Superman – I


O Reinado do Super-Homem

Como a idéia de dois adolescentes, mais de meio século atrás, se tornou o modelo de herói moderno e continua sendo um sucesso nos quadrinhos

Após 58 anos, ele ainda consegue voar sobre a cidade de Metrópolis, decidido a resgatar a verdade, a justiça e o modo de vida americano. Salvando o mundo ou simplesmente ajudando uma menina a recuperar o seu gatinho, o mito Super-Homem deixou de ser apenas um personagem de histórias em quadrinhos para ser visto como um ícone cultural do século XX. Invejado por uns, criticado por muitos, imitado por todos, o personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster é um marco divisor no mercado de quadrinhos. Ele é o protótipo do homem perfeito, o objetivo a ser alcançado.

É bem conhecida a lenda de como Siegel e Shuster criaram o Super-Homem, e a grande batalha que travaram para sua publicação. Mas muita gente desconhece que nosso “Homem de Aço” nasceu como o mais temido vilão, um tirano que usava a sua força destruidora para subjugar os mais fracos. Depois, passando para o lado dos mocinhos, seus poderes foram ampliados, até ele atingir o status de semideus e perder a perspectiva do homem comum.

Nascimento

Os gregos foram os primeiros a buscar a perfeição, fosse ela física ou intelectual. Seus heróis e lendas eram mistos de ideais perfeitos e atitudes muito longe disso. Héracles (depois chamado de Hércules pelos romanos) inaugurou a categoria dos semideuses, poderosos e fortes, mas também infectados pelas fraquezas humanas. Beberrão e mulherengo, o filho do todo-poderoso Zeus com uma mortal matou duas serpentes com as mãos ainda quando criança. Caçador de primeira, o adolescente Héracles tinha 2 metros e meio de altura e um físico invejável. Os famosos 12 trabalhos provaram seu poder frente aos admiradores mortais, mas também marcaram sua tragédia pessoal: sob um encantamento de Hera, mulher de Zeus, ele matou seus filhos com Mêgara, filha do rei Creonte de Tebas. Como punição, Héracles teve de cumprir as 12 tarefas para, só então, subir ao Olimpo, a morada dos deuses.

Muitos séculos depois, na Idade Média, os heróis se tornaram cavaleiros armados de espadas e lanças. Vestidos de armaduras pesadas, eles combatiam dragões, salvavam princesas e enfrentaram até o demônio para recuperarem cálices sagrados. Mas, tirando nosso hercúleo semideus, todos estes heróis antigos eram homens comuns lutando contra seus limites. O século XX necessitava de algo mais, de alguém diferente, alguém… super!

Siegel e Shuster eram fãs de histórias de ficção científica e, quando se conheceram aos 16 anos, começaram a criar histórias no jornal da escola e num fanzine mimeografado chamado Science Fiction. Foi neste folhetim, em janeiro de 1933, que nasceu o Super-Homem. O nome do personagem foi copiado de um anúncio da revista pulp Doc Savage. Ele era um tirano do futuro, calvo e de olhar aterrador, que tinha poderes mentais sobre-humanos. Siegel e Shuster criaram um mundo do amanhã com o mesmo olhar pessimista que hoje também se vislumbra nos dias que virão. A crise de 1929, que enfiara os Estados Unidos numa grande depressão econômica, gerou uma série de previsões pessimistas. Em 1932, Aldous Huxley idealiza seu Admirável Mundo Novo, onde os seres humanos renegam sua humanidade. No ano seguinte, Adolf Hitler se torna o chanceler alemão, e planta a idéia da raça perfeita de super-homens, a raça ariana. Talvez por este motivo, os dois jovens judeus resolveram transformar seu novo personagem num mocinho.

A febre das revistas em quadrinhos começou em 1933 e os dois aprendizes de quadrinhistas são capturados imediatamente. Decidiram, então, fazer uma história completa só com o personagem, ainda sem o uniforme, mas com cabelo. Levaram sua obra para um editor que não quis publicá-lo. No ano seguinte, numa noite calma, Siegel concebeu a versão final do seu personagem. Em apenas algumas horas escreveu material para sete semanas de tiras de jornal. Pela manhã já estava ao lado de Shuster, que desenhou furiosamente a nova história. Em vinte e quatro horas, o mito estava criado. Em formato de tiras de jornal ou de revista, Siegel e Shuster durante quatro anos bateram em várias portas tentando vender a sua idéia. Editoras e syndicates (empresas que gerenciam a venda de tiras para os jornais) recusavam o projeto. Apenas a National Periodical (hoje DC Comics) resolveu apostar nos dois jovens e seu Super-Homem. Compraram os direitos de publicação por apenas 130 dólares. E o resto é história.

Os anos seguintes

Depois que surge uma boa idéia, várias outras seguem o mesmo caminho. Com o Super-Homem não foi diferente. Homens com capas e superpoderes começaram a surgir numa explosão sem precedentes. De um momento para o outro, a Terra tinha mais salvadores do que problemas. Cada cidade do continente americano possuía um “super-alguma-coisa” disposto a defender a moral e os bons costumes. Nem mesmo décadas de confrontos com supervilões, guerras, morte, ressurreições, marketing, clones, nada conseguiu abalar a credibilidade e a popularidade dos super-heróis. Crianças, jovens e adultos continuam a acompanhar suas histórias, sejam elas engraçadas, sombrias, ou humanitárias, como quando Super-Homem e Batman juntos lutaram contra a fome.

O final dos anos 80 e início dos anos 90 marcaram a humanização dos super-heróis. Autores consagrados procuraram resgatar a humanidade perdida dos seres mais poderosos do planeta, tentando destruir a imagem de que estes personagens poderiam, se quisessem, mudar o curso da história. Mais e mais superseres passaram a ter uma visão mundana e mais preocupada com a realidade. E esta avalanche que tentou mudar a história em quadrinhos também teve como astro inaugural o primeiro dos novos deuses: Super-Homem. Após décadas de poderes ilimitados, John Byrne, em junho de 1986, transforma o Homem de Aço num Homem Terreno: ele não podia mais viajar no tempo, viver no espaço e nem mais ser eterno.

Kurt Busiek renovou o Universo Marvel em 1993 com a minissérie Marvels (publicada no Brasil em 1995 pela Editora Abril Jovem). Num mundo em que imperam os super-heróis, Busiek procurou o ponto de vista do cidadão comum: um repórter. Este símbolo do contador de histórias do mundo moderno serve de identificação com o leitor. O destaque da minissérie não está nos super-heróis, mas sim no ponto de vista do repórter sobre um mundo onde existem super-homens capazes de fazer tudo o que as pessoas comuns apenas sonham.

No ano passado, Busiek criou uma cidade cheia de super-heróis: Astro City. Nela, tudo se passa num clima de anos 50, os anos de ouro do consumismo americano, dos carrões passeando sem se preocupar com crise de combustível, e de homens e mulheres de chapéu. E é nesta cidade que seus super-homens e super-mulheres vivem as angústias do dia-a-dia. Samaritan, o herói mais parecido com o Super-Homem original, vive o seu dia dividido entre seu emprego como revisor de uma grande editora e sua obrigação de salvar o mundo inteiro. Sua prioridade é salvar pessoas e evitar catástrofes. Inclusive, ele se recrimina quando perde muito tempo salvando um gatinho de uma árvore e quase não consegue salvar uma pessoa. Os super-heróis de Busiek na série Astro City aparentemente não têm a perspectiva do homem comum. Mas nos sonhos, Samaritan pode voar. Ora, como todo superser que se preze, ele vive voando e salvando o mundo. Mas o que ele quer é voar, só isso, num sonho que qualquer pessoa comum tem. Apenas voar.

