Indenização por danos religiosos

E eu não canso de falar sempre? Ficção pra quê? A vida real costuma nos brindar com mais absurdos que possam imaginar nossos vãs roteiristas…

Desta feita foi um distinto que entrou com uma ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido Liminar e Perdas e Danos em face do proprietário do terreno acima do seu – pois o caboclo mora no morro e, por isso mesmo, o imóvel de baixo possui servidão de passagem para tubulação das águas pluviais que vem do terreno de cima. Resumo da ópera: se a água é de chuva, não tem como evitar e tem mais é que ceder uma área do próprio terreno para que ela passe.

É como aquele ditado – chuva morro abaixo, fogo morro acima e mulher… Hm… Errr… Não, é melhor deixar pra lá. Voltemos ao causo.

Pois bem, acontece que na região onde moram esses simpáticos vizinhos tem chovido a cântaros (e se você não sabe o que isso significa, saiba que isso não é juridiquês e o que lhe faz falta agora é um bom dicionário) e a tubulação simplesmente não aguentou. Estourou. E transbordou. E inundou.

E, prejudicado com tantos prejuízos – e, talvez, sem nenhum pré-juízo – ajuizou essa pomposa ação que citei no início. Mas adiantando um bocadinho do tema, saibam que, na verdade, a Constituição Federal protege a liberdade de culto, mesmo quando envolve sacrifícios rituais em religiões afro-brasileiras, no caso, a proteção jurídica aos animais não humanos frente a valores religiosos e culturais.

Hein?

Sim, além da questão religiosa, estamos falando também do animal como sujeito de direito, bem como do direito animal e sua proteção legal face à convicção religiosa dos adeptos de determinado culto.

Piorou?

Tá bom, tá bom. Vamos ao que nos interessa, que são apenas alguns trechos de mais essa pérola jurídica:

Ressalte-se Excelência o seguinte:

Em época de chuva aproximadamente 2/3 do terreno fica inundado, devido ao vazamento da tubulação em questão. Esse vazamento já ocasionou diversos danos materiais devido aos alagamentos da casa, senão vejamos:

– Queda parcial do muro lateral direito, o que motivou a cercar a área com tela de alambrado devido a falta de recursos;

– Construção de degrau para contenção de água na casa dos fundos – frise-se casa de funções religiosas, e, uma vez que o atende pessoas idosas e enfermas, dificulta o acesso das mesmas para a casa;

– Inundação do galinheiro, fazendo o Autor perder diversas cabeças de aves que cria para seus cultos religiosos;

– Erosões de todos os tipos e tamanhos no terreno;

– Devido ao aumento considerável de água desde a aquisição do imóvel até a presente data, os assentamentos do Orixá Ossain do Autor estão sendo atingidos pela água, causando danos patrimoniais, materiais e religiosos ao Autor que é sacerdote de religião africana, explica-se, o culto aos Orixás remonta a antes do Cristianismo, desde os primórdios alguns Orixás são cultuados na terra, que é o caso desse Orixá, e a força das águas da enxurrada leva os fundamentos do Orixá embora, fazendo com que o Autor tenha que refazer tudo, tendo novos gastos com animais para sacrifício, buscar novas folhas, velas, grãos entre outros apetrechos necessários para o culto.

– Perda de hortaliças, devido ao alagamento dos canteiros na horta, perdendo inclusive mudas de plantas fundamentais para seu culto e de difícil aquisição na região, tais quais, dendezeiro, akoko, orobô, obi (noz de cola), manjericão, alfavaca, bálsamo etc.

(…)

Do Dano Moral: Visualizar a existência do dano material é bem simples, basta somente calcular o valor dos animais mortos, o valor das plantas e hortaliças perdidas no alagamento, calcular o valor da mão de obra de construção do metro quadrado de muro, bem como o valor do material de construção, e chegaremos ao montante.

Entretanto, o difícil é visualizar um valor do Dano Moral. Primeiramente esclarece que o Autor entende bem o que vem a ser mero dissabor, e que no caso em questão não se trata penas de mero dissabor.

Veja bem, o Requerente desde que adquiriu o seu sítio, possuía uma idéia de local para descansar e passar o resto de seus dias, cuidando de galinhas, de sua horta e cabrita, relaxar na piscina, receber sua família em sua churrasqueira, e até mesmo celebrar os Orixás em sua religião.

Ocorre que toda a calma almejada, foram bruscamente interrompidas com a primeira chuva mais forte e todas as demais que vieram posteriormente:

– Os nimais que seriam sacrificados para seu culto, morreram sem servir ao fim a qual se destinavam e para o qual eram criados;

– As velas de 7 dias, atualmente no importe de R$5,00 (cinco reais) cada, que são acesas semanalmente aonde existem os assentamentos dos seus Orixás eram carregadas pela água;

– As plantas que o Autor com muito custo conseguiu adquirir em outras cidades e estados perderam-se na enxurrada;

– A horta que demandou muito serviço do Autor e de colaboradores ficou sem nenhuma hortaliça restando hoje apenas os canteiros

(…)

Independente disso, o Requerente por ser de uma religião africana já sofre discriminação na vizinhança, sendo chamado constantemente de macumbeiro, quando apareceu com as referidas manchas no corpo [psoríase], algumas pessoas de outras religiões começaram a falar no bairro que o macumbeiro estava sendo castigado por Deus.

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