MP3: O que exatamente é isso?

( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 03, de julho/01 )

– O que é MP3?

Quando minha esposa fez essa pergunta senti-me feliz, pois, apesar de ser uma excelente usuária, nunca se interessou muito além dos programas necessários para seu dia-a-dia. Nunca consegui fazê-la ententer o mórbido prazer de reinstalar trocentas vezes o mesmo sistema operacional só pra ver o que pode dar de errado… Mas estou divagando… Bem, como dizia, quando ela fez essa pergunta eu sorri e disse… GLUP!

Isso mesmo. GLUP. É muito mais fácil saber o que é algo do que explicar esse algo para alguém. Passado o pânico inicial, vi-me falando acerca de algoritmos de compressão, qualidade de CD, etc. Ela balançou a cabeça, fitou-me nos olhos, e disse:

– Não. O que eu quero saber é o que é MP3. É um tipo de CD?

Suspiro. Não. Não é um tipo de CD. Expliquei-lhe então que era um arquivo de computador, tal como os ponto-doc da vida, só que, em vez de texto, possui música. “Ah. Dá pra gravar a música no computador, é isso? Então tá.” Não sei se respondi a pergunta, mas ela se deu por contente com essa resposta. Mas eu não.

Foi então que pensei: quantas pessoas sabem o que é MP3? Não um conceito genérico, que dá pra gravar no computador, etc, mas o que REALMENTE é MP3? Foi então que resolvi (no melhor esquema Ctrl-C/Ctrl-V) escrever esse texto.

A Origem, o Significado e o Método

Bem, você já deve estar cansado de ler por aí que MP3 é causa da revolução musical que vem ocorrendo na Internet. Assim, já está mais do que na hora de você saber do que se trata. Em primeiro lugar: MP3 NÃO É UM PROGRAMA. MP3 é um tipo de arquivo. Assim como os arquivos .DOC são arquivos do Word, arquivos .MP3 são arquivos de música que devem ser abertos com softwares específicos, conhecidos como “Players”.

Mas estou me adiantando. Nos idos de 1987, um instituto de pesquisas alemão iniciava um projeto de ponta em compressão de áudio. Como suporte da Universidade de Erlagen, o Fraunhofer Institut Intergrierte começou a desenvolver as pesquisas. Inicialmente o projeto fôra denominado EUREKA-EU147 e continha uma meta que poderia ser representada pela seguinte fórmula: Qualidade – Espaço desperdiçado à toa = o mais potente algoritmo de compressão para gravar dados sonoros. Anos foram necessários até que o trabalho vingasse e o resultado ficasse visível. Somente em 1992 o layer de compressão desenvolvido pelos cientistas germânicos amadureceu, ainda sem o pomposo nome de hoje. Foi o embrião do MP3.

Essa bem sucedida conquista logo se disseminou nos meios técnicos, até chegar aos ouvidos de um grupo de técnicos ISO (Organização Internacional de Padronizações), reunidos sob a sigla MPEG, Grupo de Especialistas de Imagem em Movimento (Moving Pictures Experts Group). A ISO é a organização responsável por criar todo genêro de normas técnicas e produzir padrões para a indústria mundial. O MPEG, por sua vez, é um grupo de profissionais especialistas em Internet e informática da ISO, que pesquisam novas tecnologias para traçar normas e padrões nessa área. O trabalho do grupo é dividido em fases, de acordo com os temas postos em pauta. Essas fases são elencadas e distribuídas em procedimentos numerados.

O procedimento MPEG-1 tratava exatamente da questão de codificação de áudio mono e estéreo em mídias digitais, necessitando da adoção de um mecanismo que coordenasse o “empacotamento” do som. Como opção, esses especialistas elegeram o algoritmo do Fraunhofer Institut. Ainda assim, até que o layer de compressão fosse sancionado pelo MPEG, demorou mais de um ano. O layer I ainda era um protótipo portador de inúmeras falhas; o layer II estava quase perfeito, exceto quando na conversão de som para frequências mais baixas; esse bug foi corrigido na versão definitiva do compressor – o layer III. A Instrução Normativa MPEG-1 converteu-se nas normas técnicas internacionais ISO/IEC 11172-3 / 13818-3. Então, na metade de 1993, nascia o formato de som MP3.

