Sobre ser diferente

– Você é diferente, né amiga? Sempre tá com um livro na mão…

Com essa frase – que, para muitos, poderia ser até uma ofensa – veio na realidade uma certa sensação de alívio. Isso porque tratava-se de uma evolução! Afinal de contas antigamente ela costumava ser taxada apenas de esquisita. Daí pra diferente já poderia considerar um verdadeiro avanço!

Após me contar essa breve passagem, tento argumentar. Tento dizer-lhe que não, diferentes são os outros. Que, para mim, o normal é o que taxam de “diferente”. E, de troco, então ela me alega que eu até posso ser assim, mas do ponto de vista da maioria, nós é que seríamos os diferentes…

Então percebo o quão falho era meu argumento.

Pois baseava-se numa minha visão de mundo que é falha.

O problema é que flutuo no limbo do que deveria ser, que é muito – mas muito mesmo – diferente daquilo que é. Os padrões e os costumes ditados pela mídia dessa nossa época são total e completamente voltados para uma coletividade asséptica. Já adianto que neste caso não se trata de nenhuma visão comunista ou socialista, do ponto de vista político da sociedade, mas tão-somente uma visão que tenho dos grupos e guetos gerados a partir de um pensamento comum de “aceitação” entre as pessoas.

Explico.

Talvez…

Todos nós somos diferentes. Óbvio. Cada um de nós. Único. Mas, de um modo geral, teimamos em esconder essas nossas diferenças em prol de uma pacífica convivência em sociedade. Rejeitamos e renegamos a nós mesmos para vivenciar costumes, jeitos e trejeitos que nos colocam em pé de igualdade com todos os demais. Talvez em sua grande maioria isso não seja consciente, doutrinados que estamos, desde a mais tenra idade, a seguir esses padrões de comportamento.

Mas as nossas diferenças continuam lá dentro. Em nosso íntimo. Existem e vão sempre existir, às vezes brigando pra sair – com maior ou menor força, dependendo sempre da coragem e ousadia que tivermos para enfrentar os padrões de aceitação duma sociedade, que não necessariamente queremos adotar, mas que acaba nos sendo necessária para con-viver.

Todo mundo já passou por isso. Por mais “comum” que se sinta, tenho certeza que uma pequena voz solitária lá dentro, em algum momento, já tentou se fazer ouvir. E, talvez até receosos que outros também a ouvissem, sepultamo-la.

E seguimos nossas vidas.

Às vezes até com algum rompante que nos dê a convicção de controle.

Mera ilusão.

Não adianta o discurso, as filosofices, as posturas, a aparência. O cabelo comprido, o hippie, o punk, o nerd. O vestido, o estilo, o curto, o longo. O cortar, modelar, tirar, colocar. O largado,  a arrumada, o andrajo, o terno. A elegante, a jogada, o pobre, o rico. Sequer um chapéu adianta.

Um dos problemas é que ser diferente dá medo. E, mais ainda, causa medo. Se não estivermos dispostos a viver em sociedade e a nos submeter, ainda que parcialmente, às suas regras, por mais midiáticas e oportunistas que sejam, então simplesmente receberemos a pecha de louco. Ou de santo. Talvez de gênio. Ou de idiota. Depende – sabem de quê? – meramente da sociedade na qual vivemos…

Então é isso.

Não dá pra partir pra luta armada, agarrando-se às cordas, no alto do mastro e com a faca nos dentes. Somos navios-indivíduos em face do mar-sociedade, que nos levará conforme suas correntes e suas ondas. Não tomamos a pílula vermelha e – vamos combinar? – apesar de todos os pesares, até que gostamos dessa nossa vidinha. Ou simplesmente nos acostumamos a ela. Por mais que, às vezes, relutemos.

É que incomoda ser igual.

Como também incomoda ser diferente.

Ainda mais se for uma diferença oculta, lastreada em sonhos juvenis que ficaram para trás, projetos não realizados, amores não correspondidos, aventuras não vividas, sonhos por realizar.

E se assim não o for, então parabéns!

Porque você já é diferente.

E tenha certeza de que é assim que será visto pelos demais. Com carinho. Com admiração. Com inveja. Com desconfiança.

Ou seja…

Diferente.