A tecnologia tem outro tom

Depoimento de Higino Tuyuka – Enviado por Fernando Mathias em 25/04/2009
Encaminhado à lista Metareciclagem pelo M’Braz

Durante o Encontro, Higino Tuyuka em um belo depoimento fez a crítica ao uso da tecnologia pelos povos indigenas na estratégia de revitalização cultural. Enquanto transcrevia os relatos, resolvi puxar esse trechinho para colocar em destaque:

Higino Tuyuka: “a tecnologia tem um lado negativo, que não fortalece o costume de transmissão das práticas tradicionais, na nossa vida. O que fazia aprender é a vida dinâmica da prática. Através da tecnologia você pode gravar milhões de CDs, está guardado, pelo menos serve para memória, lembrança morta. Quando você abre, consegue decifrar como era antigamente; só isso, você não retorna a viver. Essa é a mentalidade que temos. A cultura vai ser preservada, mas morta.

Falamos que queremos preservar nossa cultura através da tecnologia. Isso todo mundo quer. Gravar filme para história ser revitalizada. É bom isso, é para preservar, mas é uma lembrança morta, está lá no CD, não tem dinâmica, está guardada no arquivo, só traz tristeza. Vamos transformar essa tecnologia? Vamos viver? Vamos ressuscitar? Ninguém confia em fazer isso, porque a tecnologia tem outro tom! A cultura vai ser guardada morta lá. Nasci dentro da cultura viva, no contexto social. Hoje será que realmente a tecnologia vai revitalizar?

Tudo o que conhecemos de nossos sábios – dar passo, cantar, entoar – vem na dinâmica das práticas culturais. Se um antropólogo descreveu, você vai ler mas não vai reviver isso, não vai ter o som da flauta, ninguém vai estar dançando, a gente só conhece a vida do passado, nunca vamos viver, conviver. Devemos discutir isso, que nos ofereçam uma tecnologia que nos dê vida.

Vamos preservar, tudo bem; muitas vezes acreditamos na tecnologia mas não acreditamos na vida dinâmica da sociedade. Branco não inventou a tecnologia à toa, inventou para viver. Vamos ser eternamente olhados como pesquisados, também vou ser pesquisador indígena pesquisando a própria família, eu conheço mas não vou viver esse conhecimento.

Hoje mudou tudo, não conseguimos direcionar a política de revitalização e fortalecimento. Uma parte a gente fortalece, mantemos nossa língua, mas e o costume, as danças?

Será que conseguimos fazer aqui na cidade? Conseguimos fazer canoa como fazíamos? Aquele indígena que nasceu na aldeia sabe porque saiu de lá sabendo, e quem nasce aqui? Vai olhar na figura e dizer ‘essa canoa meu pai quem fez’.

E tu sabe fazer? Não, é meu pai que sabia.”

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