Do ponto de vista técnico, MP3 é um formato de arquivo sonoro capaz de transmitir som estéreo com frequências e taxas de atualização de áudio CD, comprimindo a informação musical em média 12 vezes a partir do som original.

Arquivos com extensão .MP3, então, são arquivos de áudio (waveform), semelhantes aos arquivos .WAV (wave), porém, extremamente compactados. Para se ter uma idéia, imagine gravar uma música de CD usando sua Sound Blaster (ou qualquer outra placa de som que tenha) e os programas de gravação que a acompanham. Numa gravação de 1 minuto de música com a chamada “Qualidade de CD” (44 KHz, 16-bits, stereo), obteríamos um arquivo .WAV de cerca de 12 Mb, enquanto seu correspondente em .MP3 teria apenas 1 Mb, com praticamente a mesma qualidade.

Mas, mesmo com todas as qualidades técnicas, havia uma grave incompatibilidade entre o equipamento médio da época e as exigências de memórias dos conversores MP3. Naquela época, os processadores SX-25 levavam “dias” para transformar um som Wave em MP3, o que inviabilizou o uso prático do formato. Com a constante atualização das máquinas e novos chips aparecendo no mercado, essa situação foi contornada. Hoje converter uma música do CD para MP3 exige apenas uns poucos minutos. A explosão da Internet colaborou para transformar o MP3 áudio em coqueluche mundial, num processo que teve como marco inicial o ano de 1998.

Assim, atualmente, é fácil você obter uma música ou até mesmo um álbum inteiro pela Rede. A maioria das músicas tem entre 2 e 4 Mb, o que hoje em dia não é muito demorado para fazer o download (15 minutos com um modem de 33,6 kbps). Você pode, por exemplo, pedir para um amigo seu nos EUA ou Europa mandar o último álbum da sua banda preferida, que ainda não foi lançado aqui, via Internet, e vice-versa…

Portanto, a sigla MP3 significa MPEG1-III, ou, melhor dizendo, “Moving Picture Express Group 1 – Layer III”. O MP3 se baseia nos arquivos .WAV, criados pela Microsoft, comprimindo o seu tamanho em cerca de 12 vezes. Essa tecnologia de compressão de dados sonoros foi criada pelo alemão Karlheinz Brandenburg.

Trata-se de uma combinação sem igual de métodos avançados de compressão desses arquivos, preservando suas características originais. O princípio de funcionamento básico do MP3 é buscar e eliminar num sinal de áudio normal, como um arquivo WAV, todos os sinais redundantes e irrelevantes que não sensibilizam nosso ouvido.

O sistema usado no caso do MP3 é o “Perceptual Noise Shaping”, que faz o seguinte: um banco de filtros pega pequenas amostras do sinal e através do algoritmo de compactação do MP3 gera um novo sinal diferente deste, menor, mas que soa aos nossos ouvidos como o primeiro, graças a uma série de truques que “enganam” os tímpanos e aproveitam as características e deficiências psico-auditivas do ser humano. Em qualquer música, se duas frequências muito próximas foram “tocadas” ao mesmo tempo nosso ouvido somente ouvirá a mais forte, ou seja, o MP3 simplesmente diminui o número de bits desse sinal mais fraco e mantém os bits do sinal mais forte, reduzindo assim o tamanho final do arquivo na proporção aproximada de 12:1 (qualidade semelhante ao CD). Temos, pois, as seguintes “estratégias” utilizadas para essa compressão:

– como o ouvido humano não consegue captar as frequências graves como som estéreo, o som grave é gravado de forma monofônica;

– são cortadas as frequências muito altas, acima dos 20 kHz, que não são audíveis pelo ouvido humano;

– da mesma forma, sons abaixo da frequência de 2 KHz não são ouvidos e, por isso, descartadas durante o processo de conversão;

– como sons mais fortes muitas vezes cobrem totalmente os sons mais fracos, evita-se essa redundância deixando de gravar sons sobrepostos;

– o algoritmo de Huffman: é um clássico modo de armazenamento que identifica as sequências de bits idênticas e, em vez de repeti-las, cria links de uma para a outra.

