Sem condição de decolar

Essa veio lá do Blog do Mino, publicada ontem à tarde. Não resisti a tamanha demonstração de lucidez e tasquei aqui na íntegra.

Ah, a rebelião dos sargentos… Mais, muito mais que o enredo do apagão aéreo, enésimo ato da tragicomédia brasileira, convoca a atenção minha e dos meus botões o comportamento da mídia nativa em relação às mais recentes decisões do presidente Lula. Não digo que me espante, ou que me surpreenda de leve, ou que me cause alguma perplexidade. Está claro que não. A mídia nativa é personagem de primeiríssimo plano na tragicomédia brasileira. Tocha e cordas, pratico a espeleologia interior, intima, pessoal. Que sinto neste momento? Talvez uma espécie de melancolia cívica ao constatar que, de verdade, o País não tem a mais pálida condição de decolar. Não são os aviões, é o Brasil, entregue a esta chamada elite, a esses donos do poder que nunca se põem, igual a sol eterno. O editorial do Estadão de hoje, por exemplo, tem a ventura de me rejuvenescer 43 anos. Lá está a “quartelada” que despreza “os princípios basilares da hierarquia e da disciplina”. Ricardo Noblat (tu quoque?) é mais preciso, na sua qualidade de atilado jornalista. Anota que Lula lembrou dos começos de 1964, “quando João Goulart passou a mão na cabeça dos sargentos em greve”, daí houve mais um empurrão para o golpe de 1º de abril. Eliana Cantanhede, na Folha de S.Paulo de domingo, evoca Nostradamus. O governo, diz ela, se indispôs com a cúpula militar, e só o tempo dirá se foi “bom negócio”. E eis a conclusão, presságio de chuva preta: “A história costuma dizer que não”. Pincei três exemplos. Há inúmeros, porém, intermináveis. Em todas as passagens há um toque suave de esperança, no gênero “não é tempo para golpes”, ou “a democratização já deitou raízes”, ou “aquele passado não volta”. A reprimenda a Lula é escancarada, no entanto, como se ele estivesse a brincar com o fogo e a submeter risco irreparável ao País e a Nação. Percebe-se, como sempre, a intenção de alvejar o governo, o preconceito de classe, se não for ódio mesmo, ali se mescla com o sonho de desforra depois da derrota tucana. Mas há também, notável, transparente, a incapacidade de entender que ao presidente de uma República autêntica, e entendida como tal por seus cidadãos, cabe perfeitamente tomar certas decisões e que sua autoridade é infinitamente superior àquela, específica e circunscrita, de generais, brigadeiros e almirantes. Tenho a granítica convicção, corroborada pela pronta anuência dos meus botões, de que a larga maioria dos cidadãos não tem consciência republicana, a começar pelos graúdos e dos seus menestréis midiáticos. Desmilitarizar o controle aéreo, medida salutar, sem dúvida. O caos terminará nos aeroportos. Vai continuar, contudo, na cabeça dos senhores, e é isso o que me preocupa. Ou melhor, me entristece.

Outros detalhes interessantes sobre essa história dos controladores aéreos podem ser obtidos pela simples leitura do Manifesto dos Controladores de Tráfego Aéreo, que foi publicado na íntegra, em 30/03/07, lá no Blog do Tas.

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