Sou mais a porrinha

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( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )

Bicarato

No melhor estilo *espírito de porco*, conforme o próprio Luiz Antonio Simas, contador de Histórias Brasileiras, reproduzo aqui um textinho que é daqueles que me da a sensação de *por que não escrevi isso antes?* Tá, ok: não escrevi esse texto porque não tenho o conhecimento necessário, nem as referências culturais e de formação do Luiz — mas uma coisa temos em comum: o verdadeiro espírito democrático e esportista-de-boteco, ainda que eu reconheça que — como os melhores artífices dessa arte da porrinha — esteja um pouco desleixado e fora de forma. Nada, porém, que não possa ser devidamente sanado com poucas horas de boteco. Mas, valeu, Luiz! Te desafio, desde já, pra uma peleja — e te dou o benefício de ser o *mandante* do jogo. É só marcar o local =^)

Esporte de homem não é porrada. É porrinha.

Realmente não sou chegado a ver um bando de homens, dando pinta de que acabaram de escapar de uma gruta em Neanderthal, brigando. Por isso mesmo não assisti ao evento de luta livre (tem uma sigla pro treco, mas estou com preguiça de verificar qual é…) que ocorreu aqui no Rio. A última briga entre cariocas que me interessou foi entre os índios tamoios e temiminós, nos idos do século XVI , nas praias da Guanabara. Depois de Araribóia e Cunhambebe e seus respectivos tacapes eu não respeito homem nenhum saindo no braço.

Porrinha OlímpicaUm conhecido meu, durante um rápido encontro no Centro da cidade, tentou me convencer a assistir o confronto entre os egressos do Paleolítico Inferior com o argumento de que isso sim é “esporte de homem”. Respondi que esporte de homem, pra mim, nem o futebol é. Só mesmo a porrinha disputada nos botequins mais vagabundos merece essa alcunha. É por isso que reproduzo abaixo um texto que escrevi em 2010, logo depois da escolha do Rio de Janeiro como cidade olímpica: Porrinha nas Olimpíadas de 2016! E vai em negrito, pra fortalecer a campanha.

Existem vários tipos de espíritos que podem encostar e pegar o sujeito. Eu, por exemplo, que vim de uma família ligada ao espiritismo em suas vertentes macumbais – umbanda e encantaria – quando era pequeno ouvi da minha avó que era sempre bom pedir auxílio aos espíritos e entidades; eles viriam me ajudar. Tornei-me, então, devoto do espírito mais citado lá em casa: O espírito de porco. Fazia pedidos a ele.

Quando descobri, lá pelos sete anos, que o espírito de porco não era exatamente quem eu imaginava, mergulhei durante meses no mais absoluto materialismo e virei comunista. Foi o seguinte: Tomei um esporro da minha avó no dia em que perguntei a ela qual era o ponto que eu devia cantar para saudar o espírito de porco. Ela achou que era sacanagem minha. Posso, inclusive, confessar algo que só pretendia fazer ao médium de mesa branca depois da morte – o dia em que descobri que o espírito de porco não era uma entidade correspondeu, em termos de impacto, à notícia sobre a inexistência do Papai Noel para centenas de outras crianças.

Parêntese: Vejam como são as coisas. Comecei falando do espírito de porco quando, na verdade, pretendia escrever desde o início sobre outro espírito – o olímpico. Retomo no próximo parágrafo a ideia original.

A escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 20l6 despertou em mim forte vocação esportiva. Entusiasta dos esportes do Brasil, sou fã e praticante amador de um jogo fundamental para nossa gente brasileira, tão sofrida e adepta do desporto como instrumento de inclusão social: a porrinha [ou purrinha], também conhecida como basquete de bolso.

A porrinha é um esporte altamente sofisticado e democrático. Os estádios ideais para a prática são os botequins mais vagabundos. Cada atleta, em geral, inicia a peleja com três palitinhos. A partida começa quando os jogadores escondem uma certa quantidade de palitos numa das mãos e as estendem, fechadas, para a frente. Cada jogador dá, então, o seu palpite sobre quantos palitos estão no jogo. Ganha a rodada quem acertar o número exato de palitos.

A porrinha exige dos esportistas alguns atributos fundamentais: Sorte, inteligência para blefar e perceber o blefe e preparo físico para jogar enquanto quantidades generosas de cervejas e cachaças são consumidas durante o embate. Recomenda-se um trabalho de musculação para o fortalecimento da musculatura do bíceps, que sofrerá o impacto do peso dos palitos durante a refrega. O uniforme ideal para a prática do desporto é simples e consiste em bermuda, camiseta e sandália de dedo.

Pesquisas que fiz em compêndios e dicionários especializados indicam que a provável origem da porrinha é o antigo Império Romano. Os soldados de Roma costumavam praticar, nos intervalos das batalhas mais sangrentas, um jogo conhecido como Morra. O negócio consistia no seguinte: Os jogadores escondiam uma certa quantidade de dedos da mão direita às costas e diziam um número. Aquele que acertasse o número exato era o vencedor. O troço era popularíssimo e há relatos nas crônicas de Seleno de torneios realizados no Coliseu que terminaram em matanças tremendas.

Alguns especialistas defendem que o nome porrinha surgiu de uma expressão proferida por Santo Agostinho no século IV – Porro cum quo micas in tenebris ei liberum est, si veliti, fallere. Tradução: Com certeza, mesmo que avisado, podes enganar aquele com quem jogas morra no escuro. O latim porro, com o tempo, virou porra. A porra virou porrinha.

O Brasil transformou a velha porrinha romana em coisa nossa, como o samba, a prontidão e outras bossas. Introduzimos os palitinhos de dente ou fósforo no babado e consagramos o botequim como palco da disputa. Fizemos a mesma adaptação em relação ao futebol, o jogo sem graça dos ingleses que ganhou a ginga e o balacobaco canarinho.

É por isso que sugiro, com a maior seriedade, campanha em meios de comunicação e o esforço dos formadores de opinião para que a porrinha seja considerada esporte olímpico em 2016. Clamo pelo empenho do Doutor João Havelange, do presidente Lula, de Pelé e demais autoridades físicas e metafísicas para que o Comitê Olímpico Internacional faça justiça com o histórico esporte.

Não precisaremos, pensem nisso, sequer construir estádios. Aqui no Maracanã temos, por exemplo, o Bode Cheiroso, botequim com estrutura para sediar os embates. Imagino até o novo nome do estabelecimento: Complexo Olímpico Bode Cheiroso.

A memória dos grandes e falecidos atletas da porrinha de todos os tempos – Meu avô, Jorge Macumba, Seu Nilton, Manoelzinho Motta, Seu Vovô, Abecedário, João do Vale, Teté, Claudio Camunguelo, Dr. Castor de Andrade, Moisés Xerife, Candonga, Primo Pobre, Querido de Deus, Seu Sete Rei da Lira, Madame Satã, Camisa Preta, Julião Vem Cá Meu Puto, Wilson Batista, Almir Pernambuquinho… – poderá inclusive servir como instrumento de forte campanha de marketing para estimular a prática educativa do esporte entre nossa juventude.

Esporte de homem não é porrada. É porrinha.

Abraços

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