Incidência de apelidos de família no Rio de Janeiro e em Porto Alegre

Pércio Pinto
do INGERS (Instituto Genealógico do Rio Grande do Sul), e
CBG (Colégio Brasileiro de Genealogia)

Antroponímia é o estudo do nome das pessoas. O vocábulo foi cunhado em 1887 pelo filólogo português Leite de Vasconcelos, que dedicou um capítulo de suas ‘Lições de Filosofia Portuguesa’ ao: ‘Onomástico Antigo e Moderno’. Ambos os vocábulos foram criados a partir do grego: onomatos, ‘nome’, e anthropos, ‘homem’, mais onoma. Diz o mestre: “O ‘estudo dos nomes próprios em geral’ chama-se onomatologia. O dos nomes geográficos tem em particular o nome de toponímia. Podíamos dizer paralelamente, com relação aos nomes de pessoas e seres personificados, antroponímia.”

O nome, genericamente falando e dentro do conceito de antroponímia, refere todos os vocábulos que compõem a denominação pela qual nos identificamos como pessoas, como estabelece o prof. Franz August Gernot Lippert em: ‘O Nome das Pessoas Físicas no Direito Brasileiro’. Coloquialmente chamamos nome aquele ou aqueles vocábulos que identificam o indivíduo: João ou João Antonio. Da mesma forma coloquial, chamamos sobrenome os apelidos das famílias: Silva, Santos, Oliveira, Souza, Pereira.

Os estudiosos da legislação brasileira mencionam, contudo, que esta não é uníssona nem rigorosa na conceituação dos vocábulos que compõem o nome. A expressão sobrenome, tão comum no Brasil, sequer existe na legislação; existe de fato.

Os franceses distinguem prenomes e nomes, utilizando os primeiros na identificação do indivíduo, e os segundos na identificação das famílias a que ele pertence, como ensina Albert Dauzat.

Estudiosos portugueses e brasileiros admitem apenas as designações clássicas: nomes, para os indivíduos, e apelidos, para as famílias. De um e de outro difere a alcunha, codinome que alguns indivíduos conquistam, ou sofrem.

Os apelidos de família, ou de clã, remontam a mais de cinco mil anos, como se pode ver na Bíblia, Números, 1, 20 a 50, quando o Senhor ordenou a Moisés, no Sinai, que fizesse o recenseamento dos filhos de Israel após a saída do Egito. Foram contados 603.550 homens de mais de vinte anos e toda esta gente, mais a família de cada um, foi dividida em doze tribos, mais a tribo de Levi que ficou encarregada do sacerdócio. Do nome de cada um dos patriarcas originou-se o nome da tribo ou, modernamente, seu apelido. Da tribo de Judá, a Bíblia dá minuciosa genealogia até Jesus.

Como os nomes individuais se sucediam, os judeus adotaram o apelido patronímico: Jacó filho de Abraão, que se distinguia de outros Jacós.

O patronímico foi o primeiro apelido de família; mais tarde foi usado o toponímico, que se refere ao lugar de nascimento ou vivência; e finalmente adotou-se, em certos casos, a alcunha.

O patronímico se caracteriza pelo uso da preposição, prefixos ou sufixos. Por exemplo: judaica, Bar Abas, filho de Abas; gaélica, Ab; árabe: Ibn; são preposições. MacNamara, escocês; O’Henry, irlandês; FitzGerald, inglês; são prefixos. São sufixos: o son, em Johnson, inglês; sen em Andersen, escandinavo; Álvarez, espanhol; Álvares, português. Todos significam: filho de.

São toponímicos portugueses: de Souza, da terra de Souza; de Maia, da terra de Maia; Chaves, da cidade de Chaves; Porto, da cidade do Porto, etc. Os toponímicos formam-se em geral com a preposição de, que não implica origem nobre como muitos entendem.

Finalmente os apelidos de família decorrem de alcunha: Calvo, Velho, Alegria, Negrão.

Essas introdução permitirá que o leitor possa identificar seu apelido de família com a provável origem.

O acadêmico R. Magalhães Jr. publicou em 1974 o livro ‘Como você se chama?’, dando origem a outros estudos de diferentes autores. Como curiosidade publicamos os 28 apelidos mais populares no Rio de Janeiro, por ele levantados a partir do guia telefônico, e 106 apelidos mais comuns em Porto Alegre, da mesma fonte, da lista deste ano (1979). Referem-se naturalmente às classes média e alta apenas, mas tem seguramente boa representatividade.

Em ambas as listas o leitor encontrará apelidos formados das três maneiras que indicamos (a preposição fica implícita em certos apelidos como: da Silva, de Souza, de Oliveira, da Costa, de Barros, e outros).

O exame das duas listas permite certas conclusões, como, por exemplo:

1. No Rio, como em Porto Alegre, os apelidos portugueses predominantes são precisamente os mais antigos registrados nos estudos genealógicos. A coincidência dos cinco primeiros é impressionante.

2. Alguns apelidos tradicionais portugueses comuns no Rio, como Araújo, Barbosa, Castro, Azevedo, Barros e Cardoso, tem menor incidência na lista de Porto Alegre. São famílias reinóis que, de preferência, se radicaram entre Salvador e Rio de Janeiro.

3. Alguns apelidos mais frequentes em Porto Alegre sequer constam da lista do Rio. É que para cá vieram de preferência os açorianos: Silveira, Machado, Rosa, Morais, Soares, Lopes, Gonçalves e Nunes.

4. Na lista de Porto Alegre, quatro grandes famílias alemãs chegadas em 1824 figuram com certa expressão. Nenhum apelido não português consta da lista do Rio. Os alemães são Schmidt (ferreiro), Müller (moleiro), Becker (padeiro) e Schneider (alfaiate). As famílias Bittencourt, Brum e Goulart, de origem francesa ou holandesa, chegaram a Porto Alegre via Açores. Note-se a ausência de grandes grupos familiares italianos. Os alemães chegaram em 1824, a seis ou sete gerações e os italianos a partir de 1875, a três ou quatro gerações.

5. Contrariamente à crença nacional, os espanhóis tiveram pequena influência na composição demográfica de Porto Alegre. Talvez um que outro ramo dos Garcia e dos Ávila.

6. Apesar da preeminência econômica e cultural da comunidade israelita, nenhum grupo familiar se salienta. Os israelitas gaúchos procedem de ambos os grupos mais importantes, asquenásis da Europa Central, na grande maioria, e alguns poucos sefarditas, entre os quais se arrola uma tradicional família Rodrigues. Alguns autores supõem ter havido uma grande colônia israelita nos fins do século XVII e início do XVIII. Se houve, foi absorvida sem deixar traços culturais.

Rio de Janeiro-1974

Silva
Santos 
Oliveira 
Souza 
Pereira 
Costa
Carvalho
Almeida 
Ferreira 
Ribeiro 
Rodrigues 
Gomes 
Lima 
Martins 
Rocha 
Alves 
Araújo 
Pinto 
Barbosa 
Castro 
Fernandes 
Melo 
Azevedo 
Barros 
Cardoso 
Correia 
Cunha 
Dias 
11.520
  7.200
  6.480
  6.480
  5.280
  5.040
  4.600
 4.080
  4.080
  3.360
  2.800
  2.800
  2.800
  2.800
 2.400
  2.400 
  2.400
  2.400
  2.400
  2.400
  2.400
 2.160
  1.920
  1.920
  1.920
  1.920
  1.920
 1.920
Porto Alegre-1979