Vigilantes

Talvez o exemplo mais concreto de um super-herói que perdeu a perspectiva de sua humanidade seja o Dr. Manhattan. Criado por Alan Moore e David Gibbons na minissérie Watchmen, o Dr. Manhattan é um ser onipresente e onisciente, resultado de uma experiência nuclear que acabou em tragédia. O físico Jon Osterman sem querer entra em um compartimento usado para testes radioativos e tem seu corpo destruído. Todos acreditam que esteja morto, mas ele apenas se transformou, sendo capaz de rearranjar os átomos à sua vontade e ver além da superfície: o Dr. Manhattan consegue enxergar átomos, moléculas e partículas e ver o passado, o presente e o futuro… ao mesmo tempo!

Por causa desse seu ponto de vista totalmente inédito, Manhattan perdeu completamente sua humanidade, tornado-se cético e distante, deixando de se preocupar com assuntos mundanos. Para ele, a composição molecular de uma pessoa viva é tão parecida que não se consegue distinguir uma da outra. Ao ultrapassar a linha entre o “normal” e o “super”, Manhattan perdeu também a capacidade de compreender sentimentos básicos, como o amor.

Mas nem tudo está perdido para o Dr. Manhattan. Ao descobrir que sua namorada é filha do Comediante, por quem a mãe dela sentia verdadeiro nojo, notou que às vezes a improbabilidade pode se transformar em realidade. Para ele, que podia passear pelo espaço-tempo sem esforço, aquele fato abriu seus olhos para uma característica do ser humano, algo que dá sentido à vida: o improvável, o imprevisível. Tão imprevisível como a morte.

Em 1992, Joe Shuster morreu, cego de um olho, sem poder desenhar mais o seu personagem, que passou a pertencer à DC Comics. Em janeiro deste ano, foi a vez de Jerry Siegel. Em um anúncio publicado em suas revistas, a DC faz o seu mea culpa. O texto do anúncio diz: “Ele olhou para o céu. Ele atreveu-se a sonhar. Ele nos deu um ícone. E nos ensinou a voar”. O Super-Homem que os rapazes Siegel e Shuster criaram continua a voar pelos céus de Metrópolis, perseguindo o ideal de ser perfeito num mundo cheio de injustiças e que, agora, ficou mais triste.


Sérgio Miranda

(próximo)
  (Publicado originalmente em algum dos sites gratuitos que armazenavam o e-zine CTRL-C)

Os bandeirantes e os entrantes no Belo Sertão

José Chiachiri Filho
Diretor do Arquivo Historico de Franca

A História da Franca começa, precisamente, nos finais de 1805 quando, por autorização de D. Mateus de Abreu Pereira (Bispo de São Paulo) dada em agosto, o Pe. Joaquim Martins Rodrigues, primeiro Vigário da nova Freguesia, benzeu o local onde seria erguida uma “decente Casa de Orações” e o seu respectivo cemitério. O local situava-se onde hoje se encontra a praça Nossa Senhora da Conceição (área da Fonte Luminosa). O terreno para a formação do patrimônio da Igreja foi doado pelos irmãos Antunes de Almeida, desmembrados de sua fazenda denominada Santa Bárbara.

Na realidade, o ato de D. Mateus de Abreu Pereira não resultava na criação de uma nova Freguesia. Ele, simplesmente, autorizava a transferência da sede da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Bonsucesso do Descoberto do Rio Pardo para o arraial da Franca que estava sendo formado pelos entrantes das Minas Gerais. Antonio José da Franca e Horta, então Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, teve um papel decisivo nessa transferência. Por isso mesmo, reconhecendo os seus esforços, o novo arraial e Freguesia já nascem com o seu nome.

Portanto, Franca surge com o século XIX e com ele desenvolve-se. Antes, eram o sertão, o “Bello Sertan do Caminho dos Goyazes”, os caiapós, os bandeirantes, os pousos. Depois vieram os “intrantes das Geraes”, os arraiais, as freguesias, a Vila Franca do Imperador. Tais serão os assuntos que iremos tratar neste artigo elaborado, exclusivamente, para o Diário da Franca.

1. O Caminho dos Goiases e os Pousos do Sertão.

O sertão era do indígena caiapó. Porém, antes do término do século XVII, Pires de Campos (o Pai Pira) e outros bandeirantes haviam passado pela região no afã de conhecê-la e, mais do que isto, descobrir as suas riquezas e apresar os seus habitantes.

Os esforços de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, não foram em vão. Ainda no primeiro quartel do século XVIII, as minas de ouro da Serra dos Martírios já estavam descobertas por seu filho o Anhanguera II, e entre São Paulo e a recém fundada Vila Boa de Goiás estabeleceu-se um intenso fluxo de homens com seus animais, negociantes com suas mercadorias, mineradores com sua fome de ouro, aventureiros com seus sonhos, facínoras com seus crimes.

Para dar apoio, sustento e descanso a esses “viandantes”, formaram-se, ao correr do Caminho, os pousos, minúsculos núcleos populacionais que abriam tímidas clareiras no grande sertão. Os pousos desenvolveram-se ou estagnavam-se a medida em que aumentava ou diminuía o fluxo de gente e de coisas pela Estrada dos Goiases. Por conseguinte, o escasseamento do ouro de Vila Boa trouxe como conseqüência a decadência definitiva dos pousos. Não obstante, a decadência não resultou em seu completo desaparecimento.

Mais tarde, no século XIX, eles iriam ainda servir de pousada para o boiadeiro, para os carros de bois, para os comerciantes de então, para os abastecedores dos centros urbanos que surgiam na época tais como São Paulo e Rio de Janeiro.

Num dos primeiros e mais completos documentos sobre os pousos do “Sertão do Rio Pardo thé o Rio Grande”, existente no Arquivo Público do Estado de São Paulo, dá-nos uma excelente visão sobre a época e a região estudadas. Trata-se da lista dos moradores estabelecidos ao longo do “Caminho” que ia para Vila Boa, distribuídos em seus respectivos pousos.

Assim‚ que no pouso do Rio Pardo moravam Domingos da Silva, de 69 anos, casado e mais 6 pessoas incluindo-se nestas os seus filhos, escravos e agregados. No Cubatão, Joana Pires, viúva de 30 anos e mais 17 pessoas. Em Lages, José Barbosa de Magalhães, 39 anos, casado com Maria Pires, vivia com seus 24 filhos, escravos e agregados. Em Araraquara morava Salvador Pedroso, casado, de 70 anos com mais 5 pessoas. No pouso dos Batatais só viviam 4 indivíduos: Luís de Sá, 33a. com sua mulher Teresa Maria de 27a. e mais 2 agregados. Na Paciência, Pedro Gil, 67a. com sua mulher e mais 3 agregados. No Pouso Alegre achava-se Raimundo de Morais, 60a., viúvo e mais o seu filho, 1 agregada e 2 escravos. Manuel de Almeida (53a.) ocupava o pouso do Sapucaí com sua mulher Ana Antunes, 41a., os seus filhos José (12a.), Vicente (10a.), Antônio (7a.) e mais 7 agregados. No famoso pouso dos Bagres só aparecem 3 habitantes: Fernando Antônio, 43a., com sua mulher Maria, 37a., e sua filha Ana. Bernardo Machado (50a.) e sua mulher moravam na Posse com mais 14 agregados No pouso da Ressaca encontravam-se 5 moradores. No Monjolinho, além de Salvador Barbosa (40a.), sua mulher Isabel e seu filho José, moravam 6 agregados. Dos mais numerosos era o pouso do Calção de Couro, chefiado por José da Silva, 54 a., e sua mulher Maria de Paiva e que se completava com mais 21 habitantes. Antonio Pires, 40a., e sua mulher Catarina eram moradores do Rio das Pedras com mais 10 pessoas. Miguel e Maria Buena encabeçavam o pouso da Rocinha que contava ainda com mais 15 habitantes. Finalmente, nas barrancas do grande rio, localizava-se o pouso do Rio Grande chefiado por José de Almeida, casado, 43a., possuidor de um escravo e que ali vivia em companhia de João Pereira Carvalho, o “mestre da barca” usada na travessia dos viajantes. Quando a Freguesia de Franca repartiu-se cima de Batatais (1814) nestas se incluíam os pousos que ficavam entre o rio Pardo e o Sapucaí.

Decorridos vinte anos, algumas alterações se verificaram nos pousos e na população do sertão. Uma delas foi a tendência de crescimento demográfico. Se, em 1779 a população do “Caminho dos Goyazes” não ia além de uma centena e meia de habitantes, em 1799 ela chegava a casa dos 660 habitantes. Apesar da unificação das listas populacionais a partir de 1793 (os moradores do sertão do rio Pardo passaram a ser computados em conjunto com os da região de Caconde) era evidente o aumento da população do Belo Sertão ao passo que diminuía a quantidade de moradores situados a margem dos ribeirões do Bom Sucesso, São Mateus e cabeceiras do rio Pardo. Tal crescimento vai acentuar-se com a entrada do século XIX e a chegada dos entrantes das Gerais.

Todavia, passadas duas décadas, ainda estavam no Sertão do Rio Pardo até o Rio Grande, os Pires, os Bueno, os Antunes de Almeida e tantas outras famílias que, apesar de “mulatas”, traziam em seus sobrenomes a sua origem bandeirante. É bem provável que Domingos da Silva relacionado na Lista Populacional de 1799 como cabeça do fogo 62 seja o mesmo do pouso do Rio Pardo de 1779.

Josefa Pires (pouso do Cubatão) reaparece casada com José de Almeida. José Barbosa de Magalhães já havia falecido, mas, no pouso de Lages ainda permanecia sua viúva Maria Pires (fogo 8) com seus 6 filhos. Com a morte de Pedro Gil, assume a chefia do fogo 28 (pouso da Paciência) a sua mulher Francisca Gil. Não resta a menor dúvida que o Bernardo Machado do fogo 18 da Lista de 1799 é o mesmo do pouso da Paciência, tendo, naquele ano, com seus 15 agregados, vendido para os comerciantes de Minas 50 alqueires de milho. Assim como Manuel de Almeida, primeiro Capitão de Ordenanças do Caminho dos Goiases, podiam ser encontrados nas duas listas populacionais: no fogo 32, por exemplo, estavam Antônio Pires e sua mulher Catarina (pouso do Rio das Pedras) vendendo para as tropas de Minas 100 alqueires de milho, 10 de feijão 16 de farinha e 6 arrobas de toucinho. Miguel e Maria Buena, do pouso da Rocinha, são encontrados no fogo 23 plantando para o gasto e vendendo para os negociantes 30 alqueires de milho.

Nas últimas décadas do século XVII, os pousos continuariam com suas antigas funções de local de parada, descanso e abastecimento, funções estas que seriam incrementadas pelas tropas de negociantes das Minas Gerais que percorriam o sertão comprando os produtos da terra para revendê-los aos centros consumidores, especialmente, o Rio de Janeiro, São Paulo e quadrilátero do açúcar.

Com isso, os pousos ganham novo vigor econômico com o fornecimento de milho, feijão, arroz, queijo, sola, toucinho, algodão, principalmente a carne de seus rebanhos de vacuns. Contudo, nenhum desses pousos se transforma em arraial. O arraial é fruto de uma outra realidade, de outro cenário, de outros fatores que se processarão no século XIX.

No primeiro quartel do século XIX, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, homem culto e perspicaz, registra a sobrevivência dos pousos, a permanência de suas finalidades e a diferença entre eles e os arraiais. Ao atravessar o Rio Grande, escreve o naturalista: “…comecei no dia 24 de setembro de 1819 a percorrer essa imensa Provincia. Para alcançar sua capital viajei 86 léguas seguindo a estrada que as caravanas percorrem em demanda de Goiás e Mato Grosso. Gastei 36 dias nessa viagem muito castigada pelas chuvas e pelas más pousadas…”… “No próprio dia de minha chegada ao rio Grande, atravessei-o e dormi num vasto rancho coberto de folhas e aberto de todos os lados. A noite estava muito fria. Pela manhã, antes do despontar do sol, uma neblina espessa impedia-me de ver os objetos circunvizinhos, mas logo desapareceu e pude me deliciar com a beleza da paisagem.” Sobre os moradores estabelecidos nos pousos ao longo da estrada, assim se manifestou Saint-Hilaire: “Enquanto descrevia e examinava as plantas, aproximou-se um homem do rancho permanecendo várias horas a olhar-me sem proferir qualquer palavra. Desde Vila Boa até o Rio das Pedras tinha eu tido, quiçá, cem exemplos dessa estúpida indolência. Esses homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos prematuros, não pensam, vegetam como árvores, como as ervas dos campos”.

Mais adiante, sua opinião sobre os Batatais foi bem diferente: “A duas léguas de Paciência, detive-me na fazenda de Batatais, abrigando-me num rancho cercado por grossos moirões que o defendiam dos animais. Depois da cidade de Goiás, nenhum rancho vi construído com tamanho cuidado. Batatais é dependência de uma pequena Vila do mesmo nome situada a pouca distância da estrada do lado de leste e que não cheguei a ver.”

Os pousos ficaram como herança do povoamento bandeirante-caiapó do Belo Sertão da Estrada dos Goiases e, até hoje, muitos locais da região são identificados por aquelas antigas denominações.

2. O Capitão Manuel de Almeida.

Nas proximidades do Pouso Alegre e Bagres, localizava-se o pouso do Sapucaí encabeçado pelo português Manuel de Almeida. Desde 1779 ele vivia na referida localidade juntamente com sua mulher, Ana Antunes (de 41 anos), e seus filhos José (12 anos), Vicente (10 anos) e Antônio (7 anos). Além de sua família, viviam sob a proteção de Manuel de Almeida (que, por essa época contava com 53 anos) os seguintes agregados: Pedro, casado, com 40 anos e Inácia, sua mulher, de 39 anos; João, 25 anos; Paulo, de 52 anos; Francisca com 30 anos; Miguel, 30a.; Maria, 20 a.. Por conseguinte, o pouso do Sapucaí contava com 12 habitantes em 1779.

Após 20 anos, isto é, em 1799, Manuel de Almeida e sua família ainda permaneciam no pouso do Sapucaí. A Lista Populacional de referido ano apresenta o seguinte cabeçalho:

“MAPA GERAL DOS HABITANTES EXISTENTES NA PAROCHIA DO ARRAYAL DE NA SNRA DA CONCEYÇÃO DO BOM SUCESSO DAS CABECEIRAS DO RIO PARDO DE QUE HÉ CAPM MANOEL DE ALMEIDA NO ANNO DE 1799 SUAS OCUPAÇOENS, EMPREGOS E GENEROS QUE CULTIVO.”

Portanto, Manuel de Almeida já havia recebido a patente de Capitão de Ordenanças do Belo Sertão da Estrada dos Goiases, fato que indicava a importância da região no novo contexto econômico que se desenhava.

Na Lista, os moradores não vinham discriminados em seus pousos, mas sim em seus fogos, aos quais pertenciam. Manuel de Almeida, agora com 73 anos, encabeçava o fogo número 1 com sua mulher Ana de Sousa Antunes (61 a.) e mais os filhos: Alferes José Pio Antunes de Almeida (34 a.), Vicente Antunes (23) e Antônio Antunes (32), à família acrescentou-se a nora Maria Francisca, casada com Vicente. Completava o fogo 6 escravos e 5 escravas. Contrariamente ao “mapa” anterior, não se registrava nenhum agregado. O Capitão Manuel de Almeida vivia: “de rendas da passagem do rio Sapucahy”. Mas não era só dessas rendas que provinha o seu sustento. Também plantava para o gasto e o excedente, vendia para as “tropas” de Minas sendo que no ano de 1799 havia negociado: 30 alqueires de milho, 15 de feijão, 10 de arroz, 20 arrobas de toucinho e 12 arrobas de fumo. O Capitão Manuel de Almeida e sua mulher ainda aparecem nas Listas de 1801 e 1803. Porém, os seus filhos Vicente e José Pio já não fazem parte do seu fogo, isto é, já não eram mais dependentes do seu fogão. Junto aos pais somente permanece o filho Antônio. Em 1803, o velho Capitão de Ordenanças assim anotava as suas atividades: “Administrador de passage da Real Fazenda – Planta para o gasto – Colheu de milho 300 alqs. e vendeo 50 – Colheu 20 de feijão e vendeo 6 – Colheu 10 de arroz – Marcou 3 gados vacum”.

3. Os Irmãos Antunes.

Dos filhos de Manuel de Almeida, Vicente e Antônio permanecem no Sertão do Rio Pardo. O Alferes José Pio toma outro rumo. Vicente sai do fogo do pai para incorporar-se ao encabeçado por sua Sogra Maria Pires Cordeiro (fogo 8), próspera agricultora e criadora. Na Lista de 1805, Vicente Ferreira Antunes de Almeida encabeça o fogo 99 com sua mulher Maria Francisca e os seus 5 filhos. O fogo 99 situava-se na região de Santa Bárbara. Antônio Antunes de Almeida passou a chefiar o fogo 111. Aos 35 anos ainda se achava solteiro. Com seus 11 escravos, plantava e criava e, em 1804, havia vendido para os comerciantes da estrada 30 alqueires de milho (dos 200 colhidos). Havia colhido, também, 20 alqueires de feijão e marcado 20 vacuns.

Para se atravessar os rios do Sertão, os viajantes deveriam pagar os “direitos de passagens” devidos, inicialmente, a Bartolomeu Bueno da Silva e seus descendentes. Mais tarde, a Coroa incorporou esses direitos a sua receita. Manuel de Almeida, português de Lisboa, seria o encarregado de administrar a passagem do Sapucaí e de recolher as rendas para a Real Fazenda. O fato de ele ter sido o administrador da “passage”‚ muito importante porque nos possibilita a localização exata do seu pouso ou fogo. O velho Capitão e sua família moravam à beira do rio Sapucaí em terras de há muito aposseadas e identificadas com o nome de Santa Bárbara.

Em 1805, ao fazerem doação de terras para a formação do patrimônio da nova Freguesia da Franca, os irmãos Antunes, isto é, Vicente Ferreira Antunes e Antônio Antunes de Almeida, fizeram-na com base no desmembramento de parte de sua fazenda Santa Bárbara.

Durante o Brasil-Colonia, prevaleceu o sistema de concessão de terras conhecido como sesmaria. Contudo a maior parte do Belo Sertão era constituída por terras devolutas.

Mais do que o título, a posse efetiva com o plantio e o cultivo, garantia a propriedade. D. Maria I já se havia pronunciado enfaticamente neste sentido (cf. Os Sem Terra do Século XIX, artigo de nossa autoria publicado no Diário da Franca). Desde 1779 (ou mesmo antes), Manuel de Almeida e sua gente havia-se estabelecidos às margens do Sapucay-mirim. Todavia, somente em 1808 os seus filhos, Antônio e Vicente, receberão o título legal de posse, isto é, a Carta de Sesmaria. Evidentemente, a referida concessão decorria da necessidade de se legalizar a posse dos Antunes de Almeida em virtude de sua doação para a “fabrica” da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição da Franca.

D. Mateus de Abreu Pereira, bispo de São Paulo, ocupando interinamente o Governo da Capitania, resolve legalizar a posse do primeiro Capitão de Ordenanças do Belo Sertão da Estrada dos Goiases, concedendo aos seus filhos e herdeiros a Carta de Sesmaria da fazenda Santa Bárbara a qual é a seguinte: “Carta de Sesmaria a Vicente Ferreira Antunes a Antonio Antunes de Almeida de 3 Legoas de terra no Disto da V.a de Mogi-Mirim. Dom Matheus de Abreu Pera, do Conso. de S.A.R. Bispo de S. Paulo, o Dezor. Miguel Antonio de Azevedo Veiga Ouvor. Geral e Corregor desta Comca, e Joaqm Manuel do Couto Chefe de Divizão da Armada Real, e Intendente da Marinha de Santos, todos Govres Interos desta Capitania Geral de S. Paulo etc. Fazemos saber aos q’ esta Nossa Carta de Sesmaria virem q’ attendendo a Nos reprezentarem Vicente Ferreira Antunes, e Antonio Antunes de Almeida da Villa de Mogi-Mirim, q’ elles possuem desde o tempo do falescido seo Pai, o Capm Manoel de Almda tres legoas de terra no Certão da Estrado de Goyazes entre o Rio Sapucahy, e o Rio Grande na paragem chamada o Ribeirão dos Bagres termo da dita Villa, onde os Suplicantes já tem bastantes criaçoens de Gados; e pr isso pedião nos lhes concedessemos pr Carta de Sesmaria as mmas tres legoas de terra no do Ribeirão dos Bagres fazendo peão onde mais conveniente for, e sendo visto o Seo requerimto em q’ foi ouvida a Camara da Villa Mogi-Mirim, e o Doutor Procurador da Coroa, e Fazenda aqm se deu vista, e com ql parecer Nos Conformamos: Havemos pr bem dar de Sesmaria em Nome de S.A.R. o Principe Regte N.S./ em observancia da Real Ordem de 15 de Junho de 1711, e das mais sobre esta Materia / aos ditos Vicente Ferra Antunes, e Antonio Antunes de Almda duas legoas de terra em qdra na paragem Mencionada com as confrontaçoens acima indicadas sem prejuizo de terceiro, ou do direito, q’ algumas pessoas tenhão a ellas o ql lhes deixamos salvos pa o alegarem, ou no acto da Medição, ou pa outro qualqr q’ lhes convier: Com declaração, q’ as cultuvarão, e mandarão confirmar esta Carta de Sesmaria pr S.A.R. dentro em dois annos, e não o fazendo se lhes denegar mais tempo, e antes de tomarem posse dellas as farão Medir, e demarcar judicialmentesendo pa este effeito noteficadas as pessoas comqm confrontar, e serão obrigados a fazer os Caminhos de suas Testadas com pontes e estivas onde necessario for, e descobrindo-se nellas Rio caudalozo, q’ necessite de Barca pa atravessar ficar rezervada de huma das Margens delles meia legoa de terra em quadra pa Commodidade Publica, e nesta data não poder succeder em tempo algum pessoa Eccleziastica, ou Religião, e Succedendo ser com o encargo de pagar Dizimos, ou outro qual quer, q’ S.A.R. lhe quizerem impor de novo, e não o fazendo se poder dar aqm o denunciar, como tambem sendo o dito Senhor servido Mandar fundar no Districto della algumaVilla o poder fazer ficando livre, e sem encargo algum pa os Sesmeiros, e não Compreender essa datta veeiros, ou Minas de qualquer genero de Metal q’ nella se descobrir, rezervando tambem os Paos Reaes; e faltando aql qr das ditas Clauzulas pr seren Conformes as Ordens de S.A.R., e o q’ dispoem a Lei, e Foral da Sesmarias ficarão privadas desta: Sendo outro sim o obrigdos os Sesmeiros a levar com Arado cada anno nas terras q’ legitimamte lhes pertencer hum pedaço de terreno proporcionado ao q’ se acha estabelecido de seis braças de frente, e seis de fundo pa cada Legoa quadrada concervando Lavradias as q’ huma ves forão tratadas com Arado na forma determinada pelo avizo da Secretra de Estado dos Negocios da Marinha e Dominios Ultramarinos de 18 de Maio de 1801: com a Cominação de q’ não cumprindo assim pagar Cem reis pa cada braça, q’ deixar de lavrar q’ serão aplicados pa as obras, e mais despezas do Hospital Militar desta Cidade, cujo encargo passar com as mesmas terras a todos os possuidores, q’ forem dellas pa o fucturo, e no Cazo q’ ellas se subdevidão ser obrigado a lavrar a parte q’ lhe tocar proporcional a parte q’ ql qr outro possuir de suas refferidas terras. Pello q’ mandamos ao Ministro, e mais pessoas a quem o Conhecimento desta pertencer dem posse aos ditos Vicente Ferra Antunes, e Antonio Antunes de Almeida das refferidas terras na forma q’ dito hé. E por firmeza de tudo lhe mandamos passar a prezte por Nos assignada, e Sellada com o Sello das Armas Reaes, q’ se cumprir inteiramente, como nella se contem, se registrar nos Livros da Secretra deste Govo, e mais partes a q’ tocar, e se passou pr duas vias Dada nesta Cidade de São Paulo aos 28 de Julho de 1808. Assinam a Carta de Sesmaria o escrivão José Matias Ferreira de Abreu, o Secretario de Governo Manuel da Cunha de Azevedo Coutinho Sousa Chichorro, e os Governadores interinos D. Mateus de Abreu Pereira, Miguel Antonio de Azevedo Veiga e Joaquim Manuel do Couto”.

