Superman – V

As Origens do Super-Homem – Quarta Parte

A veia trágica sempre correu profunda na lenda do Super-Homem. Tendo começado com a morte de bilhões de pessoas, não podia ser de outro jeito. Curiosamente, nesse período de histórias que agora até podemos encarar como mais bobas, a temática trágica foi desenvolvida ainda mais, com repetida ênfase em Krypton e na herança perdida do Super-Homem. O papel do Homem de Aço como um “estranho numa terra estranha” foi introduzido e desenvolvido durante essa época. Não importava o fato de ele ter sido criado como ser humano, com todos os valores judaico-cristãos de nossa sociedade ocidental. Quanto mais o tempo passava, mais nosso herói lamentava a perda de Krypton. Ele fazia juras em seu nome (“Grande Krypton!”) e, em sua Fortaleza da Solidão, construiu um enorme altar em memória de seus pais e de seu planeta.

Então, de repente, surgiu Kandor. Primeira capital do governo mundial de Krypton (substituída por Kryptonópolis, cidade natal do Bebê de Aço), Kandor era uma cidade com cerca de um bilhão de habitantes, reduzida ao tamanho de uma lista telefônica e aprisionada numa garrafa pelo alienígena maligno Brainiac. Anos depois, quando Brainiac chegou à Terra e começou a roubar nossas principais cidades, Super-Homem descobriu esse remanescente de sua herança, completa, com uma população ativa, e dedicou a ela um lugar de honra em sua Fortaleza no Ártico, prometendo aos kandorianos que ele não pouparia esforços a fim de descobrir um meio de restaurá-los a seu tamanho original.

Mais tarde, quando Jimmy Olsen foi agraciado com a realização de três desejos por uma fonte mágica, ele usou um deles para enviar o Homem de Aço ao passado para uma breve visita a Krypton. Para evitar que seu superamigo soubesse o que estava planejando, Jimmy datilografou o seu desejo em vez de falar em voz alta. Sua intenção era que o Super-Homem “encontrasse seus pais”. Mas, ao chegar a Krypton, o herói descobre que Lara está prestes a se casar com outro homem e, numa antecipação a De Volta para o Futuro, ele é obrigado a arquitetar as circunstâncias em que seus pais se conheceram e se casaram. Jimmy, ao que parece, inadvertidamente datilografara “mate” (em inglês, mais ou menos, bancar o cupido) em vez de “meet” (em inglês, encontrar).

No decorrer dos anos, quase todo mundo acabou indo parar em Krypton de uma forma ou de outra. Em World’s Finest Comics, título partilhado por Super-Homem e Batman, a dupla teve algumas aventuras na cidade miniatura de Kandor, muitos anos antes de o Homem de Aço finalmente cumprir sua promessa e devolver a cidade ao tamanho original. Numa dessas aventuras, nosso herói se defendeu contra meia dúzia de capangas de Luthor, mesmo após perder seus poderes no ambiente kryptoniano de Kandor. Um dos criminosos chegou a comentar: “Mesmo sem seus superpoderes, esse cara é um osso duro de roer!”. Os leitores jamais duvidaram disso.

Nessa época, entre os roteiristas do Super-Homem, estavam Edmond Hamilton e Otto Binder. Foi Binder quem acrescentou Supermoça e Brainiac à lenda e elaborou uma das melhores histórias do Superboy nesse período, tão boa que passou a fazer parte do histórico do Homem de Aço adulto.

Criada como uma analogia ao monstro de Frankestein, a primeira criatura a se chamar Bizarro era uma duplicata imperfeita do Menino de Aço, gerada num acidente de laboratório. Um cientista amigo do Superboy estava tentando produzir urânio artificial para uso em medicina nuclear. No entanto, suas tentativas redundaram em fracasso, uma vez que seu “raio duplicador” tinha produzido urânio não-radiativo. Em dado momento, a máquina sofreu um solavanco e o próprio Superboy foi exposto aos raios, resultando no surgimento da versão quase cristalina do jovem herói, dotada de pele branca e traços que pareciam ter sido lapidados, com uma rebelde cabeleira espetada e de cor preta.

Como era típico na época, esta história foi uma adaptação de uma aventura apresentada originalmente nas tiras de jornal do Super-Homem. Muitos roteiros dessas tiras eram aproveitados e apresentados no formato de quadrinhos.

Concomitantemente, a história do Super-Homem continuava a se expandir, tornando seu passado mais complexo. Assim como Lana Lang foi introduzida retroativamente na lenda, o mesmo se deu com outros personagens bastante conhecidos. Em 1960, revelou-se que o maligno Luthor havia sido outrora amigo do Superboy em Pequenópolis. Seu ódio contra o Homem de Aço teve origem naqueles tempos antigos. Seu primeiro nome, Lex, foi revelado nessa história, cerca de vinte anos depois de sua estréia.

