Escrever é preciso

No livro Cartas a um jovem poeta, o escritor austro-húngaro Rainer Maria Rilke (1875-1926) se corresponde com o jovem Franz Xaver Kappus, que tinha ambições de se tornar um poeta. De uma humildade sem par e com uma lucidez inenarrável tece conselhos e dá sugestões sobre a “arte” de escrever…

Um pequeno livro, facílimo e delicioso de ser devorado, mas que – por pura falta de tempo – ainda não terminei. Mas eis cá uma palhinha:

O senhor me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim. Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para revistas. Faz comparações entre eles e outros poemas e se inquieta quando um ou outro redator recusa suas tentativas de publicação. Agora (como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples “Preciso”, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso. (…)

E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos. Também não tentará despertar o interesse de revistas por tais trabalhos, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que e encontra seu valor, não há nenhum outro critério. Por isso, prezado senhor, eu não saberia dar nenhum conselho senão este: voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte o senhor encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar. Aceite-a como ela for, sem interpretá-la. Talvez ela revele que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite sua sorte e a suporte, com seu peso e sua grandeza, sem perguntar nunca pela recompensa que poderia vir de fora. Pois o criador tem de ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si mesmo e na natureza, da qual se aproximou.

Equinócio de Primavera

 
Mais uma vez temos aí em cima o desenho Firebird Suite (Fantasia 2000), baseado num conto russo em que o Espírito da Primavera fica frente a frente com o Pássaro de Fogo – retratando musicalmente e visualmente os temas vida, morte e ressurreição.

Já falamos disso lá quando do Solstício do Inverno… Lembram?

Pois bem, chegamos ao Equinócio de Primavera. Pontualmente às 06h04min.

E – coincidência das coincidências! – exatamente neste dia concluo também o rol com todas as músicas que fizeram parte de todo um ciclo, de todo o período que antecedeu minha entrada no meu Inverno pessoal. Cada uma destas músicas, sem exceção, teve seu motivo. Tem sua história.

Não sei como será essa Primavera. Daqui donde olho ainda está distante, pois ainda estou em junho, que é quando escrevo este post, e vocês o estão lendo aí em setembro. Aliás, todos esses posts foram escritos com antecedência, pré-programados para, uma vez a cada dia, compartilhar um quê de música e de sentimentos…

E o trabalho a ser feito, a partir daqui, ainda é árduo. Pois a cada dia, a cada música, a cada lembrança, cada uma das mais ínfimas emoções que foram sentidas, o serão novamente em toda sua plenitude.

E por uma última vez.

Uma a uma.

Até que nada mais venha a restar.

Até que acabe o Inverno.

Até que acabe o meu Inverno…

Pelo menos é o que hoje sinto. É o que hoje espero. E, ainda, vai um recado para o meu “eu” aí do futuro: não sei em que novas confusões você anda metido, ou, mesmo, se ainda continua com as suas mesmas velhas confusões; só sei que com sua prodigiosa “memória de pombo”, concertezamente não vai lembrar do conteúdo destas linhas (até mesmo pelo grau etílico atual deste que vos tecla); então faça-me o favor de manter o foco.

Lembrou-se agora?

O motivo de cada uma dessas músicas?

Reviver todos seus sentimentos com intensidade suficiente para então, definitivamente, deixá-los enterrados lá de onde jamais deveriam ter saído?

Pelo menos o plano era esse…

Espero sinceramente que, aí no futuro, você esteja bem, cara. Pelo menos vai ter a certeza de que, daqui onde estou, vou tentar trabalhar para isso. Pois agora, com o fim desse ciclo, se você se meteu em alguma outra confusão, resolva-se! E rápido! A Primavera chegou e você não precisa ficar enclausurado pra sempre. Só precisa crescer. Ao menos o suficiente para aprender a lidar consigo próprio e, em especial, com esse teimoso e tinhoso coração – obstinado em ser independente.

Tenho planos para você.

Não necessariamente grandiosos. Mas planos.

Então, não me decepcione.

Simples assim.