Se cobrir vira circo, se cercar vira hospício

Roubartilhei lá do Kotscho.

E vida que segue…

A frase do título é uma antiga expressão popular para definir um quadro de zorra generalizada, mas parece bem atual dos momentos que estamos vivendo em Brasília nesta antevéspera da votação decisiva do impeachment no plenário da Câmara, marcada para o próximo domingo.

No gramado em frente ao Congresso Nacional, já está sendo erguida uma cerca de aço de mais de um quilômetro de extensão para separar os manifestantes pró e contra o governo que começaram a acampar na cidade no último fim de semana. São esperadas ali mais de 300 mil pessoas para acompanhar a votação, que será transmitida ao vivo pelas redes de TV para todo o País.

Pela amostra do clima beligerante entre parlamentares dos dois lados durante a votação, nesta segunda-feira, na comissão especial do impeachment (vitória da oposição por 38 a 27), dá para se ter uma ideia do que ainda pode acontecer na hora da decisão. Só falta agora o presidente da Câmara, o impoluto Eduardo Cunha, que comandará o processo, mandar instalar uma outra cerca no meio do plenário para separar os contendores enfurecidos.

Ao longo de nove horas e meia de discussões e baixarias dignas das brigas de boteco, os nobres deputados ofereceram um espetáculo deprimente, que fazia lembrar excursão de colegiais ou torcidas organizadas, gritando refrões de guerra e empunhando cartazes a favor e contra o impeachment, alguns com a bandeira nacional nas costas, de olho nas câmeras de televisão.

De caso pensado ou por mais uma trapalhada, tanto faz, o vice-presidente Michel Temer deu sua contribuição neste clima de bumba-meu-boi ao deixar vazar um inacreditável áudio gravado por ele com o “discurso da vitória” para anunciar seu “plano de governo” a um grupo de aliados no WhatsApp, criado na véspera pelo estrategista Eliseu Padilha (o outro é Moreira Franco, autor da ideia da carta de amor não correspondido enviada para Dilma no fim do ano passado).

Temer depois explicou que a divulgação do discurso foi “um equívoco”, mas confirmou o conteúdo em que critica o governo ao qual ainda pertence e prega a pacificação e reunificação do País. Em resposta, a presidente Dilma Rousseff afirmou que “caiu a máscara do conspirador” e o ministro Jaques Wagner propôs a renúncia de Temer caso o impeachment não seja aprovado pela Câmara.

Nada indica que a guerra, agora aberta e sem limites, entre a presidente da República e seu vice vá terminar com a decisão de domingo, qualquer que seja o resultado. Os ânimos estão a cada dia mais exaltados e não há a menor condição de se estabelecer qualquer diálogo pela absoluta falta de interlocutores confiáveis de ambos os lados. Entramos na fase do tudo ou nada, do salve-se quem puder, enquanto a Operação Lava Jato desencadeava nesta terça-feira a sua 28ª operação.

O que ainda falta para confirmar a imagem do título desta coluna? Como já previu o próprio Michel Temer, em conversa com seu correligionário Valdir Raupp, esta história não vai acabar bem.

Viagem ao redor de um joelho

Ainda agora pela manhã, numa conversa joelhística acerca do que nos faz doer e como (tentar) resolver – com uma breve digressão à minha época de escola, quando fazíamos atletismo, e relembrando como é que se identifica qual seria a “perna de impulso” – lembrei-me de uma das sempre saborosas crônicas de Mário Prata.

Ei-la!

Montevidéu – Para começar, vou logo dizendo que acho a palavra joelho horrível. Pense bem: jo-e-lho. Não é feia? Além de proporcionar rimas fáceis e deselegantes. Aqui ele é conhecido como rodillas, que soa bem melhor.

O que acontece, é que eu estou com um problema no joelho esquerdo. Desde março. Quatro meses, já. Me colocaram dentro de um tubo de ressonância magnética que deve ter este nome por causa do barulhão que faz lá dentro. O médico me disse que eu estava com o corno posterior lesionado. Coisas no menisco (outra palavrinha feia).

Opera, não opera, acabei não operando. Mas é o que eu vou fazer quando voltar ao Brasil. Estou em permanente litígio com ele, o joelho.

Toda esta introdução é para dizer que tenho pensado muito no joelho. No meu joelho. Nunca tinha dado muita bola para ele. Mas com o corno estourado você passa a conviver muito mais com a sua própria rótula (eta nome!). Ou, pelo menos, tenta.

Você não pode imaginar como um joelho é importante para um vertebrado como a gente. É a rótula que nos dá a rota, que nos traz e nos leva.

Começou a me incomodar mais quando cheguei aqui ao frio do Uruguai. Dentro do quarto tem calefação. Mas o joelho sabe que, lá fora, está zero grau. Ele odeia o frio. E sofre, coitado. Ele não, eu.

É quando a gente percebe que não consegue fazer nada sem ele. Andar claudicando é o de menos. O pior é quando você para numa esquina e fica com apenas a ponta do pé apoiada no chão, com a perna meio curvadinha. Parece uma bicha no ponto. Sempre passa um engraçadinho e grita: maricón! E quando a gente começa a atravessar a rua e percebe que não vai dar tempo pra chegar do outro lado e não dá para correr?

Até para as necessidades mais íntimas, você precisa do joelho. Tem que se sentar com a perna um pouco esticada, porque não dá para dobrar. Experimente fazer cocô com uma perna esticada. Alguma coisa não vai sair certo.

Se o sabonete cair no chão, na hora do banho, esqueça. Seus braços jamais chegarão lá embaixo. Enxugar os pés então, nem pense nisso. E, por favor, não tente chutar uma tampinha de coca-cola na rua. Pode ser fatal. Mas a dificuldade maior é para se fazer sexo sem a colaboração total e imprescindível do joelho.

Pode parecer bobagem, mas para o ato sexual, o joelho é muito mais importante do que o, por exemplo, pênis. Desculpem usar a palavra pênis, que é uma coisa que só médico tem. Perguntam: e o pênis, como vai? Como se o pênis fosse um tio da gente (já escrevi isso em algum lugar…).

Mas eu dizia da importância do joelho no ato sexual. De joelhos, por exemplo, nem pensar. Mesmo deitado, virado para cima, sem o joelho você não faz nada. O joelho é quem comanda, quem faz as inflexões todas, é ele quem dá a pressão, faz os movimentos, é ele quem dirige a ação. É ele quem engata a primeira, é ele quem gira para uma marcha-aré mais arriscada.

O resto não faz nada sem o comando do joelho, a principal alavanca do ato em si.

O joelho é o responsável pelo ritmo. É o joelho quem dá o tempo certo. E é nele que você se apóia na hora do orgasmo final e grita. De dor.

É impossível ir-se até o belíssimo Estádio Centenário e fugir na hora do sururu. Vou apanhar sentado.

É impossível ir-se até a igreja que eu vejo aqui da minha janela e ajoelhar-se diante do altar de Deus e pedir perdão por pensar e escrever tanta besteira.

É que a dor é maior que o amor, meu bem.