Pequenópolis, à medida que se desenvolveu no decorrer dos anos, tornou-se um local muito ativo, graças à fluidez da realidade nos gibis. Em World’s Finest, revelou-se que a dupla Super-Homem & Batman teve sua gênese em Pequenópolis, quando Thomas e Martha Wayne passaram por lá com seu filho, Bruce. Este primeiro encontro ocorreu mais de uma vez, já que as histórias eram contadas e recontadas para tornar ainda mais complexa a lenda. Em uma versão, o jovem Bruce até mesmo trajou uma fantasia que lembrava um morcego, autodenominando-se Raposa Voadora e combatendo, por um breve período, o crime em Pequenópolis.

Os anos 60 foram tempos difíceis para nosso herói. Num período de transformação cultural para a América e o mundo, a filosofia maniqueísta e, alguns diriam, simplista de bem versus mal das histórias do Super-Homem soava ainda mais caduca. Tentativas de abordar a situação do mundo pareciam apenas um esforço para acompanhar os novos tempos e frequentemente erravam feio o alvo. Os gibis sempre seguiram os modismos da sociedade, tentando, na medida do possível, capitalizar os movimentos populares. Mas, para o Super-Homem, os temas abordados se mostraram esforços fracassados de fazer o personagem caber numa forma para a qual ele não fôra feito.

Clark Kent poderia deixar crescer costeletas e Lois Lane poderia se transformar numa mulher negra para explorar o dia-a-dia de Metrópolis. Porém, de alguma forma, era tudo muito difícil de engolir. A Metrópolis do Super-Homem simplesmente não parecia ser um lugar onde pudesse haver guetos ou gente pobre de qualquer cor. Por muito tempo, a cidade havia sido a pedra precisosa mais reluzente no diadema das cidades imaginárias da DC: Nova Iorque sem as pichações, Chicago sem a máquina política corrupta, Los Angeles sem a poluição.

Os elementos do passado trágico do Homem de Aço foram retratados durante os anos sessenta e setenta, mas com um efeito alienante. A paixão por Krypton tornou-se praticamente ofensiva. Cada exclamação de “Grande Krypton!” era um insulto ao mundo que havia sido lar do Super-Homem por quase toda sua vida. Uma espiral decadente teve início e parecia muito improvável que se pudesse fazer alguma coisa para reverter a derrocada final do personagem.

A lenda continuou a crescer com revisionismos retroativos. À medida que o planeta Krypton era deslocado no espaço, avançando para posições cada vez mais distantes da Terra, segundo o critério de uma sucessão de roteiristas e editores, justificativas cada vez mais engenhosas e complexas iam se fazendo necessárias para que o pequeno foguete atravessasse a distância espacial que se interpunha entre Krypton e a Terra. Em 1938, era o suficiente dizer que Jor-L tinha construído um buscapé vitaminado no qual ele havia colocado seu filho e apontado para a Terra. Ninguém se indagava a respeito da distância ou da trajetória. O deslumbramento com o acontecido era tudo o que importava e a cruel ditadura da lógica podia ser posta de lado se uma história tivesse um ritmo suficientemente ligeiro. Podia-se engolir numa boa a visão simplista que Siegel tinha sobre navegação espacial.

Na década de setenta, o foguete foi equipado com um “propulsor estelar”, e a dobra ou fenda espacial que esse estranho motor abriu também foi responsável por um verdadeiro dilúvio de artefatos kryptonianos que acompanhou o pequeno Kal-El até a Terra. Todavia, tantos foram os destroços da explosão que chegaram ao sistema solar que, às vezes, a destruição de Krypton parecia ter sido unidirecional, como que apontada para a Terra. Fazendo o pequeno foguete gerar uma espécie de buraco negro, um redemoinho no espaço, roteiristas mais recentes puderam justificar muito do que havia sido relatado anteriormente.

Em outra revisão, o foguete havia explodido ao chegar à Terra, antes do efeito da radiação solar ter chance de tornar o metal, o plástico e o vidro invulneráveis. Esta explosão foi usada para criar dois pedaços perfeitamente circulares de supervidro para que Clark Kent pudesse usar em seus óculos. Alguém finalmente havia percebido que Clark não teria sido capaz de cortar o vidro com sua unha por mais super que ela fosse. Seria o mesmo que dizer que um homem normal é capaz de cortar vidro comum com sua unha normal.



John Byrne

(anterior)                        (próximo)
  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *