Por mais prosaico que possa parecer o título, é simples assim: pneu furado.
Anteontem estava eu a voltar com a Dona Patroa e a patotinha pra casa, quando percebi que o pneu do carro furou. Coisa simples. Levanta o carro, tira um, põe o outro, abaixa o carro, vambora. Jogo rápido. Ou quase. Eu esqueci de falar das 1.469 coisas, bugigangas, brinquedos, blusas, sombrinhas, caixas (vazias) e sabe lá Deus mais o quê, que estavam no porta-malas. E o estepe lá, escondido, debaixo disso tudo…
Mas no decorrer do exercício (de esvaziar o porta-malas, não de trocar o pneu), lembrei-me da primeira vez que passei por um perrengue desses com a Dona Patroa.
Ainda éramos somente namorados – coisa de uns dez anos atrás – e trabalhávamos juntos no mesmo escritório. Início de carreira. Durangos. Morávamos no mesmo bairro e o marmitão aqui, recém-separado, sequer tinha carro e muito menos uns trocados pra pegar ônibus todos os dias. Daí uma carona sempre era bem-vinda.
Foi o que se deu nesse dia.
O pai dela, “seu” Carlos (na realidade Sussumu, mas outro dia conto essa história) nos deu carona em seu bom e velho Golzinho verde.
Faltava pouco pra chegar no escritório, mas eis que de repente, não mais que de repente (sempre quis usar essa frase…) , o pneu furou!
Apesar de estar todo engravatado, o bonitão aqui, namorado novo, todo prestimoso, saiu lá do lugar do carona, peito estufado, já dizendo:
– Pódeixá, seu Carlos, que eu troco esse pneu!
– Não, não.
(Nota: meu sogro é daqueles japoneses tradicionais que quase não falam português, e quando falam é de um modo todo entrecortado, monossilábico mesmo.)
– Uai, por que não?
– Ela troca, né?
– CUMASSIM??? – eu e ela perguntamos em uníssono…
– Tem que aprender, né? Se estiver sozinha, tem que saber trocar, né?
Resignado e rebaixado do meu pretenso posto de cavaleiro andante (me sentia mais pra Dom Quixote), sem ter como contrariar a vontade do futuro sogro, limitei-me a assistir o “espetáculo”…
E lá estava ela, futura Dona Patroa, de tailleurzinho e saltinho, do alto de seus 1,53m de altura, trocando sozinha (frise-se o “sozinha”) o pneu do carro, enquanto eu (repita-se, todo engravatado) e seu pai aguardávamos de lado. Em plena Avenida Nelson D’Ávila, de pista dupla, das mais movimentadas da cidade.
Não tinha um infeliz que não passasse e não ficasse de queixo caído. Alguns buzinavam. Outros riam. E meu sogro, velho samurai, impassível. E eu, todo engravatado, roxo. E ela, toda suja de graxa, trocando o pneu.
Mas foi bom, no sentido que ela aprendeu a trocar um pneu. Em que pese o fato de, após esse dia, eu não me lembrar de nem mais uma única vez que tenha sido necessário ela fazer isso…