O Bar do Português

Neste admirável mundo novo em que vivemos, cheio de tralhas e traquitanas tecnológicas que nos obriga permite ficar sempre conectados à vida virtual, foi através de um SMS do amigo e copoanheiro sempre de plantão que recebi a notícia: “Português – sim, o bom e velho e chato Adolfo – foi atender noutros balcões…”

Nada chato (a não ser com quem o merecia), nem tão velho, mas sempre bom – e bem humorado – esse era o Português. Que, aliás, de “português” não tinha nada! Esse era o nome que o bar já tinha quando ele o comprou. Como ele não mudou esse nome e o povo começou a chamá-lo assim, a coisa foi ficando… E assim tocava o bar, invariavelmente com a ajuda de sua mulher, de seu filho e de sua filha. E já não me lembro mais como foi que fui parar pela primeira vez ali naquele boteco, no Largo Riachuelo, nem tampouco quando começou minha amizade com ela. Mas conversávamos, às vezes, por horas a fio! Sabem daquelas pessoas com quem o assunto nunca acaba? Pois é. Essa era a filha do Português. E naturalmente acabei criando um afeto por toda a família.

Foi ali, naquelas mesinhas e cadeiras de madeira espalhadas pela calçada, que cunhamos “o código”. Ainda no trabalho, advogados e cervejeiros de praxe, ao final do expediente perguntávamos um ao outro: “E aí? Ainda vai passar no escritório hoje?” – ao que se respondia que sim, pois teria que despachar pelo menos uns dois processos. Quem nos ouvia às vezes se admirava. Afinal, vejam só! Trabalharam o dia inteiro e ainda iriam pro escritório depois do serviço. Isso é que era determinação. Pois bem, na verdade “escritório” significava o boteco e “processos” era a quantidade de garrafas de cerveja…

Foi ali que, por mais de uma vez, se reuniram os grandes caciques políticos da cidade para prosear, contar causos e, lógico, resolver todos os problemas do mundo. Tudo regado a uma boa cerveja gelada na mesa, cuja garrafa jamais esvaziava sob o atento olhar do Português.

Foi ali que diversas vezes, com a Dona Patroa, levei meus filhotes para comer o “peixinho frito” que a mulher do Português preparava com zelo e carinho. Traíra sem espinhos? Ali era o melhor lugar, com a melhor porção e com o melhor tempero que se poderia encontrar. Juntávamos as mesas, distribuíamos a criançada e nos saciávamos com aquela delícia! E o casal sempre por perto, invariavelmente elogiando aqueles meninos que cresciam tão rápido!

Foi ali que já vi romances começarem e terminarem – e para todas as situações sempre havia alguma palavra de apoio ou de consolo do experiente dono de bar que a tudo prestava atenção.

Foi ali que de quando em sempre eu ia para tomar a sagrada cervejinha (e cachacinha) do pós expediente. Às vezes sozinho, às vezes com o copoanheiro, às vezes a tríade completa de Los Três Amigos – hoje para sempre incompleta. E, também, muitas vezes palavras eram desnecessárias. O que nos bastava era estar em território conhecido, onde sabíamos que éramos bem-vindos. E disso o Português fazia questão de deixar claro e evidente.

Foi ali que deixou de ser o bar do Português para ser apenas mais um boteco qualquer sem graça depois que o “seo” Adolfo vendeu o bar. Ainda que, mais uma vez, tenha mantido o mesmo nome, definitivamente não era mais a mesma coisa. Não era mais “do Português”. Perdeu o charme, perdeu o encanto, perdeu a familiaridade.

E perdemos o contato.

E não mais o vimos.

Até que tive essa notícia hoje de madrugada.

E o mundo, mais uma vez, vai ficando mais chato…

Vai em paz, meu amigo.