Entretanto, alguns especialistas dizem que apesar de nosso ouvido não captar alguns tipos de sons, nós podemos sentí-los. Questão de ouvido para ouvido… Os audiófilos de plantão devem estar loucos com esses cortes e devem ser extremamente contra esses princípios. Pois, se você tem um equipamento profissional de áudio, de dezenas de milhares de dólares, com resposta em grandes faixas de frequência (graves e agudos), talvez não considere o MP3 como a oitava maravilha do mundo. Mas, se você é como 99% da população, que tem bons e comuns aparelhos de som em casa, dificilmente notará diferença entre um CD e um MP3 bem codificado.

Para gerar um arquivo MP3 a partir de um CD de áudio, é necessário um programa (conhecido como Ripper) que copie a trilha de áudio (música) de um CD para o HD do computador de forma totalmente digital (sem precisar escutar a música enquanto ela é gravada). Dependendo do programa utilizado, o arquivo resultante poderará ser diretamente um .MP3 ou então um .WAV. Existem, ainda, os Encoders (convertem .WAV para .MP3 e outros formatos) e os Decoders (convertem .MP3 em .WAV).

Já para “escutar” um arquivo MP3, há a necessidade de um programa específico, conhecido como Player. Um dos melhores e mais completos é o WinAmp, da NullSoft, que pode ser baixado pela Internet gratuitamente. Além da possibilidade de adicionar novos recursos de áudio, pode-se ainda mudar sua aparência, bastando fazer o download dos skins e plugins disponíveis na Rede.

Ao contrário de quando são “codificados”, para serem reproduzidos os arquivos .MP3 requerem pouco da CPU, podendo neste caso rodarem em background, enquanto se utiliza o micro para outras tarefas.

MP3 é ilegal?

Quanto à legalidade desses arquivos, fazer o download não é necessariamente ilegal (seria algo parecido como ouvir rádio). Agora, distribuir música sem autorização, isso sim pode ser considerado ilegal. Para efeitos de legislação brasileira quem efetua download de música digital MP3 sem pagar, infringe o direito autoral, pois funciona como intermediário e incentivador do desrespeito à remuneração decorrente do direito autoral.

Com o advento do MP3 as empresas fonográficas, que já torciam o nariz ante a hipótese de perder o poder, foram à desforra. Tentaram associar o nome MP3 à violação de direitos autorais e ao crime de pirataria, partindo para a repressão total. Muitos sites que distribuíam arquivos MP3 simplesmente fecharam as portas. Um dos alvos dessa fúria foi a Diamond, que quase viu seu aparelho portátil RIO proibido de circular por causa de uma ação da Associação de Empresas Gravadoras da América. Felizmente a causa foi perdida.

Nos primeiros meses de euforia com o MP3, em 1998, a indústria fonográfica reagiu alegando que o novo formato de som era um atalho para a pirataria musical, pois facilitava a cópia das músicas dos CDs e o tráfego dos arquivos pela Internet. Mas o tempo passou e verificou-se que esses argumentos eram totalmente descabidos. O formato MP3 ou os arquivos MP3 nada têm de ilegal e não há uma só lei no Brasil, nos Estados Unidos ou Europa que proíba ou determine a forma de difusão de um trabalho artístico. A distribuição do MP3 só configura pirataria se a transferência de arquivos ou sua disponibilização não for autorizada pelo titular dos direitos autorais, ou seja, o mesmo tipo de disposição que já se aplica aos CDs e fitas piratas. Portanto, o MP3 é um meio como qualquer outro para reprodução de uma obra intelectual, como o é um livro ou uma fita K7. Além de quê, a lei não cuida de hipóteses, ela incide sobre fatos reais. Dizer que o MP3 pode dar margem à pirataria é tão ridículo quanto mencionar que uma empresa de talheres não pode produzir facas porque estas podem ser utilizadas em homicídios…

O que transparece claramente nesse caso é o interesse de marginalizar o MP3 junto ao público para que a indústria fonográfica continue com sua capacidade de ditar modismos, rejeitar talentos e continuar centralizando o mercado de música em suas mãos. O grande problema é que elas sentem-se ameaçadas com o crescimento da tecnologia do MP3. Seu receio é que, com a facilidade em adquirir músicas de graça ou por um preço baixo (leia-se preço justo), as pessoas parem de comprar CDs. Por esse motivo, principalmente, é que resolveram taxar de pirataria o processo descontrolado de distribuição de música pela Internet.

Essa definição divide os usuários: uns realmente consideram tal ato como pirataria, entretanto outros afirmam que trata-se apenas de tráfego de informação e cultura pela Internet.

Entretanto há que se considerar que o MP3 é uma ótima solução para conhecer o material de artistas: o internauta baixa algumas músicas, ouve e, se gostar, pode fazer uma coleção dessas músicas em MP3, ou comprar o CD. Um outro detalhe é que se o internauta gostar apenas de algumas poucas músicas de determinado artista, pode adquirir somente essas músicas, de modo que não precisa comprar um CD somente por uma ou duas músicas de sua preferência, tendo que “engolir” as demais.

Teoricamente para disponibilizar arquivos MP3 em algum site é necessário que se tenha o registro da música ou a permissão dos donos da obra. O risco de não se tomar tais cuidados é uma possível acusação de pirataria.

No olho do furacão…

No meio de tudo isso, dois nomes se destacam: www.mp3.com e Napster.

Uma das primeiras páginas colocadas no ar que se mostrou um meio legítimo e criativo de conduzir a arte dos músicos para as massas foi o www.mp3.com. Michael Robertson, que fundou o site em meados de 1997, já garantiu seu nome na História como um dos precursores do som do século XXI – e, por tabela, como um dos mais jovens milionários dos últimos tempos.

Em julho de 2000 as gravadoras Warner e BMG autorizaram o site mp3.com a reproduzir na Web as músicas de seus catálogos. Essa iniciativa, segundo Nehemias Gueiros, professor titular de Direito Autoral da Fundação Getúlio Vargas, demonstra que “a indústria está percebendo que, se não se render à Internet, pode ficar para trás”.

Já o NAPSTER, criado pelo americano Shawn Fanning, de 19 anos, é um dos mais famosos softwares para troca de arquivos MP3 entre internautas (existem diversos outros, como o Gnutella e o Freenet), já tendo conquistado milhões de usuários pelo mundo. Em vez de se disponibilizar o arquivo MP3 em algum site, o mesmo fica no computador de cada usuário; quando se utiliza o software ele indica quais arquivos existem cadastrados e quais máquinas estão conectadas naquele momento, de modo que a transferência se dá de computador para computador, desviando assim da fiscalização de provedores e hospedeiros. Em suma, o internauta localiza, baixa, troca e grava arquivos MP3 de onde bem entender.

Entretanto, meses após sua criação, a Associação Norte-Americana da Indústria Discográfica, que representa as principais gravadoras, entrou com uma ação federal contra o Napster, alegando que os serviços do site violavam a legislação de direitos autorais do país e representavam prejuízos potenciais de bilhões de dólares para o setor, já que as gravadoras não recebiam qualquer remuneração pela distribuição das músicas na Internet. Em contrapartida as próprias gravadoras anunciaram planos de usar a mesma tecnologia em serviços por assinatura e com formatos digitais que impedissem cópias.

Em julho de 2000, a juíza distrital Marilyn Hall Patel concedeu um mandado de injunção, proibindo o Napster de dar aos seus usuários acesso a material protegido por direito autoral. A empresa recorreu ao tribunal de apelações, alegando que o mandado de injunção forçaria o site a interromper o serviço prestado a cerca de 50 milhões de usuários registrados e representaria a falência da companhia. O advogado do Napster, David Boies – que representou o governo no processo antitruste movido contra a Microsoft – comparou o serviço do site ao de um vídeo cassete e disse que a empresa está protegida pela lei norte-americana Audio Home Recording Act, que permite que pessoas gravem programas em suas casas para uso pessoal.

