O que nos falta é magia

Antes de mais nada, não, não ando reprisando nenhum dos filmes do Harry Potter ou da série Once Upon a Time aqui em casa – se bem que a ideia não é nada má…

O que acontece é essa inevitável constatação de que, com o passar dos anos, vamos ficando cada vez mais céticos com relação a tudo e a todos. Em especial a todos. As obrigações profissionais vão se sobrepondo às familiares. As obrigações familiares vão se sobrepondo às do relacionamento. As obrigações do relacionamento vão se sobrepondo às pessoais. E, no fim, pergunto-lhes: sobra o quê?

Enquanto perco um considerável tempo aqui matutando – e com a cabeça em background já pensando quais são as minhas obrigações pendentes enquanto tento colocar pra fora um pouquinho desse sentimento – acabo percebendo que o problema é exatamente esse: um problema de tempo. O tempo, literalmente, a cada dia que passa, é matéria cada vez mais escassa na vida de cada um. Afastemos todas as outras variáveis possíveis que determinaram quem hoje nós somos e o que raio estamos fazendo aqui onde estamos e teremos que o tempo é a única variável absoluta com a qual não temos como negociar. Acontece por si só e tudo o mais é por nossa conta. Assumamos nossa parcela de responsabilidade no tocante a isso, ok?

E, nostálgico que sempre sou, olhando para trás vejo o quanto já desperdicei dessa preciosa matéria que se esvai, grão após grão, ampulheta abaixo. E também vejo que a cada punhado a menos de areia, um punhado a mais de ceticismo foi se empilhando em minh’alma. A cidade não é mais um mistério a ser explorado, mas sim uma equação a ser resolvida. O povo já não é mais uma fonte de curiosidades, mas sim uma população crítica e eternamente descontente. O céu já não é mais tão azul, as matas já não são mais tão verdes, sequer os rios possuem o mesmo frescor. Tudo isso se perdeu no outrora. E a vida ficou mais cinza e maçante.

Falta-me leveza para o dia a dia…

E o que me veio à mente nessa minha constante e incessante busca de um tiquinho de qualidade de vida foi a lembrança de um tempo perdido, num lugar que não existe mais com gente que, provavelmente, também já não. Namorava então com aquela que viria a ser minha esposa (e que também viria a deixar de sê-la) e numa noite quente ela propôs que fôssemos à casa de sua madrinha, para visitá-la. Logo imaginei a gente sentado em sofás de tecido estampado, numa salinha pequena e de janelas grandes, com mesinhas cheias de badulaques sobre toalhinhas de crochê, enquanto tomávamos chá com rosquinhas feitas em casa e sua idosa madrinha nos contava, tediosa e chorosamente, sobre o saudoso e finado marido.

Ou seja, o último programa na face da Terra que um adolescente fervilhando nos seus 17 anos de idade gostaria de fazer num sábado à noite, ainda mais acompanhado da formosidade que era sua namorada.

E é lógico que eu, desde então já sendo um idiota no que diz respeito a assuntos sentimentais, prontamente concordei.

Naquela época, nos idos da década de oitenta, quando o excesso de carros e a falta de mobilidade urbana ainda não eram os temas preferidos de dez entre dez cidadãos, restavam-nos os ônibus, as caronas e as longas caminhadas. Neste caso, a última.

Meu silêncio sepulcral no decorrer do caminho só era sobreposto para a sorridente carinha de lambeta que ela ostentava. Que raios aquilo queria dizer, afinal de contas?

E então chegamos.

E – surpresa das surpresas – nada mais distante da realidade que eu havia racionalizado na minha mente!

O primeiro choque foi conhecer a madrinha propriamente dita, já na porta da casa. Hoje calculo que, na época, ela deveria ter uns trinta e poucos anos. Uma mulher alta, linda, longos cabelos pretos, cheia de anéis, brincos e colares, usando uma psicodélica saia hippie que vinha até os pés.

O segundo choque foi a casa em si. Uma acolhedora casinha, já quase nos arredores do bairro, fantasticamente decorada com tudo o que se possa imaginar no que diz respeito a material hippie. Os caquinhos na parede do lado de fora, as cortinas para passar por entre os cômodos, os tapetes trançados, os móveis de bambu ou reciclados, os adornos pendurados, espalhados, afixados por todos os lados, enfim, tudo aquilo fazia um mosaico, ou melhor, um caleidoscópio de cores, imagens e sons simplesmente maravilhosos.

E, sim, eu disse sons. Porque do lado de fora, nos fundos, num amplo pátio protegido por uma frondosa árvore e com plantilhas e vasinhos espalhados para todos os cantos que se pudesse olhar, estava um grupo simplesmente fora de série! Em tamboretes e banquinhos improvisados faziam uma verdadeira roda de samba, tocando e cantando não só os grandes clássicos, de Adoniran a Chico Buarque, como ainda intercalando com músicas de sucesso da época, como Legião, Paralamas e por aí afora. E, temperando tudo isso, no meio do grupo, uma garrafa com uma deliciosa cachaça que aguardava sua vez de, por cada um, ser saboreada. Não rolava, como hoje, os (caros) excessos de cerveja, mas sim um módico bebericar de uma cachacinha enquanto se cantava, conversava, discutia e se resolviam os problemas do mundo…

E era isso. Simples assim. Não mais que de repente um véu se rasgou e fui apresentado a um mundo novo, uma dimensão paralela, que estava ali, presente, bem do meu lado. Naquele mesmo lugar conheci e reconheci muitas pessoas maravilhosas e, dentre elas, o Braz da Viola, figurinha pra lá de carimbada e ali mesmo combinamos que iríamos todos acampar no alto da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí. Mas isso já é uma outra história!

Enfim, perguntam-me vocês, onde afinal de contas eu quero chegar com esse causo?

Em lugar nenhum. É somente para demonstrar como a vida era mais fácil e intuitiva em tempos passados, quando a ampulheta ainda estava bem mais cheia. Nos dias de hoje, nestes dias em que nos circunda a horrenda figura do “politicamente correto”, nestes tempos em que, diuturnamente conectados no mundo virtual, nossas obrigações clamam cada vez mais por atenção, fazendo com que horas pareçam minutos, sinto falta dessa época em minha vida. Era meio que como surfar no dia a dia, passando por cima e à parte da sociedade, do tempo, de tudo, simplesmente aproveitando aquele momento, aquele tubo, aquela onda – que jamais voltaria a surgir, mas que trazia, então, o equilíbrio perfeito para nossas vidas. Para minha vida.

E é exatamente esse tipo de magia a que me refiro…

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