos plásticos (como é feito hoje) e havia toda uma técnica para dobrar o jornal e, ao arremessá-lo lá do portão, ele ia se desdobrando no ar até cair perfeitamente aberto na varanda da casa, próximo à porta. É lógico que, até que eu aprendesse a tal da técnica, muitos jornais ficaram espalhados pelas garagens e alpendres da vida… Isso sem falar em suplementos que iam parar em árvores, páginas de esportes estraçalhadas por cachorros, notícias em geral levadas pelo vento para os vizinhos… Uma festa!

Ou seja, nessa época, para mim, trabalhar nunca foi uma verdadeira “obrigação” – mas sim uma espécie de “diversão”. Eu não tinha uma necessidade premente de dinheiro e quando precisava de algum invariavelmente passava pela bicicletaria para fazer um ou outro bico (de dias ou semanas), levantava a grana pretendida e voltava para minha vida de adolescente.

A exemplo de meu pai, que veio da roça e basicamente com o primário tornou-se um mecânico, técnico em eletrônica e “faz-tudo” de primeira linha, ou de minha mãe, que mesmo sem formação nenhuma era uma costureira detalhista ao extremo, e assim ambos garantiram o sustento de três adolescentes, parecia-me claro que bastava realmente “querer” que as coisas se arranjavam.

Na prática sempre haveria alguma coisa para fazer – se você realmente estivesse disposto a trabalhar. Uma parede para pintar, um gramado para cortar, um terreno para carpir, um “rolo” para fazer, enfim, um bico qualquer. Mas o mais divertido, para mim, era fazer algo que ninguém mais sabia como fazer – e por isso me procuravam. No caso, a manutenção de bicicletas. Desde então passei a frequentar a chamada “Feira do Rolo”, comprava bicicletas usadas caindo aos pedaços, com paciência e gastos mínimos as reformava e voltava nessa mesma feira para revendê-las. E lá vinha uma graninha de novo.


E esse era o meu “eu” da época,
com minha mãe e meu irmão mais velho.

Talvez seja por isso, por tudo que fiz nessa época, que eu acabei adquirindo esta minha fé inabalável de que as coisas sempre vão se ajeitar. Tudo bem que eu não tinha uma real necessidade de dinheiro, mas caso precisasse sempre haveria uma saída, um Plano B – ou C, ou D, ou E, e por aí adiante… Isso porque desde então eu já acreditava firmemente que o universo sempre conspiraria em favor daqueles que não se desesperam frente aos caprichos do destino.

E não demoraria muito para eu encontrar com o destino que me aguardava…

(Continua…)