Volta ao Mundo em 80 Horas – III

III – Unidade de Terapia Intensiva (será?)

– Oi???

– Isso mesmo, UTI. Unidade de Terapia Intensiva. Ou onde mais você acha que daríamos conta de monitorar seu estado pelas próximas horas?

Arre. UTI. Lembrei-me, de imediato, de House, a série. Já me imaginei num ambiente totalmente asséptico, entubado, amarrado, conectado aos mais estranhos maquinários pelos mais estranhos lugares. Bem, como sempre digo, o que não tem remédio, remediado está.

– Tãotáintão…

Mas a coisa não seria assim tão simples. Ah, não. Nunca comigo. A UTI estava lotada e seria preciso aguardar vagar um leito. Então o negócio era ficar ali mesmo, deitadinho naquela cama king size (para os padrões de um hobbit, é claro), com os joelhos meio dobrados, cheio de eletrodos querendo descolar e, ainda, com um respiradouro, daqueles de encaixar nas narinas. Que, obviamente, não encaixavam. Lindo.

Nesse meio tempo a Dona Patroa chegou. Perguntou como eu estava, até que estou bem e você, como foi seu dia, na correria mas minha chefe me deu folga, curioso, a minha também, engraçadinho, são seus olhos, dearing, você não vale nada, ah, mas ainda gosto de você, vamos ver se agora você aprende, só que sou um péssimo aluno, é só você começar a tomar juízo, pois…

– Para, para, para!

– O que foi?

– Sem discussões, por favor. Meu coração, lembra?…

Não a-cre-di-to que agora você vai começar a usar disso pra se defender!

– Cada um luta com as armas que tem, uai!

– Covarde!

– Isso não é covardia, dearing, é o mero desfrutar de uma oportunidade…

– E então, vamos lá? – Esta última foi a enfermeira, já me desconectando de tudo, pronta para me levar para a UTI.

“Ufa! Salvo pelo gongo!”

Ledo engano.

Uma vez desconectado, ameacei me levantar e já fui levando bronca:

– Não, não. O senhor não pode fazer nenhum esforço. Absolutamente nenhum. O médico proibiu terminantemente.

– Mas, mas…

– Não.

– Terminantemente?

– Terminantemente.

– Tãotáintão…

E lá fui eu, na cama, rumo à UTI, pensando em como seria meu “confinamento”…

Passada a porta de vidro – acesso restrito a partir desse ponto – dei uma guinada à direita e fui conduzido à uma sala ampla, com uma “ilha” central (na realidade, um balcão quadrado, como que para atendimento). Numa rápida avaliação percebi quatro leitos lado a lado à minha esquerda; à direita, idem; todos separados apenas por um pequeno biombo.

Eram cerca de quatro da tarde e fui designado para o leito de número 5.

Proibido de me mexer como estava, fui transposto da cama para o leito e colocado no meu “devido lugar”.

– Sinto muito, mas aqui o senhor não pode ficar com suas roupas.

– Cumassim??? Peladão???

– Não, não. Prefere ficar com sua cueca ou com uma fralda?

– Prefiro minha própria cueca, por gentileza.

Afinal de contas tô limpinho e trajando uma garbosa cueca box – ao menos é mais charmosa que um fraldão geriátrico. Que ideia! Nesse meio tempo todo o restante das minhas roupas foi confiscado e entregue para a Dona Patroa que, nada mais tendo a fazer por ali, foi embora. Perfeito. Eu, literalmente sem lenço nem documento, internado na UTI da Santa Casa e só de cueca. Pelo menos não vou ter que colocar um daqueles…

– Levante os braços para colocarmos o avental, senhor.

Merda. Eu e minha boca grande. Lembro-me até hoje de um filme (“Alguém tem que ceder”) com o Jack Nicholson saindo pelos corredores de um hospital num “vestidinho” desses. Totalmente aberto atrás e com a bunda de fora. Ao menos mantive minha dignidade.

Ou melhor, minha cueca.

Aliás, é lógico que os eletrodos que tinham grudado antes em mim eram de uma máquina mais simples e aquela instalada ali, mais complexa, precisaria de mais eletrodos. E em lugares diferentes. E, à exceção dos que não colaram, o restante colou direitinho – e toca a arrancar tudo que já estava no meu peito, com meu peito junto. Ao menos os pelos do peito. E, ato contínuo, novo exercício para grudar tudo aquilo de novo – e que, mais tarde, novamente terá que ser arrancado… Ai, ai, ai…

Feito isto, conecta na máquina, liga a máquina, confere a máquina. Tudo funcionando. Para complementar, uma pulseira no braço esquerdo para medir a pressão de 15 em 15 minutos (um inferno para dormir, já lhes adianto). Maravilha! Mais fácil do que eu imaginava!

Outro ledo engano.

Em seguida fui cercado por pelo menos quatro das atendentes de plantão. E acho que só tinham elas. Todas de luvas, máscaras, gorros e… Agulhas! MUITAS agulhas! E me fincaram um “acesso” na mão direita (aquele coiso que lhe espetam para ficar gotejando soro), outro na mão esquerda (vai que precisa, no caso de uma emergência), enfiaram uma seringa na minha veia do braço direito (para colher sei lá quantas ampolas de sangue venoso para análise), uma outra seringa menor no pulso do meu braço esquerdo (coleta de sangue arterial) e, para fechar com chave de ouro, uma injeção cujo efeito colateral é “afinar o sangue” para facilitar o trabalho do coração, mas o efeito principal é um só: doer. Onde? Na barriga, bem ao lado do umbigo.

Finda a sessão já estava me sentindo como o Pica Pau num daqueles desenhos do Velho Oeste, em que, após desviar de uma saraivada de balas e ainda tirar um sarro – errô-ôu! – vai tomar água num barril próximo e fica vazando por tudo quanto é lado. Bem assim.

Pensando com meus botões só pude concluir que esse negócio de Unidade de Terapia Intensiva é pura balela, pois esse “T” não pode ser de “Terapia”: só pode ser é de “Tortura”!

Ao menos agora teria um pouco de sossego…

Após algum tempo observando o árduo trabalho daquele pessoal (e não, não estou sendo sarcástico, eles ralam pra caramba!) – do qual falarei um pouquinho mais tarde – me vieram duas atendentes do turno seguinte, uma delas com o coque mais perfeito que já vi na cabeça de alguém, e de sopetão foram me comunicando:

– Hora do banho, senhor.

Banho? Que banho? Não era para eu não me levantar? Já fiquei pensando, não sem um arrepio, só no ter que tirar e recolocar todas aquelas porcarias de eletrodos novamente… Limitei-me a perguntar para onde eu tinha que ir.

– Não, não. É aqui mesmo. Na cama. Queira tirar TODA a roupa, senhor.

– CUMÉQUIÉ???

(Início da Saga)                        (Continua…)

2 thoughts on “Volta ao Mundo em 80 Horas – III

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *