Cidadão Cane

Bem, para aqueles que não se lembram – ou ainda não sabem – o joelho deste velho causídico não tem se comportado lá muito bem nos últimos dias…

Desde o malfadado acidente que azarou com os ligamentos deste que vos tecla, tem momentos em que meu joelho esquerdo está bem bão, digno mesmo de se pensar como um atleta. Entretanto tem outros momentos em que é, no mínimo, phowwdas… E recentemente ele me aprontou uma dessas!

Tudo bem que eu talvez tenha abusado um pouquinho. Tá, nem tão pouquinho assim. A questão é que eu estava feliz da vida de ter voltado a fazer minhas caminhadas e até mesmo algumas corridas curtas – tal qual como antigamente – ainda que, como me disseram, com o “calçado totalmente errado”. Bem, é que dentre as diversas opções que não tinha, a menos pior foi pegar um tal de “sapatênis” (que sempre enxerguei como tênis), cuja palmilha era a mais confortável e utilizá-lo para essa prática desportiva. Mas, consciente que sou, é lógico que comprei o tênis correto para isso. Aliás, correto mesmo: Asics, importado, solado emborrachado especial, forro acolchoado reforçado, sistema de amortecimento com gel e o escambau. E consegui usá-lo por apenas um dia. Acho que o joelho deve ter se acostumado com a passada dura. Pois bastou estar corretamente paramentado que ele resolveu sair fora do lugar. Totalmente. E, sim, SOZINHO.

E duma maneira tal como jamais antes – de não conseguir andar mesmo. Daí que a benfazeja bengala que ganhei em meu aniversário, mais por gozação que por utilidade, acabou se tornando verdadeiramente mais de utilidade que de gozação.

Se bem que a pergunta recorrente de quem me vê com ela é o porquê de ser tunada com “chamas” no melhor estilo Hot Wheels.

Pois bem, a resposta taí:

 
Aliás isso já ajuda a esclarecer a todos aqueles que teimam em me fazer a pergunta mais improvável do mundo (ao menos para quem realmente me conhece): “foi jogando bola, é?”

Sonho meu

Um milhão de reais.

Nas minhas mãos. Em espécie. Pra fazer o que eu quisesse.

Um milhão de reais.

Já pensaram nisso?

Não só pensei, como, há apenas poucas horas, também os tive. Em pacotes cintados, com notas graúdas, embrulhado em grosso papel pardo. Mais alguns talões e papéis alheios junto. Mas a questão é que eu precisava levá-los de onde estava. Fui pegar o carro e, não sei o porquê, tinha esquecido de que havia o desmontado para reforma e, por pura falta de espaço, coloquei-o sobre a laje de casa. Não sei do telhado que deveria estar ali, mas sei que a carcaça do Opala ocupava um bom espaço por sobre toda a extensão da laje. Passei pela porta da escada de segurança e fui providenciar um outro veículo pra levar o dinheiro até o banco.

Enquanto isso, estranhamente, sinos tocavam distantes em algum lugar…

Enquanto descia – talvez até por alguma espécie de premonição – antevi uma cápsula que com muita dificuldade passava pela corrente sanguínea da Dona Patroa, indo parar no coração e de lá liberando não-sei-o-quê e que iria afetar todo o organismo. Enquanto corria escada abaixo, descendo os degraus de par em par (estranho que o joelho tivesse melhorado, não lembrava disso), no celular liguei para o número que todos nós já sabemos de cor para emergências – nove, um, um – e solicitei que fosse enviado um carro de resgate com toda urgência possível para casa, pois ela estava prestes a sofrer uma parada cardíaca mas ainda não sabia disso.

E, ao som de sinos, entrei na imensa cozinha onde ela estava.

Enquanto eu ali, lívido de preocupação pelo que estava por acontecer, ela calmamente fazia o almoço. Perguntei onde estava o marido dela, que também deveria estar ligando pra emergência (esquisito eu ser o marido dela e perguntar dele, que era outro, eu sabia, um rapaz magro, alto e de barba bem preta – quase que um arábe). Disse-me que estava na outra sala e que havia tido um probleminha. Fui ver. Meu Deus, ele estava morto! Um acidente, sem dúvidas, mas numa cena digna do Supernatural, uma grande alavanca havia transpassado seu corpo, que jazia espetado na parede. Um gigantesco espécime para algum entomologista, foi tudo que pude pensar naquele momento… Voltei ao outro cômodo e ela ali, calma, na certeza absoluta que bastava dar alguma explicação simples para a polícia que já estava chegando (não era a emergência?) e tudo ficaria bem. E o som das sirenes já estava na porta de casa quando resolvi sair, deixar que ela resolvesse tudo, pois tinha que levar o dinheiro até o banco.

Aliás, pensando melhor, não eram sirenes.

Eram sinos.

Sinos da praça que batiam desordenadamente enquanto eu acelerava a mini-picape escada acima até chegar na rua principal, onde ficava o banco. Só que no último lance de escada havia uma rede para impedir o acesso por ali. Diacho! Teria que dar a volta e subir por algum outro acesso! Coloquei o skate no chão e desci a mil, equilibrando o pacote como podia. Mas havia uma janela no meio do caminho. Vermelha. De ferro fundido. Talvez desse passagem, não custava tentar, certo? Me espremi por ela, junto com o pacote e a brisa do mar me clareou as idéias! Bastava mergulhar! O mar não estava muito abaixo, coisa de uns dez metros apenas. Pensei se a água estaria fria enquanto caía. Mas qual nada! Bastou emergir que, no submarino, tudo estava quente e seco! Mas o cronômetro estava correndo, com seus grandes números vermelhos. Faltavam poucos segundos e eu não consegui desarmar a bomba.

Enquanto isso, na ponte, o sino do contramestre tocava.

E foi pra ponte que corri, desviando do capitão (um cara meio que familiar, de barba preta, onde eu já o tinha visto antes?), subi pelas escadas vermelhas, abri a escotilha e dei uma última olhada para baixo. Eles iriam explodir e não havia nada que eu pudesse fazer. Na velocidade em que o submarino estava tudo que me restava era pular. Aproveitei que a enxurrada batia num pedaço de calçada e me lancei sobre aquela plataforma, ralando um pouco as mãos e o joelho. Enquanto isso o skate seguiu pela enxurrada, bueiro abaixo. Levantei-me e vi que estava bem em frente ao banco e o gerente me esperava na porta, com um sorriso.

E ESSES SINOS QUE NÃO PARAM DE TOCAR, CARAMBA???

Levantei-me. Não eram sinos. Era o despertador do celular. Fui até o escritório e não o encontrei. Apurei os ouvidos e percebi que estava na sala. Peguei-o. Apenas um por cento de carga. Melhor desligar. Estava travado e não desligava. Melhor então conectar no computador para dar carga suficiente para desligar. Desci até o porão para trocar o núcleo do reator, sem o que o computador não conseguiria se conecar à Internet. Mas o estabilizador que controlava o motor de fusão estava com mau contato no botão. Precisei ligar e desligar várias vezes. Nada. Uma pequena pancada deve resolver, pensei comigo mesmo. Peguei a pistola que sempre carrego comigo e dei uma coronhada no capacete do estabilizador, para ver se o andróide reinicializava. Estranho. Fez som de sinos.

Sinos?

Acordei de novo.

Desta vez de verdade.

E desliguei o celular que badalava há não sei quanto tempo tentando me arrastar pra fora desse mundo onírico.

Mas e quanto ao dinheiro?

Não era meu, era roubado. Limpinho, em notas não marcadas, não rastreável e que os ladrões não perceberam que haviam perdido e não sabiam com quem estava.

Mas, ainda assim, não era meu.

E, apesar de todas as dificuldades, tive certeza que consegui devolvê-lo.

E vocês?

Devolveriam?…

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Aliás, em tempo: não teve como não lembrar dessa música aí embaixo…

😀