Silva 
Santos 
Oliveira 
Souza 
Pereira 
Silveira 
Costa 
Machado 
Rodrigues 
Ferreira 
Lima 
Martins 
Rosa 
Ribeiro 
Carvalho 
Gomes 
Morais 
Rocha 
Soares 
Lopes 
Almeida 
Cunha 
Dias 
Gonçalves
Nunes 
Pinto 
Alves 
Correia 
Fernandes 
Melo 
Marques 
Azevedo 
Freitas 
Schmidt 
Teixeira 
Vieira 
Araújo 
Barbosa 
Castro 
Moreira 
Cardoso 
Borges 
Duarte 
Pires 
Garcia 
Ramos 
Andrade 
Fonseca 
Vargas 
Barcelos 
Coelho 
Dorneles 
Flores 
Leite 
Campos 
Medeiros 
Müller
Amaral 
Becker 
Bittencourt
Schneider 
Dutra 
Guimarães 
Porto 
Viana 
Abreu 
Aguiar 
Albuquerque 
Antunes 
Ávila 
Azambuja
Barros 
Braga 
Bueno 
Camargo 
Cruz 
Faria 
Fagundes 
Fiqueiredo 
Fontoura 
Fraga 
Leal 
Lemos 
Matos 
Mendes 
Nascimento 
Neves 
Pacheco 
Pinheiro 
Xavier 
Borba 
Brasil 
Brito 
Brum 
Chaves 
Goulart 
Jardim 
Luz 
Meneses 
Miranda 
Monteiro 
Neto 
Peres 
Santana 
Tavares 
Trindade 
5.250
2.835
2.625
1.785
1.365
1.312
1.260
1.207
1.207
   945
   945
   945
   945
   945
   735
   735
   735
   735
   735
   682
   668
   630
   630
   630
   630
   630
   577
   577
   577
   577
   550
   525
   525
   525
   525
   525
   472
   472 
   472
   430
   427
   420
   420
   420
   420
   420
   367
   367 
   320
   315
   315
   315
   315
   315
   300
   300
   270
   262
   262
   262
   240
   260
   230 
   220
   220
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   210
   200
   200
   200
   200
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   200
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Manual de Paleografia Portuguesa

Instituto Genealógico do Rio Grande do Sul

Paleografia Portuguesa

A Paleografia pode ser definida tanto como escritos antigos, ou o estudo de escritos antigos. Qualquer pessoa empenhada em pesquisas genealógicas de registros portugueses antigos, necessitará de saber ler, entender e transcrever tais registros.

A capacidade de ler e escrever paleografia exige duas habilidades importantes: (1) saber transpor os caracteres do documento original para caracteres com os quais estamos mais familiarizados, e (2) saber identificar as abreviações usadas no texto do registro.

Além dessas duas habilidades mais importantes devemos também ser capazes de interpretar os sinais de pontuação usados, separar ou unir palavras que não foram separadas ou unidas no texto original, ler e transcrever números, identificar erros no texto original e, finalmente, obter, através de tudo isso, o significado do texto.

É claro que cada pessoa tem um estilo ou método de escrever, o qual é único. No entanto, tem sido possível, no correr da história, reunir em grupos ou estilos definidos, muitos desses métodos individuais de escrita. Tais estilos podem variar de época a época, de país a país, e até mesmo entre tipos diferentes de documentos. Entretanto, uma vez que se tenha aprendido as características especiais de qualquer estilo, deveríamos ser capazes de ler qualquer documento escrito naquele estilo, usando para isso, de um esforço apenas ligeiramente maior do requerido para ler os atuais estilos de caligrafia. Naturalmente, teríamos que lidar com variações daquele estilo, má caligrafia, tinta desbotada etc. Mas o segredo de poder ler qualquer estilo determinado de caligrafia é simplesmente ser capaz de reconhecer as características daquele estilo.

Os estilos típicos da Ibéria e Ibero-América se originaram do alfabeto romano, usado desde pouco tempo antes época de Cristo. No início, tal alfabeto consistia de 21 letras: A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V e X. As letras Y e Z foram adicionadas aproximadamente em 50 A.C. Desde aquele tempo tem havido muitos estilos diferentes, ou modificações de estilos que foram adotados, rejeitados, modificados e remodificados. Esses estilos foram agrupados e classificados e incluem, entre outros, a caligrafia Carolínea, resultante de uma reforma introduzida durante o reinado de Carlos Magno, a caligrafia Gótica, a caligrafia Cortesa, a caligrafia Secretária e a caligrafia Secretária Encadeada.

Devemos chamar a atenção para o fato de que como em muitas outras disciplinas, a categorização pode ser perigosa. é conveniente que sejamos capazes de classificar esses vários estilos em grupos e dar-lhes nomes e títulos. Entretanto, logo que se cria uma categoria ou um grupo, automaticamente surgem dúvidas quanto a se um estilo pertence a este ou àquele grupo, ou se está em algum lugar no meio. Como Eduardo Nunes explica: “A classificação das letras é um rito sagrado, mas ao qual, atualmente todos os paleógrafos desejariam poder furtar-se … ; porque, tanto a terminologia (base da classificação), como a própria metodologia (postulado da terminologia) se encontram em plena crise de refundição. ” (Nunes, Eduardo, álbum de Paleografia Portuguesa, Vol. 1, Lisboa, Portugal: Instituto de Alta Cultura, Universidade de Lisboa, 1969, p. 11.) As categorias, no entanto, são convenientes e por essa razão são e continuarão a ser usadas.

Uma vez que a maioria dos registros de valor genealógico na Ibéria e Ibero-América, não foram iniciados até o princípio do século XVI, somente os estilos predominantes usados desde aquele tempo nos interessam. Nesses estão incluídas a caligrafia Secretária, a caligrafia Secretária Encadeada e a Itálica, as quais são brevemente descritas nas passagens que se seguem.

A Escrita Processual e Encadeada

“A escrita processual é eminentemente cursiva, permitindo dessa forma aos escreventes, grande liberdade no traçado. Como consequência, surgiu a degeneração da letra, sendo difícil encontrar, em toda a paleografia latina e suas aplicações nas línguas vernáculas, uma escrita com tantas formas divergentes como o é a processual. À primeira vista, os variados manuscritos examinados por pessoas que não estão a par do traçado da escrita processual, podem levar à conclusão de que se trata de vários tipos de escritas. O motivo para tal, é que os tipos de caligrafia processual oscilam entre os parecidos à cortesa, que ainda mantém algumas das formas anglicanas herdadas da gótica cursiva – da qual se originou – até os extremamente redondos da caligrafia encadeada, sendo esta a última degeneração do ciclo – cortesa – processual e encadeada. ” (Aurélio Tanodi – Interpretação Paleográfica de Nomes Indígenas, Córdoba, Argentina: Editor, 1965, p. 38.)

A Escrita Itálica ou Bastarda

“O ensino sistemático constitui uma das principais características da escrita bastarda. Os calígrafos do século XVII e anos posteriores, seguiam a escrita itálica ou bastarda, porém, com pequenas modificações. Os escreventes tiveram então exemplos calígrafos aos quais podiam recorrer e o ensino dispunha de bons manuais.

Apesar do ensino sistemático e dos exemplos caligráficos, nem todos aderiram extremamente à formação caligráfica. Havia pessoas que aprendiam a escrever sem haver tomado cursos especiais, isto é, sem passar por um aprendizado sistemático. Outras, embora o fizessem, degeneravam sua escrita pessoal, afastando-se dos preceitos caligráficos, devido a ser a caligrafia bastarda um tipo de escrita cursiva usada para uma grande variedade de manuscritos. Dessa forma, encontramos na mesma região e época, manuscritos de diversos aspectos – desde os altamente caligráficos até os extremamente descuidados. Isso dependia de muitos fatores: a perícia gráfica do aprendizado, a intenção com que se confeccionava o manuscrito, a importância do mesmo, o aspecto externo e sua composição interna etc…

Em geral, a escrita bastarda é muito mais clara e legível do que a processual ou a encadeada; não obstante, existem textos que apresentam sérias dificuldades e requerem estudo especial.” (Aurélio Tanodi, idem, p. 40.)

Introdução

Cada pessoa tem um método único de escrita. Esses vários métodos podem ser agrupados em estilos. Estilos variam de época para época, de país para país, e podem variar até mesmo de um tipo de documento para outro. Os estilos utilizados em séculos atrás podem variar tanto daqueles que usamos atualmente que se torna difícil lê-los. O estudo de estilos de escrita e a ciência da interpretação e da compreensão de documentos antigos é chamado de paleografia.

Dois grandes desafios envolvidos na leitura e na transcrição de caligrafia antiga são:

1) ser capaz de transcrever as letras e os números do documento original para um estilo com o qual você esteja mais familiarizado;

2) ser capaz de identificar as abreviaturas usadas no texto do registro.

Além desses dois desafios você deve ser capaz de (l) interpretar os sinais de pontuação usados; (2) separar ou unir palavras que não estejam separadas ou unidas no texto original; (3) ler e transcrever números; (4) identificar palavras que são escritas de maneira diferente da que seriam em português moderno; (5) identificar erros no texto original, e (6) determinar o significado de termos não familiares ou arcaicos.

