Esmigalhando

Dever cumprido.

Eleição encerrada.

Com mais de 95% do total de urnas apuradas o quadro se tornou pra lá de irreversível.

Apesar da tentação de ficar no boteco com todo o povo que deu o sangue na campanha para a comemoração final, o cansaço finalmente se fez presente, junto com uma imensa saudade do aconchego do lar, do carinho da Dona Patroa e da alegria onipresente dos meus três filhotes – não necessariamente nessa ordem…

Despedi-me de todos, fui até o bom e velho (talvez mais velho que bom) Titanic II e, sob uma fina garoa, dei a partida nos seis canecos, rumo ao lar, para o merecido descanso do guerreiro.

Coisa de umas três quadras depois, numa curva, ouço um barulho:

TRÉÉEC-TÉC-TÉC-TÉC-TRRRRRRÉC-TÉC…

O coração vem à boca!

Parei o carro.

Acelerei.

Tudo suave.

Acelerei fundo.

Tranquilo.

Ressabiado, engatei a primeira e segui caminho. Uns três quilômetros depois, novamente o barulho. Mais forte agora.

Encostei rapidamente o carro, abri o capô e, numa rápida inspeção visual, tudo parecia em ordem. Superaquecimento não poderia ser. Além de não fazer mais que poucos minutos que eu havia ligado o carro, tinha água suficiente no radiador e a noite estava fria e chuvosa. Direto pelo carburador acelerei fundo o carro. Nada. Tudo certo.

Diacho!

Novamente tomei o rumo de casa, dessa vez decidido a não parar.

Não demorou muito, e já na mal iluminada estrada velha (aquela sem acostamento, lembram?) voltou o maldito barulho com toda a força. Acelerei. O torque parecia normal. Mas aquele barulho horrível de esmigalhamento não cedia. Continuei.

Será que a desventura de ontem, com a fervura desse caldeirão, acabou deixando sequelas piores que as que eu podia imaginar? Na minha cabeça pensei em pedaços dos anéis se destroçando e esmigalhando todo o conjunto interno da mecânica, riscando a camisa e marcando o pistão.

Diminui a marcha e continuei firme.

Já tinha começado até a fazer planos – ainda que não fosse o momento – de tirar o motor quatro cilindros do 79 e passar para o Titanic II, enquanto deixaria o seis cilindros no chão da garagem aguardando tempo ($$$) para que fosse reconstruído. Certamente não sobraria uma peça inteira dentro dele quando eu chegasse em casa!

Quase na divisa das cidades, não aguentei mais toda aquela barulheira. Num dos raros pontos iluminados do caminho (na entrada de um super-hiper-ultra-mega-blaster-advanced-plus condomínio de luxo), parei o carro sob uma chuva torrencial e novamente levantei o capô. As gotas d’água ferviam qual ovo na chapa ao pingar no motor. Mais uma vez pelo carburador acelerei fundo o carro e descobri a causa do barulho!

O radiador havia se soltado e estava literalmente ralando a hélice!!!

Desliguei o carro e dei um jeito de travar o radiador de volta no lugar. Olhei o estado da hélice. Lastimável. Ainda estava inteira, mas com várias pontas quebradas e danificadas. Liguei o carro de novo e fui checar. Pelo menos não empenou.

Retomei o rumo de casa bem mais aliviado, sabendo que, pelo menos dessa vez, o conserto não ficaria tão caro.

Pelo menos é o que espero…

3 comentários em “Esmigalhando”

  1. A propósito… Seo Adauto, como é o Titanic II? Você tinha postado alguma foto dele nesse blog, não? Procurei mas não achei.

    Abraços.

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