Sobre você. Agora sim.

De quando em quando a gente encontra alguns textos, algumas crônicas, alguns relatos, alguns qualquer coisa na Rede ou fora dela que – sabe-se lá por quais motivos – nos tocam, inquietam, incomodam, deliciam, comovem, enfim, nos causam inexplicáveis sensações de familiaridade e empatia (ainda que jamais tenhamos passado por situações como as que encontramos).

O texto a seguir é um desses. Para mim, pelo menos. Por alguma razão vejo-o como uma declaração completa de entrega e de paixão e, ao mesmo tempo, como uma triste constatação de inviabilidade de um relacionamento – com uma conclusão ainda mais triste…

E, apesar de palavras às vezes fortes para um texto desse naipe, não perde em nada sua sensibilidade…

Deixo apenas de explicitamente colocar o nome da autora aqui uma vez que ela já há muito tempo o apagou lá do próprio blog dela. Resgatei-o das profundas catacumbas de meu computador, onde permanecia adormecido numa escura cela na qual eu o havia arquivado para uma calma leitura algum dia desses.

E esse é o dia.

Ei-lo, pois.

Sobre você. Agora sim.

Eu gosto das ruguinhas que se formam em volta dos seus olhos quando você sorri.

Eu gosto de te ver fumar, com a cabeça no seu peito, sem pensar em nada; assistir a fumaça sair da sua boca e encaracolar pelo ar, até sumir.

Eu gosto de lembrar de você toda vez que eu sinto cheiro de cigarro em algum lugar.

Eu gosto de fazer cafuné no seu cabelo enquanto você está dorme-não-dorme.

Eu gosto de quando eu páro de fazer cafuné, achando que você já está desmaiado, e aí você se chacoalha, pedindo mais.

Reclamo até a morte, mas não posso dizer que não gosto quando você diz que vai se levantar e aí vira para o lado, se enverga em posição fetal e dorme de novo. Não tem como não gostar. Não tem como não se derreter. Dá uma dó do caralho e uma vontade de deitar contigo o dia inteiro.

Eu gosto do beicinho que você faz enquanto dorme (sim, você faz).

Eu gosto quando você fala “puuuxa”.

Eu gosto de passar as mãos por debaixo da sua camiseta e apertar as suas costas enquanto a gente se abraça.

Eu gosto de como as minhas pernas bambeiam quando você beija meu pescoço.

Eu gosto quando você diz “gostosa” no meu ouvido.

Eu gosto de um monte de coisas que aqui seriam impublicáveis.

Eu gosto de quando você ri bem gostoso, com vontade, jogando o corpo um pouco para trás.

Eu gosto de falar merda com você. Gosto também de falar de coisas sérias, que me importam muito. Cinco minutos e eu já estou à vontade o suficiente para falar de coisas que eu não falaria a quase ninguém, memórias de infância, coisas que me incomodam. Gosto de como eu quase nunca me sinto tímida ao seu lado.

Eu gosto de me arrumar para sair com você, botar o meu melhor vestido, preparar o meu melhor visual (mesmo que eu saiba que depois vou voltar para casa de roupa amassada, cabelo desarrumado, com o meu pior visual).

Eu gosto de quando você acaricia meu braço com os ossinhos das mãos.

Eu gosto de quando você diz “nãããão, nããão, nããão!”

Eu gosto quando pergunto “sabe tal coisa?” e você franze a testa e diz “sim, sim”.

Eu gosto de como você se atrapalha para dizer tchau ao telefone: “beijo para você, tchau-tchau, até mais, beijo, até”.

Eu gosto dos seus lábios. Que boca bonita você tem, benzadeus.

E eu gosto de mais uma porção de coisas. Uma porção bem grande. E é essa porção que me impede de ir embora, que me faz ficar nesse vai-não-vai; não sei se vou, não sei se fico, a verdade é que eu não quero ir embora. E, se tantas vezes tenho o ímpeto de partir, é porque sinto que preciso. Porque não é todo dia que eu gosto esse tanto de alguém. E, se eu for levar um tombo, pelo visto vai ser um tombo bem grande. Eu vou me esfolar toda, menino. Tenho menos cicatrizes que você e é não é à toa: é porque eu sou cagona, eu morro de medo de me estropiar.

Houve dias em que aquele quarto era o mundo inteiro. Eu me sentia tão à vontade nele, tão leve, tão tranquila, era quase como se o quarto fosse meu. Que o tempo passasse, que eu perdesse o sábado, que não fizesse nenhuma das coisas que precisava fazer: foda-se. Eu não queria estar em nenhum outro lugar anyway. Sabe quando a gente acorda no meio da noite, meio grogue, e, por alguns segundos, pensa “onde é que eu tô?”. Então. Já aconteceu de eu pensar isso, olhar em volta, perceber que estava ali, com você, e aí voltar a dormir pensando: “É. Não gostaria de estar em nenhum outro lugar”. Você não faz idéia de como essa sensação é boa.

Houve dias em que aquele quarto era o mundo inteiro.

Ontem, era só um quarto.

E havia tantas outras coisas naquele quarto além da gente. No meio da gente. Entre os dois corpos. Tanta coisa invadiu o quarto enquanto transávamos. Desconforto, inquietação, indecisão, sensação de peito apertado. Medo de me machucar. Não consegui me abandonar ali, em você. Não consegui me desprender por completo do que estava fora do quarto. De quem estava fora do quarto. E me senti uma inútil por isso. Não consegui ficar em paz. E paz era justamente a melhor coisa que eu sentia ao seu lado. Paz é do que sinto mais falta.

Eu disse que tenho medo de vir a perder você. Mas ontem me dei conta de que talvez nós já estejamos bastante perdidos um do outro.

Certa vez uma amiga me perguntou de você. Aliás, de nós. Pra onde as coisas estavam indo, etc. Eu sorri e disse, despreocupadamente: “não sei!”. Era a resposta mais genuinamente feliz que eu poderia dar. Ontem, você me perguntou “o que vai ser da gente?”. Respirei fundo e respondi: “não sei”. E não sei é a resposta mais triste que eu poderia dar.

Marjorie Rodrigues

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