Era uma vez uma perna…

Invariavelmente vocês já me ouviram aqui reclamando do meu joelho. Pra quem não sabe – ou não lembra – isso foi desde o acidente. Mas isso é só por conta de meu crônico e houseriano mau humor, pois tem gente neste mundo que, Pollyannas à parte, conseguem sempre ver o lado bom das coisas.

Ou seja, é isso mesmo, crianças: senta que lá vem história!

Essa minha amiga, Milena, tem um tio que tinha um problema na perna. Não me perguntem qual – não sei! A única coisa que sei é que essa perna sempre doía, o tempo todo. Aliás, que nem meu joelho. Mas, no meu caso, trata-se de uma dor constante mas suportável, diferente da dele, que incomodava e muito.

Ainda assim era um cara de um bom humor insuportável. Sabem aquela figura de tiozão legal que, invariavelmente, encontramos em toda família? Então. Ele era assim. Bom humor à toda prova. Aliás, mais até do que poderíamos imaginar, como vocês vão ver…

Pois bem. Com a perna sempre o incomodando e após passar por diversos médicos, segundas e terceiras opiniões, veio o inafastável diagnóstico: teria que amputá-la.

E lá foi ele para a cirurgia.

E, logo depois, tio querido que era, lá se foi também a Milena para visitá-lo. Ela e o maridão. Chegaram no quarto apreensivos, com cuidado e cheio de melindres, afinal – caramba! – ele teve uma perna amputada! Qual seria sua reação? Será que entraria em depressão? Como ele passaria a encarar o mundo a partir de então? Foi com essas preocupações na cabeça que, receosos, foram entrando…

– Oi tio…

– Oi! E aí, crianças? Tudo bem?

– Errr… Com a gente tá, sim… E o senhor, tá tudo bem?…

– Olha, filha, vou te falar uma coisa: se eu soubesse que esse negócio era desse jeito, minha decisão com certeza teria sido outra!

– Ai, tio! Como assim?

– Ora, se eu soubesse que ia parar de doer, já tinha cortado essa perna faz tempo!

– CUMÉQUIÉ???

– É sério! Pela primeira vez em muito tempo é que consigo estar relaxado. Você já deu uma topada com o mindinho numa perna de mesa? Sabe aquela dor excruciante que a gente sente na hora? Então. Agora imagina que essa dor NUNCA passasse. Era mais ou menos isso que eu sentia na minha perna. Agora que não tem mais perna, não tem mais dor. Olha que maravilha!

– Caramba, tio. A gente veio aqui esperando tudo, menos esse tipo de reação! Quer dizer, então, que está tudo bem?

– Olha, na verdade, na verdade não está não…

– Ué? Por quê?

– Tá vendo aquele camarada ali?

Foi então que notaram, no outro canto do quarto, mais uma cama. E, nela, um sujeito que fazia questão de se deitar de costas para eles, nitidamente não querendo participar de nada daquilo e, provavelmente, embalado num mau humor dele só.

– Ahn… Tá. Que é que tem ele, tio?

– Então. Vocês não vão acreditar na coincidência! Esse sujeito também teve um problema na perna e também teve que amputá-la. E até é por isso que estamos aqui no mesmo quarto. Só que ele não está nadica de nada conformado com isso, não! E eu fiquei ontem o dia inteiro tentando animá-lo e reconfortá-lo, sabem? Até que estava indo tudo mais ou menos bem, só que agora ele não quer mais falar comigo!

– Por que, tio? O que foi que você disse pra ele?

– Não foi nada demais, oras! Sabem o que acontece? É que a perna dele que foi amputada foi a direita, enquanto que, no meu caso, foi a esquerda.

– Tá, e daí?

– Daí que, conversa vai, conversa vem, eu descobri que a gente calça o mesmo número! Olha só que legal!

– Como assim “legal”, tio?

– Caramba, vocês não estão entendendo? Antes desse nó cego enfezar e ficar amuado, ali no canto, eu tinha feito a seguinte proposta pra ele: já que a gente calça o mesmo número poderíamos sair sempre juntos pra comprar sapatos, oras! A gente racharia a conta e cada um ficaria com um pé…
 
 

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