Veredas da Vida – III

O primeiro registro (de verdade)

Pois bem, lá estava eu, com meus recém completados dezoito anos de idade, sem nenhuma formação e já tendo me acostumado a ter minha própria grana. Ainda assim, desempregado.

Bicho inquieto que sempre fui, vivia aproveitando as horas vagas para preencher toda e qualquer ficha de emprego que me viesse às mãos. Por conta de uma dessas fui chamado para participar de uma dinâmica em grupo para uma vaga de trabalho que eu sequer sabia o que era. Como criatividade e cara de pau sempre me acompanharam, devo ter passado bem nesse teste, pois logo em seguida, em 2 de setembro de 87 eu começaria um outro “emprego formal”, como Caixa no Banco Nacional (Agência 0189) – aquele cujo prédio hoje já não existe mais e ficava bem ali na Praça Afonso Penna, do lado da Igreja de São Benedito. Foram quatro bons anos com muitos bons amigos e muitas boas farras e bebedeiras…


Alguém ainda lembra desse antigo prédio, ali à esquerda?…

Meu “posto oficial” era na Agência do Centro, mas volta e meia também trabalhava nos “Caixas Avançados”, que tinham postos dentro da Embraer (no F-107), Tectran (no final da Avenida Cassiano Ricardo), Avibrás (ali no Edifício Rui Dória, no Centro) e Mesbla (dentro do Centervale). Mas o divertido mesmo era sempre que íamos fazer o pagamento do pessoal do quinto turno da Tectran, lá pelas onze da noite, diretamente na linha de produção! Quando acabávamos, após liberar o carro-forte, todo aquele povo ia direto para a Pizzaria Augustos (sim, já existia naquela época) e de lá não saíamos tão cedo… Aliás, nos reuníamos sempre que possível – principalmente quando das corridas de Fórmula 1, pois o “garoto propaganda” do banco era ninguém menos que o próprio Ayrton Senna! Tínhamos um orgulho danado disso!


Sim, sim, eu era sindicalizado!

E foi também no banco que passamos dias de tensão quando, em 16 de março de 90, o safardana do Collor colocou em prática o chamado “Plano Brasil Novo” para tentar estabilizar a inflação através do congelamento e do confisco. Após três dias praticamente confinados na agência, quando abrimos a porta… Bem, deu no que deu.


A única foto que tenho dessa época – e ainda assim foi num curso, em Santos,
não necessariamente com o povo que trabalhava comigo…

No geral era um trabalho divertido, numa época em que ainda não haviam inventado o conceito de “fila única”, com dez caixas em linha e mais outro tanto de atendentes para atendimento no balcão. As autenticadoras eram antigas Burroughs, gigantescas máquinas eletromecânicas que invariavelmente martelavam os dedos dos incautos caixas que não posicionavam corretamente os documentos para autenticação…


Minha ferramenta de trabalho!

Naqueles tempos todos os cheques, independentemente do valor, eram encaminhados para a agência, por isso era necessário ter também uma “câmara de compensação”, ou seja, junte-se a esse povo os chefes, gerentes, secretárias e o escambau e tínhamos um verdadeiro batalhão para tocar o dia-a-dia do banco – bem diferente do conceito de “agências minimalistas” que temos nos dias de hoje… E foi justamente nessa época, no começo dos anos noventa, que teve início a informatização dos bancos, quando paulatinamente foram se transformando até chegarem no formato de hoje, onde todos tentam a todo custo lhe vender algum produto, quer você queira ou não.

Com o tempo acabei sendo promovido a Supervisor de Processamento Contábil (em 1º de outubro de 90) e invariavelmente era o primeiro sujeito que chegava na agência e o último a sair; sabia como funcionava absolutamente todos os setores – talvez mesmo até mais do que deveria. Tal era minha desenvoltura que já no finalzinho vinha frequentando alguns cursos específicos, preparatórios para futuros gerentes…


“Banco Nacional: o banco que está ao seu lado!”

E foi enquanto trabalhava no banco que finalmente, depois de tantos cursos inacabados, conclui o segundo grau, tendo me formado Técnico de Assistente de Administração em 89, pelo Colégio Comercial Olavo Bilac. De quebra aproveitei o ano de 90 e conclui o curso de Desenhista Técnico Mecânico, junto ao CDT, na ETEP.

E antes mesmo disso, em 16 de janeiro de 88, eu e Evanilda nos casamos…


Casados!

Mesmo com tudo isso, com um futuro aparentemente promissor pela frente, já com alguma formação, com bons amigos, casa própria, carro na garagem – nada disso adiantou quando chegou a hora. Que hora? A hora em que o banco decide reduzir gastos, fechar agências, cortar pessoal. A hora do corte. A hora do então chamado “facão”.

E foi justamente quando o facão passou.

E, em 7 de novembro de 91, lá estava eu, de novo, desempregado.

Já que nunca fui de ficar lamuriando pelos cantos, e como – ao menos naqueles tempos – bancos não contratavam ex-bancários, agarrei a primeira oportunidade que me apareceu pela frente. E nesse mesmo mês de novembro de 91 lá estava eu na Organização Contábil Liberdade, uma mistura de corretora de imóveis, contabilidade e advocacia, tudo no mesmo local. De quase gerente em um dos maiores bancos da cidade de volta ao salário mínimo, trabalhando como Assistente Administrativo – que é uma pomposa nomenclatura utilizada para denominar qualquer espécie de “faz-tudo” num ambiente de trabalho…

O bom é que o escritório ficava em Santana, bem pertinho de casa. E eu ficava na antessala do dr. José Ricardo, cuidando do lançamento de notas fiscais e manutenção do programa com que fazia esses lançamentos: um portentoso PC-XT, com um HD cuja memória atingia inigualáveis 10 Mb (sim, é isso mesmo!), que era a minha ferramenta de trabalho. Se eu sabia programar? Eu mal sabia como era um computador! Bem, mais ou menos. O negócio é que quem quer, aprende. E lá fui eu me embrenhar naquele mundo binário de códigos esquisitos, descobrindo o que era um Sistema Operacional (no caso, o MS-DOS 3.30), as ferramentas básicas de um escritório (planilhas no Lotus 1-2-3, bancos de dados no dBase III Plus, e editor de textos no WordStar) e começando a compilar meus primeiros programas no Clipper Summer 87. Fiquei lá até fevereiro de 92, pois já não tinha mais como conciliar dois empregos e, ainda, a faculdade.

Ah é, ainda não falei sobre isso, né?

Logo que saí do banco, percebendo a dificuldade do mercado de trabalho para aqueles que não tinham formação superior, decidi me inscrever em algum curso – ainda que naquele momento não tivesse nem ideia de como iria fazer para pagar se eu passasse! Eu e a Dona Patroa de então já havíamos passado no vestibular no ano anterior, em Mogi, mas nosso orçamento da época não comportava os dois na faculdade, de modo que ela começou o curso de Psicologia, mas eu próprio acabei não indo estudar no curso que tinha escohido daquela vez: Engenharia. Naquele final de 91, de volta à “rua da amargura”, cheguei à conclusão de que, como sempre tive facilidade em várias áreas, o ideal seria escolher algum curso que me desse liberdade o suficiente para não ter que sempre depender dos humores inconstantes de um mercado de trabalho volátil. E Direito parecia ser bom. Passei em 7º lugar.


E esta era minha Carteirinha de Estudante da Univap.

Como eu ia dizendo, não seria possível conciliar dois empregos mais a faculdade. Isso porque, sempre correndo atrás de alguma coisa, fui fazer um teste para uma vaga de Digitador no Jornal “O Valeparaibano”. Finalmente se mostrou realmente útil aquele curso de datilografia que eu havia feito nos idos de 81! Comecei a trabalhar às vésperas do Natal, em 23 de dezembro de 91, com uma jornada de seis horas, que ia das nove da noite até às três da madrugada! Invariavelmente voltávamos para casa de carona na Kombi que saía pouco antes do dia amanhecer para entregar os primeiros fardos de jornais nas bancas da cidade…

O interessante é que entrei na empresa exatamente após uma mega greve que abrangeu, dentre outros setores, as equipes de digitação e de revisão. O Supervisor de Digitação, chateado com o desfecho da greve, resolveu pedir demissão. E a diretoria do jornal não queria de jeito nenhum promover algum daqueles grevistas, de modo que sobrou pra quem? Exato. Eu mesmo.

Mal havia acabado os 90 dias de experiência e, em 1º de abril de 92, já fui promovido a Supervisor de Digitação… Na realidade eu já vinha fazendo esse serviço desde fevereiro, mas o departamento de pessoal não tinha como promover alguém durante o período de experiência. Ao menos foi o que me disseram e eu acreditei… Mantive os dois empregos (já que no escritório de contabilidade, pra variar, eu não era registrado) até o início das aulas na faculdade – quando então fiquei somente no jornal. Estudava de manhã, cochilava um pouco, trabalhava à noite, cochilava outro pouco e assim ia levando minha vidinha suburbana…

Contudo, antes mesmo de completar seis meses nesse trabalho, em 11 de junho de 92, pedi demissão do jornal.

No próximo episódio lhes contarei o porquê…

(Continua…)