Cada um desses desafios será abordado nesta apostila.

A intenção desta apostila é a de servir como introdução à paleografia portuguesa. Estude o material por completo e ele o capacitará a começar a pesquisa genealógica; de outra forma, será difícil ler os registros. Se você tiver interesse ou necessidade de tornar-se mais experiente na sua habilidade em ler registros antigos, há uma bibliografia anotada no final desta apostila. Você deve usá-la para continuar seus estudos. Há, entretanto, apenas uma maneira de tornar-se perito em ler e transcrever documentos portugueses antigos, e é através da prática. Estão incluídos nesta apostila textos para praticar. Use-os, e quando você os tiver dominado, pratique usando outros textos originais. Se você persistir, logo será capaz de ler qualquer documento português antigo.

Notas Históricas

A Língua Portuguesa é uma Língua Latina

Os estilos de escrita encontrados em Portugal e no Brasil têm sua origem no alfabeto romano. Os romanos ocuparam a península ibérica (Espanha e Portugal) aproximadamente do século III A.C. até a queda do Império Romano o século V DC. É claro que outros grupos, além dos romanos, contribuíram para a formação da língua portuguesa. Originalmente a península ibérica foi habitada por um grupo de pessoas conhecidas como Celta-Ibéricos. Esse povo foi conquistado pelos romanos. Depois dos romanos vieram as tribos germânicas e depois os mouros, os quais deixaram evidência de seus costumes, não apenas na linguagem, mas também na cultura dos Ibéricos. Todavia, a despeito dessa influência, a língua portuguesa permaneceu sendo uma língua latina, e é principalmente aos romanos que ela deve sua origem.

Existem Poucos Registros de Valor Genealógico Datados de Antes de 1500

Lá pelo século XII os portugueses declararam seu país reino e lá pelo século XIII eles expulsaram os mouros e estenderam suas fronteiras até sua atual localização.

Registros têm sido conservados desde a formação do reino de Portugal. Entretanto, umas poucas evidências restaram daquele remoto período. Foi a partir do século XVI que os padres paroquiais da igreja católica foram solicitados a começar a registrar batismos, casamentos e falecimentos. Esses decididamente são os registros genealógicos mais valiosos em Portugal e no Brasil. Durante o século XVI outros tipos de registros de valor genealógico também começaram a proliferar. Por essa razão esa apostila não só tratará dos estilos de escrita usados antes de 1500, como também dos estilos pós-1500 encontrados em registros de valor genealógico. Para uma descrição completa deles consulte “Registros de Valor Genealógico em Portugal” e “Registros de Valor Genealógico no Brasil” ambos publicados pelo Departamento Genealógico.

Tradicionalmente, a Escrita Foi Classificada em Estilos

Desde que a paleografia é considerada uma ciência, métodos individuais de escrita têm sido agrupados em estilos. Algumas vezes é conveniente fazer isso e dar nomes a esses estilos. Eles incluem, entre outros, a caligrafia carolínea, a gótica, a cortesa, a secretária, a secretária encadeada e a itálica. Se você está para se tornar um perito na leitura de registros de todos os períodos, será necessário um conhecimento de cada um desses estilos. Todavia, assim como com muitas disciplinas, a categorização pode ser perigosa. Automaticamente surgem perguntas do tipo “se certos estilos pertencem a um grupo ou a outro ou a algum entre eles”.

Como Eduardo Nunes explica: “A classificação das letras é um rito sagrado, mas do qual, atualmente, todos os paleógrafos desejariam poder furtar-se; … porque, tanto a terminologia (base da classificação) como a própria metodologia (postulado da terminologia) se encontram em plena crise da refundição.” (Nunes, Eduardo – álbum de Paleografia Portuguesa, Vol. 1, Lisboa, Portugal: Instituto de Alta Cultura, Universidade de Lisboa, 1969, p. 11.)

Por ser esse o caso, e como a maioria dos registros de valor genealógico no Brasil e em Portugal surgem apenas a partir de 1550 (quando um ou dois estilos predominaram sobre os outros), esta apostila não procurará identificar o estilo usado em cada documento. Ao invés disso, você estudará as técnicas e os métodos usados necessários para se tornar familiarizado com qualquer estilo. Depois, utilizando-se dessas técnicas, poderá adquirir as habilidades básicas necessárias para ler e transcrever a maioria dos registros usados na pesquisa genealógica portuguesa.

O Alfabeto

O Alfabeto Permaneceu Virtualmente Inalterado

Originalmente o alfabeto romano era constituído de 21 letras: A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V e X. Aproximadamente em 50 AC foram adicionadas as letras Y e Z. Desde aquela época tem havido muitas mudanças nas línguas latinas e na maneira de escrevê-las, mas o alfabeto, com poucas exceções, permaneceu inalterado. Por essa razão, uma vez que você tenha aprendido as características únicas de qualquer estilo de escrita e supondo que você esteja familiarizado com o vocabulário e com a gramática usados na época da escrita, você deverá ser capaz de ler qualquer documento escrito naquele estilo, com um esforço levemente maior do que levaria para ler os estilos de escrita de hoje.

É claro que você ainda assim terá que lidar com má grafia, tinta borrada e falta de informação. A chave, porém, é ser capaz de reconhecer as características do estilo usadas pela pessoa que escreveu o documento.

Quase todos os exemplos seguintes de letras foram tirados diretamente dos exemplos de textos usados nesta apostila. Houve, é claro, muitos outros estilos pessoais usados por milhares de escribas através do curso de quatro ou cinco séculos. Aprender todos levaria uma vida inteira. Esses exemplos devem ajudar a dar uma idéia de algumas das muitas variações. Estude-os cuidadosamente e recorra a esta seção frequentemente enquanto você pratica o restante da apostila. À medida que você continuar seu estudo de paleografia ou quando você começar sua pesquisa em registros originais, será bom adicionar a essa lista amostras de letras que provaram ser especialmente difíceis para você. Dessa maneira você estará compilando seu estoque particular de letras, ao qual desejará recorrer.

Você também poderá vir a desejar praticar a escrita de algumas das letras que são difíceis para você transcrever. Isso pode ser feito numa folha de papel separada. Essa também é uma boa idéia quando se encontra uma combinação de letras que lhe seja nova ou estranha. Escrevendo as letras você entenderá melhor o estilo do escriba e se recordará dele por mais tempo.

A – H
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H – O
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O – Z
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Heráldica

Texto publicado em 17/02/2001 por
Sandra Wienke Tavares e equipe da Heráldica Pelotense.

Introdução
O seu nome e a Heráldica

Na Europa da Idade Média, no calor das batalhas, viver ou morrer dependia de saber distinguir o amigo do inimigo. Essa era uma tarefa difícil, com os cavaleiros cobertos por armaduras.

Assim, cada combatente costumava decorar seu escudo e sua túnica com um distintivo único, que o diferenciava dos demais. Surge então a heráldica, nome proveniente do inglês “heralds”, que eram os homens encarregados pelos reis para desenhar os brasões.

Arte que nasceu para atender a nobres e cavaleiros, expandiu-se com o surgimento dos reinos e cidades, onde cidadãos importantes recebiam a sua cota de armas.

Praticamente todas as famílias de origem européia tem o seu brasão registrado nos antigos livros de armas.

Este trabalho de pesquisa é oferecido pela Heráldica Pelotense, trazendo ao portador do brasão um sentimento de identidade e contexto na história.

Capítulo I
A concessão das Armas

Brasão e armas são termos heráldicos de igual valor e significam o conjunto de insígnias hereditárias, compostas de figuras e atributos determinados, concedidos por príncipes e reis em recompensa por serviços relevantes. Podem ainda indicar marca ou distintivo de linhagem premiada.

A idéia de usar símbolos é muito primitiva e na sua origem foi hieróglifa. Os primeiros que se tem conhecimento eram religiosos e indicativos de profissão, geralmente gravados no túmulo.

A origem do uso de símbolos heráldicos remonta à Idade Média, quando das Cruzadas. Para distinguirem-se dos outros exércitos e até mesmo para facilitar a contagem dos mortos em batalha, os escudos eram pintados de certa cor ou com determinado símbolo. Ao retornarem dos confrontos ou de outro país, muitas vezes estes escudos eram enriquecidos com novos símbolos e cores.

Os símbolos como sinais de honra e nobreza, que passavam de pais para filhos, começaram a ser empregados nas armarias no final do século X, tendo sido regularizado o seu uso e aperfeiçoadas suas regras nos três séculos seguintes. Mas as regras precisas da confecção dos brasões e os termos próprios da heráldica somente foram estabelecidas ao final do século XV. Seu apogeu na Idade Média deve-se ao apogeu da cavalaria, do romantismo na arte e da exaltação da família e da nobreza.

Posteriormente os símbolos e cores foram usados em torneios da cavalaria, evoluindo para o conjunto de símbolos e cores concedidos por autoridades reais como recompensa por serviços prestados ou por feitos heróicos. Os símbolos podiam ser transmitidos aos filhos e herdeiros, estabelecendo-se assim as linhagens. Com isto, nesta etapa da história da heráldica formou-se um corpo de nobreza com escudo de armas ou brasões, que raras vezes representavam feitos de guerras ou conquistas, mas sim o procedimento de antepassados mais ou menos diretos e algumas vezes indiretíssimos.

Quase ao mesmo tempo foram criadas as armas de ordens militares, religiosas, da classe política e judicial. Ao final das concessões, os brasões eram quase que exclusivamente outorgados a ocupantes de cargos políticos, pertencentes ao pequeno círculo da corte.

No Brasil a heráldica nasceu durante o Império Brasileiro e o uso dos títulos extinguia-se com a morte do titular. Os brasões eram concedidos a grandes fazendeiros, políticos e outros que, de uma forma ou de outra, prestavam apoio ou préstimos à Coroa.

Capítulo II
Os Metais e os Esmaltes

Na representação dos brasões de armas são utilizados apenas dois tipos de metais, o ouro e a prata, e cinco tipos de esmaltes, a saber: vermelho, azul, verde, púrpura e negro, conforme mostrado na figura abaixo. Os desenhos que representam o corpo humano ou suas partes podem ser usados na sua cor natural, também conhecida como “carnação”. O termo esmalte tem origem nas palavras “hasmal” (hebraico) e “esmaltium” (latim) que referem-se ao preparo de um verniz vítreo com grande aderência, que era usado para proteger os metais da oxidação.

Metais e esmaltes heráldicos
Metais e esmlates utilizados na heráldica.

O ouro pode receber outros nomes, em determinadas circustâncias: nos escudos dos reis passa a ser chamado de sol; nos brasões da nobreza em geral é chamado de topázio. Aqueles que tem este metal no seu escudo estavam obrigados, na idade média, a fazer bem aos pobres e a defender seus senhores, lutando por eles até o final das suas forças.

O metal prata, quando presente nas armas dos soberanos, recebe o nome de lua. A prata está associada com a inocência e pureza, e aqueles que a tinham em seu brasão estavam obrigados a defender as donzelas e a amparar os órfãos.

O vermelho é conhecido também como goles ou gules, recebendo este nome nas armarias da nobreza geral. Quando presente nos escudos dos príncipes, passa a ser chamado de marte, enquanto nos brasões dos nobres titulados é chamado de rubi. Este esmalte é associado com o valor e a intrepidez, e obrigava os seus portadores a socorrer os injustiçados e oprimidos.

O azul chama-se júpiter quando aplicado às armas reais, safira nas armas dos nobres titulados ou simplesmente azul nos escudos da nobreza em geral. Este esmalte significa nobreza, majestade, serenidade, e os seus portadores estavam obrigados a fomentar a agricultura e também a socorrer os servidores despedidos injustamente ou que se encontrassem sem remuneração.

O esmalte verde é conhecido na heráldica como sinople, quando aplicado às armas da nobreza em geral. Para os príncipes e reis passa a ser chamado de vênus, enquanto para a nobreza titulada é referenciado como esmeralda. Um brasão que continha este esmalte obrigava o seu portador a socorrer os lavradores em geral, assim como aos órfãos e pobres oprimidos.

A púrpura significa dignidade, poder e soberania, e aqueles que a usavam em sua cota de armas deveriam proteger os eclesiásticos e religiosos.

Finalmente, o esmalte preto é também chamado de sable nas armarias em geral, mudando o seu nome para saturno nas armas reais e para diamante nas armas da nobreza titulada. O sable está associado a ciência, a modéstia e a aflição, e aqueles que apresentavam este esmalte em seus brasões estavam obrigados a socorrer as viúvas, os órfãos e todas as pessoas dedicadas às letras.

Capítulo III
Os Heraldos e os Reis de Armas

O termo heráldica deriva dos originais heraldo ou arauto. A palavra heraldo vem, segundo alguns autores, do alemão antigo her, heer ou hold, que quer dizer devotado, e segundo outros vem da raiz har da palavra alemã haren, que significa gritar ou chamar.

Os heraldos tinham a missão de anunciar publicamente os nomes dos concorrentes em torneios, levar declarações de guerra ou propostas de paz, contar e anunciar o número de mortos em batalhas.

Na idade média os heraldos eram oficiais de guerra e cerimônias, conservando-se esta atividade até o tempo de Carlos Magno. Pela sua importância social e política, o termo heraldo foi substituído pela designação Rei de Armas, e estes eram sempre escolhidos entre os heraldos mais antigos.

As incumbências dos Reis de Armas eram de zelar por brasões e títulos de nobreza, enfrentando usurpadores de títulos e armarias, publicar datas de celebração das festas e torneios entre as Ordens de Cavalaria, proclamar casamentos, dirigir solenidades e determinar colocação de insígnias e legendas nos túmulos dos príncipes.

O Rei Carlos VIII foi quem criou o ofício de Mestre de Armas, figura que tinha função oficial de regulamentar, no seu reino, o uso de brasões. Nas pompas fúnebres os Mestres de Armas trajavam-se com grande luxo, levando sempre em suas mãos um bastão de nogueira que simbolizava a importância do seu cargo.

Capítulo IV
Principais Figuras Heráldicas

Parte A – O Elmo

Na heráldica, o elmo ou casco do brasão pode apresentar-se em diversas posições e formatos. De acordo com a sua posição pode-se inferir algum informação sobre o seu portador. Por exemplo, um elmo perfilado para o lado esquerdo significa bastardia.

O elmo dos imperadores e reis apresenta-se de frente, com a viseira aberta, sem grades ou então com onze grades no sentido vertical (figura abaixo). Este formato é muito comum na heráldica francesa. Nesta classe de elmos, os mesmo devem ser representados no metal (cor) ouro. Os príncipes herdeiros, descendentes de imperadores ou reis, apresentam seus elmos semi-abertos e no metal prata. Os altos dignatários, como os duques, usam o elmo também em prata e com nove grades. Os elmos dos marqueses são muito semelhantes aos dos duques, exceto pelo número de grades, totalizando sete. Os condes e viscondes tem o elmo representado em prata bronzeada, sendo que na França os elmos desta categoria são de aço, perfilados, e apresentam apenas três grades.

Elmo Real
Representação de um elmo de rei ou imperador.

Na heráldica portuguesa o elmo é geralmente de prata, guarnecido de ouro e com o estofo da mesma cor do campo. Se este for de ouro ou de prata o estofo deve ser amarelo ou branco, respectivamente.

Quanto à situação do elmo sobre o escudo é interessante observar que, se o indivíduo for fidalgo há pelo menos quatro gerações, o elmo deve ser representado olhando para a direita e com a viseira levantada (aberta). Para os nobres até três gerações o elmo também deve ser representado olhando para a direita, mas a viseira deve ser representada fechada.

Parte B – O Leão

O leão é uma das figuras mais empregadas na heráldica, sendo encontrado nos brasões de inúmeras famílias e nas armas de diversos países.

Em medalhística podem ser encontradas ordens tendo o leão como tema e motivação: Ordem do Leão de Zaehring, de 1812; Ordem do Leão de Ouro, organizada em 1079 por Frederico II; Ordem do Leão e do Sol, da Pérsia, fundada em 1808; Ordem do Leão Neerlandês, de 1815, organizada por Guilherme I, entre outras.

As diversas posições com que se apresenta o leão são mostradas na figura seguinte.


Algumas posições usuais na representação heráldica do leão.

No campo do brasão podem aparecer um ou mais leões, sendo que o número total não pode ser superior a dezesseis.

Nos brasões infamados, assim classificados pela prática condenável do seu dono, caso exista a figura de um leão, este é representado desprovido de cauda e dentes.

Às vezes o leão aparece composto com outros animais, como a águia. Neste caso, passa a chamar-se Grifo. Esta peça, com a parte superior de águia e corpo de leão, é encontrada nos brasões de muitas famílias, como por exemplo dos Bachasson, Dauyat e Doriac.


Brasão de armas destacando-se a figura do grifo.

A presença do leão no brasão de armas insinua força, grandeza, coragem, nobreza de condição. Também caracteriza domínio e proteção, condições que deve ter um superior sobre aqueles que domina.

Nos brasões portugueses e espanhóis o leão representa, em muitos casos, aliança com a casa real de Leão (Espanha) ou concessão por ela outorgada.

Parte C – Outros Animais Quadrúpedes

O leopardo apresenta-se nos brasões da maneira chamada “passante”, com a pata dianteira erguida. A pantera também é representada passante, o tigre correndo, o urso pode ser rompante (em posição de combate), passante ou levantado. O lobo é representado andante, com a pata dianteira levantada. É muito frequente na armaria vasco-navarra, já que é insígnia da batalha de Arnigorriaga.

O cavalo é representado marchando, o touro e a vaca parados ou andantes, e o javali andante e de perfil. O coelho e a lebre podem aparecer passantes, correndo, deitados ou como presa.


Alguns animais quadrúpedes utilizados na heráldica.

Parte D – O Castelo

Os castelos tiveram uma importância muito grande nos tempos medievais, pois eram poderosos baluartes de defesa e residência de imperadores e reis. No seu interior reuniam-se os exércitos, camponeses e vassalos, além dos rebanhos e toda produção da terra, que ficava a salvo da cobiça dos inimigos. Esses castelos tinham meios próprios de subsistência, visto que muitas vezes eram assediados e cercados por longo tempo.

A figura do castelo, por tais condições e por seu simbolismo, é muito empregada na heráldica, obedecendo a determinados critérios para seu desenho. Uma regra geral, nem sempre observada na prática, estabelece a composição entre metais e esmaltes: se o castelo for desenhado com um esmalte (cor), as suas portas devem ser de metal; quando o castelo é desenhado em ouro, as aberturas (portas e janelas) deverão ser representadas em vermelho; se o castelo for de prata, as aberturas devem ser representadas em preto.

O castelo não deve ser confundido com a torre. O seu desenho deve apresentar-se rigorosamente em um só bloco, com uma porta e duas janelas, o todo sobreposto por três torres, geralmente com a do meio maior que as das laterais.

A presença do castelo em um brasão de armas significa que o seu portador participou com destaque em tomadas de assalto, ou despojos conquistados. Quando representado de portas abertas indica sucesso na defesa ou tomada.


Alguns exemplos de castelo em brasões de armas.

Tanto nos brasões portugueses quanto nos espanhóis o castelo representa, muitas vezes, aliança com a casa real de Castela. Nos brasões portugueses concedidos na segunda dinastia, os castelos são alusivos a feitos de armas praticados no ataque ou defesa de praças de guerra do norte da África e outras conquistas. Os castelos sobre ondas representam feitos ligados a praças marítimas.

Finalmente, se o castelo for representado em prata sobre um campo de azul, pode-se afirmar que o seu possuidor era pessoa de grande virtude.

Parte E – A Torre

A torre tem seu desenho próprio, não devendo ser confundida com um castelo. A palavra provém do latim “turre”, é uma peça que se apresenta isolada e, conforme o seu desenho, tem sua significação. A torre é parte de destaque do castelo e geralmente é representada com uma porta e duas janelas. A torre mais alta ou de maior proeminência do castelo é chamada de torre de homenagem; quando aparece com três torres sobrepostas se diz donjonada; quando podem ser notadas as janelas, esclarecida; quando aparece o teto, coberta; quando tem a porta com grade e pontas na parte inferior, é gradeada; quando a torre vem com chamas nas janelas e sobre as ameias ou seteiras se diz ardente. A torre apresenta o seu corpo na forma arredondada. Já o torreão constitui uma derivação da torre original, pois a forma do seu corpo é quadrada ou retangular, com uma porta e quatro ameias.


A torre, o torreão e o torreão ardente.

Parte F – A Flor-de-lis

Na heráldica a figura da flor-de-lis tem muita importância, não só porque simboliza e fixa características ligadas à família, pessoas, locais, como por ser uma peça constantemente encontrada nos brasões franceses, isto por ter sido este o símbolo da sua monarquia.

A flor-de-lis é símbolo de poder e soberania, assim como de pureza de corpo e alma, candura e felicidade.

A origem do símbolo é muito controvertida e o que se sabe é que seu surgimento não data de pouco tempo. Sabe-se que foi usada nas armas da França em 496, na vitória de Tolbiacum (Zulpich), onde os francos de Clodoveu, derrotaram os alemães e coroaram-se de lírios. Seu desenho era colocado no manto de reis já na época pré-cruzada, na indumentária de luxo dos reis de armas, nos pavilhões, nas bandeiras e, ainda hoje, em vários brasões de municípios franceses.

Garcia IV, rei de Navarra, que viveu pelo ano de 1048, passou a adotar o desenho como símbolo de seu reinado, após ter visto uma imagem de Nossa Senhora desenhada no fundo de um lírio e logo após ter se curado de uma grave enfermidade.

No ano de 1125, a bandeira da França apresentava o seu campo semeado de flores-de-lis, o mesmo acontecendo com o seu brasão de armas até o reinado de Carlos V (1364), quando estas passaram a ser apenas em número de três. Este rei adotou oficialmente o símbolo como emblema, para honrar a Santíssima Trindade.

Outros historiadores relatam que antes disso o símbolo começou a ser utilizado no reinado de Luiz VII, o Jovem (1147), e como emblema da cidade de Florença. Além disto, aparece em numerosos brasões desde o século XII. Quanto a esse rei, foi ele o primeiro dos reis da França a servir-se desse desenho para selar suas cartas patentes, principalmente devido à alusão ao seu nome Luiz, que então se escrevia “Loys”. Os reis Felipe Augusto e S. Luiz, conservaram o lis como atributo real, o que seus descendentes perpetuaram.

Alguns heraldistas afirmam que a flor-de-lis teve sua origem na flor-de-lótus do Egito, outros que sua origem provem da alabarda ou lírio, um ferro de três pontas que se colocava, fincados, nos fossos ou covas para espetar quem neles caísse e também da flor do lírio ou da íris cuja semelhança é encontrada quando as analisamos de perfil. Ainda outra possível origem é aventada, a que seja uma cópia do desenho estampado em antigas moedas assírias e muçulmanas.

A flor-de-lis deve ser representada por desenhos padronizados, jamais feitos livremente. São brasonados ao natural, mas podem ter cor de um esmalte ou de um metal.


A flor-de-lis em várias representações.

Quando acontece de um brasão ser carregado de flores-de-lis, o que é comum em brasões franceses, se diz flordelizado e se a mesma aparecer cortada ou sem pé, então deve ser dita de “pé morto”; quando a representação vier acompanhada de dois botões ladeando uma pétala de maior tamanho, é denominada flor-de-lis florentina. Como timbre não é comum. Todavia aparece nos brasões de armas dos Macieira, Macoula e Maciel.

As flores-de-lis são muito frequentes nos brasões portugueses. Representam, em geral, uma concessão dos reis da França, principalmente quando assentam sobre campo azul, e só em casos raros, como o dos Nápoles e dos Lacerda, representam parentesco ou aliança com a Casa Real francesa.


Brasão dos Nápoles, contendo flores-de-lis por ligação com a Casa Real francesa.

Parte G – A Cruz

Na heráldica, a aplicação da cruz é muito ampla. Isto decorre principalmente da enorme quantidade de formatos que a ela são dados na confecção dos brasões. Além disto, há um vasto uso na heráldica religiosa, tumular e na confecção de condecorações, bandeiras e insígnias. A correta definição de cruz é a de uma figura formada por uma pala e uma faixa cruzadas, mas sem continuidade entre elas.

Um dos formatos mais primitivos da cruz foi usado pelos gregos e pelos egípcios há 5 mil anos e tinha a forma de um “T” encimado por um anel, símbolo de divindade, e que se chamava Cruz de Ankl.

A primeira vez que a cruz foi oficializada como símbolo, neste caso de fé, aconteceu no reinado de Constantino. Isto ocorreu devido ao imperador ter sido, surpreendentemente, vencedor da batalha contra Mexêncio. Daí por diante, na vanguarda do exército constantino, sempre era conduzido um estandarte composto por uma cruz com a legenda “IN HOC SIGNO VINCES” (com este sinal vencerás). O uso da cruz como elemento de brasão de armas nasceu com as cruzadas. As grandes ordens de Cavalaria como São João, dos Templários, de Calatrava, de Malta e outras escolheram a cruz como seu símbolo. Os duques de Saboya trazem em seu escudo uma cruz branca como lembrança de terem socorrido a Rhodes contra os turcos. Muitas famílias da nobreza européia trazem a cruz em seus escudos, como lembrança de terem tomado parte nas cruzadas. Os contingentes das cruzadas de diferentes países distinguiam-se no uso da cruz: os escoceses usavam a Cruz de Santo André; os ingleses, uma cruz de ouro; os alemães, de negro; os italianos, de azul; e os espanhóis de vermelho. Eduardo III da Inglaterra, reinvindicando a Coroa da França, adotou a cruz vermelha para seu exército em 1335 e a França, para evitar confusão, ficou com o branco. Enfim, ainda hoje a Cruz Vermelha de São Jorge caracteriza a Inglaterra, assim como, depois de outra mudança, a cruz branca caracteriza a Itália. Portugal ficou caracterizado pela cruz azul que o conde de São Henrique trouxe para a Terra Santa.

Na heráldica portuguesa, desde 1459, encontra-se a cruz em muitos brasões. Quanto a heráldica brasileira, muitas famílias apresentam a cruz sob várias formas. Entre os barões, encontra-se, por exemplo, a cruz nos sobrenomes Abadia, Alegrete, Catumbi, Guarulhos e Saquarema, entre outros.


Exemplos de brasões de armas contendo cruzes.

Parte H – As Figuras Quiméricas

As chamadas figuras quiméricas surgiram da imaginação dos poetas e cantadores da idade média, provavelmente inspirados pela mitologia fantástica da antiguidade. O uso dessas figuras na heráldica é muito antigo e frequente, aparecendo nos brasões de família pelo simbolismo que podem representar. Existem muitas figuras quiméricas, sendo relacionadas abaixo algumas das principais, na descrição de Silveira (1972).

Grifo – figura com cabeça e garra de leão, asas de águia, orelha de cavalo, com barbatanas ao invés de crinas.

Licórnio ou Unicórnio – animal quimérico que tem forma de cavalo, cauda em ponta e, no centro da testa, um chifre agudo, vindo daí seu nome. Esta figura é muito utilizada na heráldica, fazendo parte de cimeiras, ladeantes, nos escudos de armas e empregada como suportes do brasão.


Unicórnio (Licórnio) em brasão de armas.

Dragão – nome que vem do latim “dracone” e do grego “dracon”. Animal fantástico com garras, cauda de serpente terminada em arpão e cabeça de crocodilo. Este ser quimérico está ligado à figura de São Jorge, padroeiro da Inglaterra, sendo também consagrado à Minerva, deusa da caça e da sabedoria, e ao nome da Ordem Chinesa do Dragão.

Esfinge – é um animal com cabeça e busto de mulher, corpo de leão, asas de águia, que entre os egipcios representava o Sol. Essa figura foi difundida pela lenda de Édipo.

Hidra – figura quimérica, representada por uma serpente monstruosa com corpo de dragão alado, com sete cabeças. De acordo com a lenda, habitava os campos de Lerna, na Argólia. É evocada na lenda dos trabalhos de Hércules, que conseguiu matá-la abatendo as suas sete cabeças de uma só vez.

Centauro – monstro fabuloso, que tinha a parte superior do seu corpo de homem e o restante de cavalo. Sua lenda é registrada nos frisos do Partenon, na ilha grega de Creta, e conta o combate dos centauros nas bodas de Piritoo, rei dos Lápidos. Este, auxiliado por Teseu e Hércules, teria eliminado aqueles seres.

Hárpia – figura de um monstro com rosto e pescoço de mulher e o resto do corpo de um abutre, com unhas em forma de garras. Na heráldica é sempre apresentada de frente e com asas distendidas.

Sereia – outro ser fantástico, que tem a parte superior do corpo de mulher e o restante de um peixe. Conforme a lenda, ela costumava cantar para seduzir os pescadores e levá-los para o fundo do mar. É representada geralmente com um espelho na mão direita e um pente na esquerda.

Fênix – figura mitológica que habitava os confins do deserto da Arábia. Tinha possibilidade de viver muitas dezenas de anos e, quando se sentia morrer, fazia seu ninho com ervas e essências perfumadas, ficando ali aninhada, deixando o sol incendiar tudo. Porém, acontecia que sempre ressurgia das suas próprias cinzas.

Pégaso – é o cavalo alado, surgido, segundo a lenda, do sangue de Medusa, no momento em que Perseu lhe cortou a cabeça. Pégaso simboliza a inspiração e o gênio da poesia.

Quimera – monstro com o corpo de um leão, cabeça de cabra e cauda de dragão, soltando fogo pela boca.

Hipógrifo – cavalo alado, com meio corpo de grifo, tendo as patas dianteiras em garras.

Medusa – uma das Górgonas, que tinha lindos cabelos, mas como tivesse ofendido Minerva, a deusa da Sabedoria, teve os seus cabelos transformados em serpentes, sendo depois a sua cabeça decepada por Perseu.


Dragão e grifo batalhantes, no brasão de Pêro Cardoso (Portugal, 1580).

Capítulo V
A Nobreza

Utiliza-se este substantivo para denominar um conjunto de indivíduos que goza, em virtude de transmissão legal hereditária, de privilégios políticos e direitos superiores aos da maioria da população. O princípio de tudo está nas sociedades primitivas, quando os homens mais fortes e hábeis tornavam-se chefes de tribos ou clãs. Frequentemente havia um corpo de indivíduos que o apoiava e que adquiria prestígio em virtude do poder do chefe. Mais tarde essa casta especial transmitia aos seus descendentes os privilégios de que gozava. Em fase mais avançada da história, a riqueza ou a influência política muitas vezes permitia aos seus possessores ganhar o estado de nobreza. Nas nações da moderna Europa a nobreza teve origem na aristocracia feudal. A partir do século XI os nobres tomaram os nomes de seus domínios territoriais, de seus castelos ou de povoações sob seu domínio. Daí a partícula “de”, para os franceses e “von” para os povos germânicos. Em Portugal a monarquia liberal criou novos titulares e alargou muito as honras da nobreza, distinguindo-se não só militares e políticos como também escritores, artistas, diplomatas, comerciantes e banqueiros. Depois da proclamação da república, um decreto de 18 de outubro de 1910 aboliu os títulos nobiliárquicos, distinções e direitos de nobreza.

A aristocracia ou segunda nobreza é definida como a subinfeudação da grande nobreza. Nos séculos VIII a XI dividia-se em ricos-homens, infanções, cavaleiros e escudeiros.

Ricos-homens: os senhores mais poderosos, pois reuniam a fidalguia de nascimento, a autoridade e prestígio de cargos públicos mais elevados.

Infanções: nobres de raça, mas não revestidos de magistratura civil ou militar. A partir de meados do século XIV a palavra foi substituída pelo termo fidalgo.

Cavaleiro: todos que eram admitidos à confraria militar medieval da cavalaria e também homens livres que podiam custear por si cavalos e armas e ir à guerra, recebendo, por isso, certos privilégios.

Escudeiros: eram nobres ou não, que tinham por dever seguir, cada um, o seu cavaleiro, ajudando-o a vestir as armas e combatendo na retaguarda dele. A idade que se passava a escudeiro era a de 14 anos. Antes disso os mancebos nobres costumavam servir como pajens ou “donzéis” nos paços dos grandes senhores.

Capítulo VI
Títulos de Nobreza

A ordenação moderna dos títulos de nobreza é a seguinte:

Príncipe – do latim “princeps”, “principis” (primeiro). Filho primogênito do rei, chefe de um principado, filho ou membro de família real. É o título de nobreza mais elevado.

Duque – do latim “dux”, “ducis” (aquele que conduz).

Marquês – título intermediário entre o de Duque e o de Conde.

Conde – do latim “comes”, “comitis” (companheiro).

Visconde – do latim “vicecomes” (viceconde). Dado principalmente aos filhos caçulas dos condes e sua descendência.

Barão – homem, varão, pessoa poderosa pela posição ou riqueza.

Cavaleiro – do latim “caballarius” (escudeiro). Membro de Ordem de cavalaria.

Entre os títulos de nobreza figuram também as Grandezas de Espanha, títulos espanhóis concedidos a estrangeiros ilustres.

Título de Príncipe

O título de príncipe, em praticamente todos os países que tiveram ou têm monarquia, não é concedido, mas sim herdado dos pais Reais desde o nascimento. Na Espanha, por exemplo, o herdeiro da Coroa ostenta o título de Príncipe das Astúrias. Isto acontece desde o reinado de Don Juán I, que o concedeu a seu filho, o Infante Don Enrique (mais tarde Enrique III, 1379-1406). Os raros casos de concessão do título para um descendente não real espanhol foram suspensos e substituídos por títulos de duque e/ou conde. Na Espanha, o decreto de 4 de junho de 1948 restabeleceu a validade de títulos nobiliários.

Título de Duque

Um dos primeiros a se intitular Duque foi o Conde de Castilla, Fernán Gonzáles, em 1029, que se auto-apelidava Duque dos Castellanos. Mas os primeiros ducados considerados como títulos nobiliários e com caráter hereditário só se homologaram no reinado de Don Enrique II, que titulou Beltrán Duguesclin como Duque de Sória e de Molina, em 1370, e Don Fadrique de Castilla, seu filho, como Duque de Benavente. O primeiro ducado reverteu à Coroa por compra e o segundo por morte, na prisão do Infante Don Fadrique, por se ter colocado contra seu irmão, o rei Don Juan I de Castilla. Daquele tempo até o reinado de Felipe II houveram vinte fidalgos que ostentaram o título de Duque. Na Espanha este título era designado para o principal e mais importante fidalgo general do rei. Em Portugal era usado tão somente para os filhos do rei ou parentes mais próximos e, como no restante da Europa, teve maior uso no século XIV. Naquele país o titular gozava da mais alta autoridade e de mais extensa jurisdição. Suas funções incluíam o comando geral dos exércitos do país. Na Itália confiava-se aos Duques a administração militar e civil de cidades e províncias.

Título de Marquês

O Marquês é definido pelos escritos históricos como “senhor de alguma terra que está em comarca do reino”. Na Catalunha foram intitulados Marqueses os governadores da marca hispânica, costume seguido pelos Condes de Barcelona. O marquesado mais antigo remonta a Henrique II de Castela que, em 1336, concedeu o título a Don Alonso de Aragón, tio do rei Don Pedro de Aragón. Em Portugal, também o marquês era o governador das marcas fronteiriças.

Capítulo VII
Os Brasões da Sala de Sintra

O rei Dom Manoel I, o Venturoso (1495 a 1521), foi quem fez reunir pelo reino de Portugal todos os brasões, insígnias e letreiros, para acabar com o livre arbítrio no uso das armas e concessão de brasões. Com este material, transcrito e falado, planejou fazer um livro onde fossem pintados os brasões. Consta que existiram três livros de brasões, dos quais restaram apenas dois. O Livro Antigo dos Reis d’Armas, escrito por António Godinho, escrivão da Câmara Real, teria desaparecido quando um terremoto destruiu o Cartório da Nobreza. Restaram o Livro do Armeiro-Mor, datado de 15 de agosto de 1509, escrito por João Rodrigues, Rei de Armas de Portugal e o Livro da Torre do Tombo, escrito pelo Bacharel Antonio Rodrigues, também Rei de Armas de Portugal.

Após a conclusão da obra o rei mandou pintar o teto de um palacete, localizado no Paço de Sintra, com os brasões das 72 principais famílias lusas da época, ilustres em honra, história e bens. A execução ocorreu entre os anos de 1515 e 1540 e todos os brasões estão assentes no ventre de veados, sobre cujas cabeças repousa o timbre de cada família. No centro do teto da sala, que mede 14 por 13 metros, encontram-se as armas do rei, circundadas por seis brasões portugueses representando sua descendência masculina (os príncipes) e dois brasões em lisonja representando sua descendência feminina (as princesas).


Diagrama esquemático do teto da Sala de sintra, em Portugal. Ao centro, o brasão do rei, cercado pelos brasões de sua descendência masculina e feminina. No entorno, os brasões das 72 famílias ilustres à época (1515 a 1540).

Relação dos sobrenomes representados na Sala de Sintra
A – Armas do rei Dom Manuel
B – Infante Dom Yoam
C – Infante Dom Luis
D – Infante Dom Fernando
E – Infante Dom Afonso
F – Infante Dom Enrique
G – Infante Dom Duarte
H – Infante Dona Isabel
I – Infante Dona Beatris
1 – Noronha
2 – Coutinho
3 – Castro
4 – Ataíde
5 – Eça
6 – Menezes
7 – Castro (outros)
8 – Cunha
9 – Sousa
10 – Pereira
11 – Vasconcellos
12 – Melo
13 – Silva
14 – Albuquerque
15 – Andrada
16 – Almeida
17 – Manoel
18 – Febos Monis
19 – Lima
20 – Távora
21 – Henriques
22 – Mendonça Furtado
23 – Albergaria
24 – Almada
25 – Azevedo
26 – Castelo-Branco
27 – Abreu
28 – Brito
29 – Moura
30 – Lobo
31 – Sá
32 – Corte-Real
33 – Lemos
34 – Ribeiro
35 – Cabral
36 – Miranda
37 – Tavares
38 – Mascarenhas
39 – Sampaio
40 – Malafaia
41 – Meira
42 – Aboim
43 – Carvalho
44 – Mota
45 – Costa
46 – Pessanha
47 – Pacheco
48 – Souto-Maior
49 – Lobato
50 – Teixeira
51 – Valente
52 – Serpa
53 – Gama
54 – Nogueira
55 – Betancour
56 – Goes
57 – Pestana
58 – Barreto
59 – Coelho
60 – Queirós
61 – Ferreira
62 – Siqueira
63 – Cerveira
64 – Pimentel
65 – Goio
66 – Arcas
67 – Pinto
68 – Gouvea
69 – Faria
70 – Vieira
71 – Aguiar
72 – Borges

Técnica de Leitura: nomes e abreviaturas em documentos dos séculos XVII e XVIII

Cobra Maria José & Rubem Queiroz
(Autores de Um comerciante do século XVIII)
COBRA.PAGES.nom.br – Internet, Brasília, 2001

Em nossas pesquisas para os livros sobre os Távora (em preparo) e os Cobra, utilizamos quase todos os tipos de documentos listados abaixo. O livro dos Segredos da Santa Casa de Misericórdia é de difícil acesso, mesmo tratando-se de volumes dos séculos passados:

Nomes. Repetiam-se grandemente os nomes, ocorriam também muitos casamentos na mesma família, inclusive tios com sobrinhas ou tias com sobrinhos. Torna-se importante qualquer dado que possa identificar a pessoa, e que acompanha o seu nome. Por esse motivo, na identidade de um indivíduo é importante levar em conta:

a) O nome da mulher. Mas aqui também não se pode confiar integralmente, pois era frequente casarem-se as pessoas duas vezes, devido ao alto índice de viuvez.

b) Tão importante ou talvez mais importante que a vinculação ao nome de uma mulher, é o nome do lugar onde o indivíduo vivia ou de onde ele era natural. Hoje, devido à facilidade de movimentação de indivíduos e famílias, esse dado parece irrelevante para identidade, e o pesquisador tende a não lhe dar a importância que tinha em épocas antigas.

Desde a antiguidade, o local de nascimento ou moradia da pessoa era com frequência agregado ao nome do indivíduo, para identificá-lo entre outros de mesmo nome. Assim, “Domingos Pereira, morador na Sobreda”, vale para toda a vida desse Domingos, uma vez que provavelmente viverá sempre naquela localidade e assim se distinguirá de muitos outros Domingos Pereira. Muitos nomes de lugares incorporaram-se assim ao nome de família dos indivíduos. Esse costume passa da idade média à idade moderna, e vai praticamente desaparecer na época contemporânea.

c) A crença de que alcunhas tenham se tornado nomes de família não parece corresponder à verdade. As alcunhas eram indicadas muito distintamente, e serviam como identificador quando havia muitos nomes iguais no mesmo lugar. Pelo menos nos documentos das Igrejas da Vila de Almada, as alcunhas eram sempre indicadas com muita clareza e nao acompanhavam os nomes de filhos e netos. Assim Diogo da Costa, o Camílio, Antônio Vaz, o Bengala, etc.

Mudança de nomes. Abandono de um nome da linha paterna por um nome da linha materna pode ocorrer, ou alguma alteração por influência social mudar o sobrenome de todo um grupo. Uma família italiana que veio de Gênova para o Brasil e cujo sobrenome era Covre, teve, por descuido do funcionário que lhes emitiu documentos brasileiros, alterado para Cobra (Os Cobra de Piracicaba, S.P.).

Quando os judeus foram obrigados a adotar a religião católica, desapareceram os Isaac, Jacob, Judas, Salomão, Levi, Abeacar, Benefaçam, etc., e ficaram somente nomes e sobrenomes cristãos. Tomaram nomes vulgares, sem nada que os diferenciasse da maioria dos cristãos velhos, a não ser por vezes a manuntenção de algum sobrenome antigo judaico pelo qual o individuo era vulgarmente conhecido. Assim aconteceu com Jorge Fernandes Bixorda, Afonso Lopes Sapaio, Henrique Fernandes Abravanel, Duarte Fernandes Palaçano, Duarte Rodrigues Zaboca, etc.

Daí que é falsa a idéia de que os cristãos novos usavam nomes de árvores como Nogueira, Pereira, Pinheiro Carvalho, etc., para distinguir-se. Estes já eram sobrenomes existentes e pertencentes a própria nobreza de épocas anteriores.

Abreviaturas. A leitura da documentação antiga é tarefa um tanto dificil para o iniciante, mas que, após algum esforço, vai se tornando cada vez mais fácil. Existem umas poucas regras que facilitam muito a leitura dos documentos mais difíceis. É imprescindível também conhecer de antemão as formas de abreviatura comuns em cada época. São abreviados não somente palavras nos textos do documento como também os nomes das pessoas. Existem livros inteiramente dedicados a este problema.

Alguns nomes e sobrenomes passaram a existir a partir de abreviaturas como por exemplo “Roiz”, abreviatura de Rodrigues; Brites, abreviatura de Beatriz; Alves, provável abreviatura de Alvarez, etc.

Os sobrenomes eram frequentemente escritos com a inicial minúscula: oliveira, pereira, etc.

Aqui vão alguns exemplos de abreviaturas extraídas de documentos dos séculos XVII e XVIII:

7bro = setembro

8bro = outubro

Alz’ = Alvares

Ant.o = Antônio

Ant.o lopes das neves = Antônio Lopes das Neves.

Azd.o = Azevedo

C.na = Catarina

D.a = Dona

d.a V.a = dita Vila

d.o, d.a = dito, dita

D.os dias = Domingos Dias

D.os, D.as = Domingos, Domingas

D.tor = Douto

de prez.te = presentemente

delegc.as = diligências

delig.as = diligências

E. R. M.ce = espera receberá mercê

Evang.os = Evangelhos

f.o, f.a = filho, filha

feu.ro, feur.o, Feu.ro = fevereiro

Fon.ca = Fonseca

Fran.co, fran.co, Franc.o, Fr.co, fr.co; Fr.ca = Francisco, Francisca

freg.a ou fg.a = Freguesia

Frr.a, frr.a, Fer.a = Ferreira

Frz’, ou frz’ = Fernandes

Glz’ ou glz’ = Gonçalves

Im.o = Jerônimo

impedim.to– = impedimento

in facie ecctiae = in facie ecclesiae

Jan.ro, Janrr.o, Jan.r = janeiro

Jhs’., ihus’., Jhus. = Jesus

Joph. = Joseph ou José

l.o, ou legit.o, legit.a, legt.a, leg.ta, leg.ma = legítimo, legítima

M.a = Maria

M.a dias = Maria Dias

Mz = Munis ou Martins

M.el = Manuel

m.or, m.ora = morador, moradora

minha lç.a = minha licença

miz.a = Misericórdia

Mnz. = Martins

Montr.o, montr.o = Monteiro

Mrc.o = Março

N. Sr.a = Nossa Senhora

n.al = natural

n.al da V.a = natural da vila

Nascidos de hum ventre = filhos gêmeos

nessec.o = necessário

Nov.bro, 9bro = novembro

P. C. = passar carta

p.a = para

P.e = Padre

P.o = Pedro ou Pero

prez.tes = presentes

Prr.a,prr.a, Per.a = Pereira

q’ = que

q’ Ds’. guarde como des.o. = que Deus o guarde como desejo

ribr.o = Ribeiro

Roiz = Rodrigues

Ryo de Janr.o = Rio de Janeiro

S.er = Senhor

Sagr. Con. trid. e Const.oe(n)s deste Arc. = Sagrado Concílio Tridentino e Constituições deste Arcebispado

SMq’Ds’., SMDs’. = Sua Magestade que Deus guarde

Snra. = Senhora

Supp.te, supp.te = suplicante

Teix.ra, teix.ra, teixr.a = Teixeira

test.as ou t.as = testemunhas

V. Ill.ma e R.ma = Vossa Ilustríssima e Reverendíssima

V.a = Vila

VM, Vm.ce = Você, o Senhor, a Senhora

X.er = Xavier

A melhor fonte para socorro do leitor de documentos da nossa história colonial talvez seja ainda o Elucidário das Palavras e Termos e Frases que em Portugal Antigamente se Usaram e que Hoje Regularmente se Ignoram: Obra Indispensável para Entender sem Erro os Documentos Mais Raros e Preciosos que Entre Nós se Conservam. Esta obra de tão extenso título, de autoria do frade franciscano Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, veio a público em Portugal em 1798 e 1799, mas foi reeditada, sendo de 1962 a “edição crítica”, por Mário Fiuza (Livraria Civilização Porto-Lisboa) a mais facilmente encontrável. Existe um exemplar na Biblioteca Central da UnB.

  • Cappeli, Adriano – Lexicon Abbreviaturarum. 1912.
  • Bacellar, Bernardo de Lima e Melo – Dicionário. 1782.
  • Bluteau, Raphael – Vocabulário. 1727.
  • Câmara, Paulo Perestello da – Dicionário. 1850.
  • Mascarenhas, Joaquim Augusto d’Oliveira- Novíssimo Dicionário Archeológico Histórico.

 
Procedimento para leitura de textos antigos:

Por mais difícil que seja a leitura de um texto antigo, ela não é impossível, se restam palavras legíveis o bastante para se chegar à construção de frases, e se são utilizadas certas técnicas para a leitura das interpretação das palavras pouco legíveis dos trechos danificados.

1. Transcrever as palavras facilmente reconhecíveis.

2. Desenhar as letras como o copista as escreve, observando a inclinação que ele dá, como fecha as letras redondas, como prolonga a haste das consoantes como d, t, h, etc.

3. Aplique o desenho de cada letra nas palavras parcialmente legíveis procurando completá-las.

4. O sentido que se pode dar à frase é também um recurso para desvendar um texto pouco legível, porém é traiçoeiro.

5. Busque auxílio no jargão próprio, por exemplo, jargão cartorial, lendo um documento da mesma época (outros documentos constantes do mesmo códice ou processo, ou se isto não for possível, procurando um documento do mesmo tipo, da época mais próxima que conseguir. Geralmente o jargão permanece através dos séculos. Por exemplo: E. R. M. = Espera Receberá Mercê.

6. Nunca procure completar uma palavra alterando o original, mesmo que usando grafite. Para isso faça uma cópia xerox do documento, ou fotografia, se for possível, ou simplesmente o copie a mão, de modo que possa fazer os ensaios de interpretação das letras e textos sem danificar o documento.

7. A posição da luz pode dar uma ajuda extraordinária. Por isso é bom ter uma luminária móvel pequena, que possa ser colocada em várias posições sobre o documento para iluminação direta ou oblíqua, no ângulo que for mais favorável.

8. Outro equipamento indispensável é a lente. As lentes maiores e de menor poder de ampliação ajuda na visão mais ampla de um texto a ser interpretado. Porém a lente pequena e de mais poder é não menos útil quando se deseja examinar vestígios de volteios de uma letra, para identificá-la.