No entanto, o Departamento de Justiça norte-americano discordou da tese da defesa, afirmando que a lei não protege o Napster porque um computador pessoal não é um “aparelho de gravação” conforme definido pela legislação.

Porém nem só aqui tudo acaba em pizza. Na mesma época, o Napster fez acordos com empresas como a gravadora alemã Berteslmann, proprietária do selo BMG. A gravadora prometeu financiar o site caso o Napster se torne um serviço por assinatura que pague direitos autorais aos artistas. Logo em seguida as duas empresas anunciaram planos para lançar esse tipo serviço pago.

Mas, voltando ao fio da meada, quando da popularização do site mp3.com e do programa Napster, a indústria fonográfica ficou de cabelos em pé. Uma das “saídas” que encontrou foi uma tentativa de se aliar à indústria de software e lançar a SDMI – Secure Digital Music Initiative (iniciativa para a música digital segura). Depois de muitos estudos, os técnicos concluíram que a melhor solução para proteger a música digital seria a inserção de uma marca d’água nos fonogramas. Esta marca conteria, a princípio, instruções sobre a forma de utilização do arquivo sonoro: número de vezes que a música será executada, se o usuário pode gravar um CD com aquela faixa, carregá-la no seu MP3 player, etc.

O curioso é que, para testar a segurança das suas defesas cibernéticas, as mais de 200 indústrias envolvidas no projeto resolveram lançar o concurso “hack SDMI” (www.hacksdmi.org), convocando a comunidade digital a quebrar qualquer das quatro tecnologias de marca d’água desenvolvidas. Os magérrimos US$10 mil oferecidos como prêmio despertaram a atenção de uma meia dúzia de curiosos e a antipatia dos hackers mais experientes, que estão fartos de saber que o tal “prêmio” nada mais é do que o pagamento por uma consultoria em segurança da informação. Destes, existem duas facções: aqueles que acham melhor desbaratar a tecnologia de uma vez por todas e mandar o projeto, com o rabo entre as pernas, de volta às pranchetas; e outra que prefere aguardar até que toda a tecnologia seja implementada, para aí sim quebrá-la, deixando claro que a questão não é “como”, mas “quando”.

O grande crime tanto alardeado pela indústria com relação ao MP3 é a questão da proteção aos direitos autorais. Diz-se que a livre disseminação das músicas pela Internet iria acabar com a “iniciativa artística”, pois os autores não receberiam pelo seu trabalho. Ora, na prática isso já acontece, seja por meio dos CDs ou de fitas K7 piratas, isso sem falar na própria parte que cabe à indústria. Seria algo como preparar um enorme bolo para uma festa de aniversário, todos elogiarem seu trabalho, mas na hora do pagamento você recebe somente uma fatia desse mesmo bolo. E sem pratinho.

No entendimento de John Perry Barlow, co-fundador da EFF (Electronic Frontier Foundation), no futuro não haverá propriedade no ciberespaço, será uma espécie de “PontoComunismo”. Naturalmente, uma coisa é vencer uma revolução e outra bem diferente é governar suas consequências. Ante a inevitável questão acerca da incerteza de se receber pelo trabalho mental realizado (face à ausência de leis que regulamentem o direito autoral), a resposta que se evidencia é de que já o fazemos, vivendo mais graças à inteligência que à produção de bens materiais propriamente ditos. Veja o caso de advogados, arquitetos, médicos, consultores, executivos: todos sobrevivem economicamente sem ser “proprietários” de seu conhecimento.

Ora, durante mais de 5000 anos, antes da criação da primeira lei moderna de direitos autorais – o Estatuto de Anne, aprovada pelo Parlamento Britânico em 1710 – o homem conseguiu dar vazão à sua criatividade sem se preocupar com a problemática da remuneração. Grandes nomes – como Sófocles, Dante, da Vinci, Botticelli, Michelangelo, Shakespeare, Newton, Cervantes, Bach – todos encontraram motivos para sair da cama pela manhã, sem esperar pela propriedade das obras que criaram. E, mesmo durante o auge do direito autoral, conseguimos grandes feitos de personalidades como Vint Cerf, Tim Berners-Lee, Marc Andreessen e Linus Torvalds: nenhum deles fez seu trabalho pensando nos royalties.

Isso sem falar nos grandes músicos que continuaram fazendo música mesmo após descobrir que as empresas fonográficas ficavam com todo o dinheiro.

A banda Grateful Dead aprendeu por acidente que se deixasse os fãs gravarem os concertos e reproduzi-los livremente (“roubando” a propriedade intelectual, da mesma forma que os napsterianos), as fitas se tornariam um vírus de marketing que criariam novos fãs suficientes para encher qualquer estádio. Embora os fãs do conjunto tivessem acesso a gravações gratuitas, mesmo assim continuavam comprando os álbuns em grande quantidade (e não foi mais ou menos isso que nosso amigo Bill também fez?).

A própria história demonstra isso: apesar da popularização dos videocassetes, mais pessoas do que nunca vão ao cinema, e os aluguéis e vendas de fitas representam mais da metade das receitas de Hollywood. E, ainda que o RIAA (Associação Americana da Indústria Fonográfica) esteja convencido de que a fácil disponibilidade de músicas comerciais livremente copiadas na Internet levará ao apocalipse, desde que o MP3 começou a inundar a rede as vendas de CDs aumentaram em 20%.

Numa dessas grandes definições que aparecem vez ou outra, Courtney Love disse, numa brilhante declaração contra a indústria fonográfica: “Sou um garçom, vivo de gorjetas”. Ela está certíssima, pois as pessoas querem pagar porque gostam de seu trabalho. Quem efetivamente presta serviços sobrevive, embora as pessoas servidas não tenham nenhuma obrigação legal de lhes dar gorjeta. Se dão, é porque é a coisa certa a ser feita. É tudo uma questão de cultura.

E esse é o ponto. Numa ausência prática de lei, a ética é que desempenha o papel mais importante da Internet. Basta visitar os sites de leilões virtuais para confirmar isso. Existe um sistema de pontuação entre compradores e vendedores, que define se determinada pessoa é digna de confiança ou não.

A livre distribuição das idéias não quer dizer que vá se perder a autoria da mesma. Muito pelo contrário. Como na biologia, o que viveu antes se torna o composto daquilo que virá a seguir. Mais ainda, quando você compra – ou “rouba” – uma idéia que se formou em minha cabeça, ela permanecerá onde nasceu e você, de maneira nenhuma, diminuirá seu valor compartilhando-a. Pelo contrário, minha idéia se tornará mais valiosa, uma vez que novas espécies podem nascer no espaço informacional entre sua interpretação e a minha. É como assistir ao renascer da prática de contar histórias, onde o narrador se mescla à audiência, podendo enriquecer cada vez mais seus contos…

Para concluir essa explanação, vale citar um novo hoax que anda correndo por aí, alertando para um suposto vírus chamado “MusicPanel”, que viria embutido em arquivos MP3 disponíveis em sistemas de troca como Napster e Gnutella. Na verdade esse vírus não existe.

O hoax é apresentado como um release, e afirma que “quem fizer o download de qualquer uma das 500 canções mais populares na internet (…) vai descobrir que sua música ilícita não pode ser usada e que seu computador vai travar devido a essa bomba-relógio”. Diz, ainda, que o pretenso vírus é uma “arma global” para combater a pirataria.

Na realidade isso mais parece um manifesto contra a pirataria musical. No entanto, o próprio “release” faz questão de declarar que não foi escrito sob inspiração de nenhuma gravadora, nem tampouco da própria RIAA. Acredite quem quiser…

Como? Você não sabe o que é um “hoax”? Tudo bem… Basta ler a matéria a seguir

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