O ribeirão dos Bagres de que nos fala a Carta, localizava-se próximo ao Sapucaí, onde desaguava. O atual córrego dos Bagres vai desembocar no referido ribeirão. Porém, esse mesmo córrego recebia, em 1818 (por ocasião da visita de Alincourt) a designação de Itambé e, mesmo, Catocos (visita de Taunay).

O processo de demarcação da fazenda Santa Bárbara encontra-se conservado no Arquivo Histórico Municipal e é datado de 1822. Contudo, ela já era de propriedade de Francisco Antonio Dinis Junqueira e não mais dos irmãos Antunes.

4. Os Entrantes das Gerais: As Primeiras Famílias.

Em 28 de novembro de 1824, o “Districto do Rio Pardo thé o Rio Grande” é elevado a categoria de Vila. Cria-se, por conseguinte a Vila Franca do Imperador, que, destarte, emancipa-se da Vila de São José de Moji-mirim. Os vereadores são eleitos e os juizes também, Os empregados da Câmara são nomeados e a Municipalidade passa a gerir, por si própria, os seus destinos.

Na realidade, a fundação de Franca data de 1805 quando o Pe. Joaquim Martins Rodrigues, primeiro vigário encomendado da nova Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca, benze o terreno, doado pelos irmãos Antunes, onde seriam construídos o cemitério e a Matriz. O arraial da Franca e todos os outros do antigo Belo Sertão nascem em virtude da afluência e da vontade dos entrantes das Minas Gerais que apossam-se da região nos primeiros anos do século XIX.

Graças às Listas Populacionais pode se precisar o ano em que se inicia esse fluxo demográfico e quais foram as primeiras famílias que se fixaram no antigo sertão.

Um dos primeiros a chegar foi José Gomes Meireles que aparece na Lista de 1803 com sua mulher Rosana (fogo 40) e mais 5 filhos e 5 escravos. De acordo com o registro eles vieram do: “arrayal de Pitanguy, Destricto das Gerais e estão arranxados de poco”. Das Minas Gerais também era Manuel Pereira Pinto que morava no fogo 42 com sua mulher Ana Maria e seus dois filhos. Ele vivia de seu oficio de alfaiate, mas também plantava para o seu gasto.

Todavia, é em 1805 que esse fluxo migratório começa a se evidenciar. Nesse ano, a Lista já foi da responsabilidade de Hipólito Antonio Pinheiro, nomeado Capitão de Ordenanças em substituição a Manuel de Almeida que falecera recentemente, Hipólito Antonio Pinheiro encabeçava o fogo número 1. Natural de Congonhas do Campo, Hipólito vem para o sertão aos 51 anos de idade acompanhado de sua mulher Rita Angélica do Sacramento e dos filhos: João, Quintiliano, Ambrósio, Luciana, Ana, Hipólita, Rita, e mais as netas: Rita, Maria, Hipólita e Porcina. Além de 8 escravos, vieram com ele os agregados: José Gonçalves Campos e Maria de São José que, por sua vez, possuíam 4 escravos. Em conjunto eles plantaram milho, feijão e marcaram vários vacuns e cavalares.

No fogo 2 encontra-se Heitor Ferreira de Barcelos, natural da Vila de São José. Ele era irmão de Hipólito por parte de mãe cujo nome era Ana Faria. O Alferes Heitor (42 anos) vinha acompanhado de sua mulher Ana Angélica (34 a.) e os filhos: Claudio, Anselmo (11 a.), Heitor, José, Joaquim, Ana, Maria, Silvéria, Cândida. Possuía 10 escravos e os seus agregados eram: João do Rego e Ana Maria que, por seu turno, tinham 8 filhos e 1 escravo.

O Reverendo Joaquim Martins Rodrigues, natural de Congonhas do Campo, aparece no fogo número 3 e, curiosamente é chamado de Vigário da Freguesia antes mesmo dela se concretizar. O Reverendo tinha 7 escravos e 5 agregados.

Antônio Alves Guimarães era oriundo do Reino, tendo nascido em Guimarães. Certamente, ele primeiro se estabelece em Minas para depois vir para o Sertão do Rio Pardo.

De São Bento do Tamanduá, veio João Rodrigues de Sousa, Antonio Vieira (era natural da Vila de São José), José Gonçalves de Melo, de São João del Rei. Também de São João del Rei era Francisco Machado do Espírito Santo. De vários arraiais e Freguesias, de inúmeros distritos e Vilas vieram os entrantes das Gerais para arrancharem e formarem suas fazendas no Belo Sertão, E quanto mais avançarmos pelo século XIX, mais acentuado ser este fluxo migratório que ira transformar o sertão urbanizando-o com seus arraiais e humanizando-o com a sua gente.

Fontes:

– Listas Populacionais de 1779, 1799, 1801, 1803, 1805 – existentes no Arquivo Público do Estado de São Paulo

– Viagem à Província de São Paulo de Auguste de Saint-Hilaire

– Livro de Sesmarias

Colaboração: equipe do Arquivo Histórico Municipal de Franca

Inácio Franco – Um ramo inédito das Três Ilhoas

Marta Amato
Foi quem pesquisou a ascendência açoriana das irmãs.
Já a descendência foi pesquisada pelo falecido genealogista
Dr. José Guimarães por 50 anos e ampliada
por vários outros pesquisadores.)

Por ser Barbacena uma das regiões mineiras onde existem poucos descendentes das Três Ilhoas, foi surpresa encontrar uma filha de Inácio Franco e Maria Teresa de Jesus radicada nessa vila, descoberta fantástica de Douglas Fazolatto, genealogista mineiro. Através de pesquisas de ambos e com complementos de amigos pesquisadores, foi possível trazer à luz este trabalho, complementando as pesquisas do Dr. José Guimarães, responsável pela identificação das três irmãs açorianas que se tornaram figuras lendárias pela grande descendência. Teresa de Jesus, a filha desconhecida de Inácio Franco e Maria Teresa de Jesus, casou-se com um faialense, como sua mãe, Manuel José de Bem. Temos em 250 páginas a descendência do casal, entre eles os irmãos Nana, Dori e Danilo Caymmi; Dr. Paulo Egídio Martins, ex-Governador de São Paulo e os descendentes de Carlos Lacerda.

Outro ponto a ser identificado era a exata naturalidade de Inácio Franco, uma incógnita até então, pois na obra “As Três Ilhoas” consta como sendo “freguesia de Balga, Termo da vila da Feira”, lugar não identificado nos mapas e dicionários corográficos de Portugal. Ao ter acesso, através de amigos pesquisadores, aos dados constantes no processo de genere et moribus (que se encontra na Cúria de Mariana) de um neto de Inácio Franco – Padre Francisco Antonio Junqueira, onde diz que o avô era natural da freguesia de Santa Maria de Celga, também inexistente, procurei na região um nome parecido com CELGA e BALGA cujo orago fosse Santa Maria. Encontrei “VÁLEGA”, orago “Santa Maria”. Solicitei os microfilmes desta localidade em um CHF e finalmente depois de mais de oito anos de buscas localizei o tão procurado batismo.

Valga ou Válega – A terra de Inácio Franco

A Região Centro, à qual pertence a vila de Válega, é composta pelas províncias beirãs (Beira Litoral, Beira Alta e Beira Baixa); corresponde a uma superfície de 23.667 Km2. É a segunda região maior de Portugal e nela estão incluídos os distritos de Viseu, Aveiro, 10 concelhos do distrito de Leiria, o concelho de Mação (distrito de Santarém), distrito de Castelo Branco, Coimbra e Guarda – com excepção de Vila Nova de Foz Côa.

Próximo da ria de Aveiro localiza-se a povoação de Válega que em 1522, contava 328 habitantes; em 1623 o número subiu para 638; em 1687 ultrapassava os 2000 e hoje conta com cerca de 6500 habitantes.

A ria de Aveiro implantou-se num local onde antes (no século X) existia uma grande baía, desde o cabo Mondego até Espinho. Hoje é composta por um sistema lagunar, formando um delta por ação dos rios Vouga e Antuã, local de mistura das águas doce e salgada ainda hoje uma fase dinâmica da sua evolução que tem a ver com os processos de transporte e deposição de sedimentos (…)”.

Para obtermos uma idéia mais pormenorizada acerca da formação da ria de Aveiro, passamos a citar Antônio Pena e José Cabral : “O processo evolutivo deste sistema lagunar foi longo e complexo, tendo influenciado grandemente a população de toda a zona envolvente a ponto de, nos séculos XVI e XVIII, quando a laguna ficou isolada do mar por ação de grandes tempestades, terem sido gravemente afetadas várias das atividades tradicionais desta região como a navegação e a agricultura (devido à inundação e salinização dos terrenos). (…) a ria de Aveiro atravessa a de Entre-Águas e situa-se na província da Beira Litoral, pertencendo ao distrito de Aveiro, concelho de Ovar, freguesia de Válega. Este local tomou o nome de Entre-Águas por se situar muito próximo do local onde se reunem dois rios: o Rio Negro e o Rio Gonde. Os dois formam uma única linha de água que depois de contornar uma zona pantanosa deságua numa pequena enseada da ria de Aveiro, denominada Canto da Senhora.

Citando Pe. Miguel de Oliveira : “É tradição constante nesta freguesia que o lugar de Entráguas foi outrora muito povoado e nele, em tempos que a memória dos homens não atinge, teve assento uma cidade.

Não sabemos ao certo, nem a tradição o diz, o nome dessa cidade; querem uns que se chamasse Matérteles, afirmam outros que se chamou Braziela, corrupção de Varziela, nome dado hoje a uns campos próximos, muito fecundos e produtivos…

Destruída por um cataclismo, nunca mais se levantou dos escombros, foi-se apagando a sua memória, restando-nos apenas esta obliterada notícia na tradição oral ….”

É uma região florestal, de grande diversidade paisagística: contém a Serra da Estrela, maior maciço montanhoso do continente e engloba a ria de Aveiro – extensa zona úmida, distando 5 km de Ovar, mais parecendo uma continuação dessa cidade.

A Grande Enciclopédia Luso-Brasileira, diz sobre a vizinha vila de Avanca: “Basta a toponímia para garantir, ao território desta freguesia, antiguidade pré-nacional de povoamento, o que pode ascender a épocas mais remotas, visto que se conserva até hoje o topônimo Avanca, pois parece ser de origem pré-Romana. Pode supor-se deste topônimo – Avanca, uma origem Semito-Fenícia, assim como Ovar, Válega, Vagos, etc…, povoações situadas na borda da Ria de Aveiro, tendo como origem a raíz Fenícia va ou Ba que significaria “águas”. É curioso que se atribui aos Fenícios – à cerca de 2500 anos – a colonização da região do que é hoje a Ria de Aveiro.

Ovar e Ílhavo, teriam sido fundação Fenícia. Reito Fraião regista haver, talvez, cerca de 26 fontes e 30 casas de moínhos, sendo que a vila próxima Avanca seria habitada mesmo antes dos Romanos dominarem a Península, pois registamos populações pré-Romanas na região, com referências a Avanca, como “Castro de Recarei” (S. Martinho da Gândara). Assim: – “et subtus mons castro recaredi discurrente vivolo Avanca” (ano de 1097).

Sobreviveram os domínios Suevo e Visigótico (séc. V e VI) e, mais tarde, os Árabes, invadindo a Lusitânia (séc. VIII). Depois “um vai-vem” de conquistas e reconquistas na região de Entre Douro e Vouga (Terras de Santa Maria) por Árabes e Cristãos.

Por gentileza do Dr. Romeu Caiafa, transcrevo o que diz sobre Válega, “A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, no volume 33, páginas 856 a 859, da Editorial Enciclopédia Ltda., Lisboa-Rio de Janeiro:

“Válega. Freguesia do Concelho e Comarca de Ovar, Distrito de Aveiro, Diocese e Relação do Porto. Orago: Santa Maria (Nossa Senhora do Amparo). População: 5.343 habitantes em 1.283 fogos. Tem est., telef.-post., escola primária e é servida por um apeadeiro na linha férrea do Norte. É atravessada de N. a S. pela estrada nacional n.o 109; de E. a O. por um regato que vai tomando diversos nomes, como os de Rio da Igreja e Rio Negro, e deságua num dos esteiros da Ria de Aveiro. O centro da freguesia dista a 4 km. da sede do concelho. Confina a N. com Ovar, S. com Avanca e Pardilhó, E. com S. Vicente Pereira e S. Martinho da Gandra, O. com Ovar e Ria de Aveiro. O nome de Vallega aparece pela primeira vez em documento do ano de 1102, aplicado ao rio; o étimo está no latim vulgar vallica, equivalente a vallicula, “o pequeno vale”. Há na Galiza, na margem esquerda do rio Ulla, a paróquia e o município de Valga, com a mesma origem etimológica. O território constituiu-se pelo agrupamento de propriedades rústicas, as mais importantes das quais eram na Idade Média a villa Dagaredi e a vila Peraria, a primeira ao S. e a segunda ao N. do rio; ainda no séc. XIX, uns lugares se diziam da “parte de Degarei” e outros da “parte de Pereira”. A primeira já é mencionada no ano de 929, no contrato de umas salinas, as mais antigas de que há documento em território português. Ainda nas Inquirições de 1220, a freguesia é chamada Degarei, talvez porque aí estivesse a igreja paroquial. A villa Peraria, mencionada em documento do ano de 1002, veio a constituir um concelho com sede no lugar chamado Pereira Jusã (ou de Baixo), para se distingüir da freguesia de S. Vicente de Pereira, designada em alguns documentos por Pereira Susã. O padroado da igreja foi doado cerca de 1182 ao mosteiro de S. Pedro de Ferreira por D. Doroteia, D. Elvira e D. Usquo ou Unisco, que deviam ser descendentes dos fundadores; em 1288, passou para os bispos e para a Sé do Porto; os frutos e os dízimos foram anexados à Mesa Capitular em 1583. É tradição que a primitiva igreja paroquial esteve no lugar do Seixo Branco, num terreno hoje chamado Chão de João Caetano. Antes do séc. XVI, já era no local agora conhecido pelo nome de Adro Velho, onde ainda se conservam duas lápides sepulcrais e se descobriram em 1941 algumas imagens e resto do templo. Como este ameaçava ruína, em 1746 o visitador mandou construir outro no prazo de três anos. Adquirido o terreno um pouco a N., foi lançada a primeira pedra pelo abade Vicente José de Freitas, em 20 de novembro de 1746. Já as obras estavam quase concluídas, quando foi tudo devorado por um incêndio em 25 de abril de 1788. A reconstrução, muito demorada, foi subsidiada pelo imposto de um real no vinho e na carne, na freguesia e em todo o concelho de Pereira Jusã. No templo atual, há algumas boas imagens: um Cristo cruxificado do séc. XVII, a da Padroeira e a de S. José do séc. XVIII, a de Nossa Senhora do Rosário e a do Coração de Jesus, esta do escultor Fernandes Caldas; dos objetos do culto, salienta-se a custódia processional, de prata dourada, do séc. XVII. O cemitério, em frente da igreja, foi concluído em 1871, por conta da Câmara de Ovar, e depois ampliado em 1889 e 1909. O primeiro pároco de que há notícia foi Soeiro Anes, que em 1182 dizia ter recebido esta igreja de D. João Pais, abade de S. Pedro de Ferreira. Desde o fim do séc. XVI, a paróquia tinha o título de abadia. De 1591 a 1622, foi abade Sebastião de Morais Ferreira, que instituiu o vínculo da Quinta da Boa Vista; de 1624 a 1637, D. Diogo Lobo, que depois foi prior-mor de Palmela e bispo eleito da Guarda; de 1813 a 1830, o Dr. Antônio de Sousa Dias de Castro, egresso beneditino, que deixou fama de santo; de 1857 a 1899, o Dr. Manuel Marques Pires, natural de Beduíno, que chegou a ser deputado pelo círculo de Ovar e foi distinto jurisconsulto. D. Diogo Lobo está sepultado na capela de Nossa Senhora de Entráguas. A pedra tumular ostenta o seu brasão e a seguinte legenda: AQVI IAS DOM DIOGO LOBO PRIOR MOR QVE FOI DA ORDEM DE SAM TIAGO DO CONSELHO DE SVA MAGESTADE E BISPO ELEITO DA GOARDA E FVNDADOR E PADROEIRO DESTA IGREIJA DE NOSSA SNRA DENTRE AGOAS FALLECEO AOS VINTE E SETE DE OVTVBRO DE 1654 PELLA SVA ALMA PADRE-NOSSO. Houve uma ermida anterior, com a mesma invocação. A imagem da titular Nossa Senhora da Purificação, é de calcáreo, de inspiração gótica, fins do séc. XV, e está ainda regularmente conservada. Por ficar afastada do povoado, a capela tinha ermitão. Desempenhou devotadamente este cargo, no séc. XVIII, um segundo sobrinho do fundador, José de Sá Pereira Coutinho, caso lembrado num soneto pelo poeta Eugênio de Castro. O povo conta várias lendas a respeito do aparecimento da imagem e da Virgem. A norte da capela, junto ao regato do Portinho, ergue-se o chamado Cruzeiro da Virgem, em cuja base se lê a seguinte inscrição: 1673 N. SNR.a DE ENTRE AGOAS AQUI DEU FALLA A HUA MOÇA. Além desta capela, centro de grande romaria em 2 de fevereiro, há as seguintes capelas públicas: S. Gonçalo, do séc. XVI, que serve de paroquial no impedimento da matriz; S. Bento, no lugar de Paçô, talvez da mesma época; S. João Batista, fundada em 1594, por Afonso da Silva, o velho, de Degarei; S. Miguel, sucessora, quanto à invocação, de uma ermida que em 1102 foi objeto de doação à sé de Coimbra e ao bispo D. Mauricio Burdino. As capelas de propriedade particular, mas abertas ao público, são as seguintes: Senhora do Bom sucesso, fundada em 1721 pelo licenciado João Vaz Correia que nela está sepultado; Senhora da Conceição e Sagrada Família, fundada em 1763 por Francisco Rodrigues da Silva Praça; Senhora das Dores, fundada em 1812 pelo padre João José de Oliveira Amaral; Senhora das Febres, fundada em 1711 pelo padre Bartolomeu Leite do Amaral; Senhora de Lurdes, fundada em 1909 pelo padre Francisco Alves de Resende; Senhora da Maternidade, fundada em 1889 por Manuel Lopes da Silva. Capelas extintas: Senhora da Mâmoa ou da Ermida, antiguíssima, demolida em meados do séc. XIX; Capela dos Presos, em frente dos antigos Paços do Concelho de Pereira Jusã, fechada ao culto desde que este se extingüiu e demolida em 1914; Senhor da Boa Ventura, fundada em 1776, no sítio do Pinheirinho, ao sul de Entráguas, e demolida, segundo se conta, porque num forno de telha, que lhe ficava próximo, uns criminosos queimaram uma mulher. A população da freguesia dispersa-se, ao longo das numerosas estradas e caminhos vicinais, por 46 lugares, situados uns a norte e outros a sul do Rio da Igreja. As testemunhas ouvidas nas Inquirições de D. Dinis, em 1288, declararam que toda a freguesia, à exceção do lugar de Paçô, andava “honrada” por vários fidalgos. Em tempos de D. Afonso III, Fernão Fernandes Cogominho comprara os três lugares de Pereira, Rial e Vilarinho e estabelecera neles uma quintã de que fez honra. Sua viúva, D. Joana Dias, que foi senhora de Atouguia, anexou a essa honra o lugar de Bustelo e mais uma quintã em S. Vicente de Pereira Susã e outra em Guilhovai, no termo de Ovar.

No princípio do séc. XVI, o senhorio destas terras pertencia a D. Joana de Castro, da casa dos condes de Monsanto, a quem secederam D. Pedro de Castro e D. Luís de Castro. Em 1563, passou para a casa dos condes da Feira, em que se conservou até o falecimento do último conde em 1700. A seguir, pertenceu à Casa do Infantado, extinta em 1834. Com essas terras se constituiu, em meados do séc. XIV, o concelho e julgado de Pereira Jusã, que ficou assim a abranger a parte norte da freguesia de Válega, e alguns lugares da de S. Vicente de Pereira e Ovar. D. Manuel deu-lhe foral em Lisboa, a 2-VI-1514. A terra tinha então 20 vizinhos ou famílias, e andava-lhe anexo o Couto de Cortegaça. Pelas reformas de 1836, ficaram a pertencer ao concelho e julgado de Ovar todos os lugares da respectiva freguesia, e ao concelho de Pereira Jusã as duas freguesias de Válega e S. Vicente na sua totalidade. Por decreto de 28-XII-1853, foi esse concelho extinto e incorporado as freguesias no de Ovar. O antigo edifício dos Paços do Concelho, que depois serviu de escola e cadeia, foi vendido em 1914, e é hoje propriedade particular. Na mesma ocasião, foi demolido o pelourinho. A vila, reduzida a simples lugar, perdeu na linhagem do povo o apelativo de Jusã, erroneamente transferido em publicações oficiais para a freg. de S. Vicente de Pereira. Segundo as referidas Inquirições de 1288, na aldeia de Degarei (parte sul de Válega) havia seis casais de cavaleiros em que moravam uns 30 homens e vinte e quatro casais de mosteiros e igrejas. Só o ligar de Paçô (antiga villa Palatiolo) era todo reguengo. No séc. XVI, essas terras estavam no senhorio dos condes da Feira e foram abrangidas no foral concedido à Vila da Feira e Terra de Santa Maria, em 10-II-1514. Esta parte da freguesia pertenceu ao conc. da Feira, até que transitou em 1799 para o de Oliveira de Azeméis, em 1836 para o de Pereira Jusã e em 1852 para o de Ovar. Tinham aqui propriedades o bispo do Porto, o cabido, o mosteiro de Pedroso, o de Grijó, o de Arouca, a Congregação da Oliveira e a Colegiada de Guimarães. Dos fidalgos dos séc. XIII e XIV quase só restam memórias de questões com os bispos do Porto por causa do padroado da igreja. Desde o séc. XVI, fala-se nuns Silvas Antigos que se diziam descendentes de D. Guterre Alderete da Silva e por aqui se uniram a umas velhas famílias de Pires e Anes, somando-se à gente rural, e nuns Valentes que também se atribuíam certa prosápia em Válega e Avanca. Um destes, Valério Valente, casou com Clara de Morais Ferreira, irmã do abade Sebastião de Morais Ferreira, instituidor do vínculo ou morgado da Quinta da Boa Vista. Desse matrimônio nasceu Mariana de Morais, que casou com Garcia de Azevedo Coutinho, cavaleiro da Ordem de Santiago e capitão da Marinha de Guerra em tempo de D. João IV. O vínculo foi abolido em 1846 e o último morgado, Sebastião de Morais Ferreira, (m. em 19-X-1898), deixou os seus bens à Junta da Freguesia, para assistência médica a doentes pobres, por morte dos atuais usufrutuários. Era natural desta freguesia Fr. Antônio Pereira, que foi reitor do Colégio das Ordens Militares em Coimbra e escreveu um livro sobre a Ordem de Santiago, à qual pertencia. Alguns nobiliários locais dão como natural de Válega D. Fr. Vitoriano da Costa, bispo de Cabo Verde. É certo, porém que nasceu no Porto, embora aqui vivesse com seus pais, o licenciado Manuel da Costa Neves e Maria Barbosa, a quem o abade Alexandre Ribeiro (1628-1658) deixou a Quinta de Cima, depois chamada do Cruzeiro e dos Pamplonas. Confinava essa com os passais, e os seus proprietários no séc. XVIII tiveram longas questões com os párocos por causa das águas de rega.” …. ” A maior parte da população dedica-se à agricultura, mas, como a terra está muito parcelada, é grande o contigente migratório, sobretudo para os países da América Central e do Sul [ano de 1945]. Referindo-se ao lugar de Regedoura, escreveu Pinho Leal: “É celebre pela ótima telha que aqui se fabrica, a melhor do reino”. O barro era extraído nas proximidades da capela de Entráguas. Ainda em 1884 funcionavam seis fábrica, mas, devido à concorrência do tipo marselhês, apagaram-se os últimos fornos de “telha da Regedoura”, à roda de 1930. Como curiosidade, registre-se o capítulo “Mefistófeles e Maria Antonia”, do livro Cavar em Ruínas, de Camilo Castelo Branco, baseado no processo inquisitorial de uma mulher ainda lembrada na tradição local pelo nome de “Bruxa do Seixo”…. ” Fazem parte desta freguesia os seguintes lugares situados ao N. do Rio da Igreja: Azenha, Bustelo, Cabo da Lavoura, Cadaval, Carvalheira de Baixo, Carvalheira de Cima, Carvalho de Baixo, Carvalho de Cima, Corga do Norte, Corga do Sul, Espinha, Estrada de Baixo, Estrada de Cima, Molarelo, Pereira, Pintim, Porto Laboso, Quinta e Rego, Regedoura, Rial de Baixo, Rial de Cima, Roçadas da Espinha, Roçadas de Vilarinho, Roçadinhas, S. Gonçalo, Tomadias, Valdágua, Vilarinho. Os do S. são: Bertufe, Candosa, Entráguas, Ervideira, Espartidouras, Fontainhas, Giesteira, Monte da Candosa, Outeiro da Marinha, Paçô, Poças de Gonde, Rua Nova, Seixo Branco, Seixo de Baixo, Seixo de Cima, S. João, Torre e Vilar.

As Três Ilhoas

Marta Amato
Foi quem pesquisou a ascendência açoriana das irmãs.
Já a descendência foi pesquisada pelo falecido genealogista
Dr. José Guimarães por 50 anos e ampliada
por vários outros pesquisadores.)

Desde o início de 1720, a imigração açoriana se fez notar no Brasil meridional, principalmente nas Províncias de Minas Gerais e São Paulo. A densidade populacional e os constantes tremores de terra, erupções vulcânicas e as crises alimentares com a super-população das ilhas que formam o Arquipélago dos Açores, impulsionou os habitantes a solicitar à Coroa portuguesa autorização para a vinda para o Brasil.

Diante da possibilidade de povoar a nova colônia (onde a maioria dos habitantes era de aventureiros e homens solteiros que vieram em busca das minas de ouro e diamantes), com casais que iam fixar-se na terra, o Governo português autorizou a emigração.

As famílias foram chegando e estabeleceram-se principalmente na Província de São Paulo, que compreendia a Ilha de Santa Catarina (depois Capitania de Santa Catarina, hoje Estado de Santa Catarina), o Rio Grande de São Pedro (hoje, Estado do Rio Grande do Sul), e no sul da Província de Minas Gerais.

Vieram das ilhas do Pico, Santa Maria, Terceira, Faial, Flores, Graciosa, São Miguel, e muitos da Ilha da Madeira.

Dificilmente algum habitante dessa parte do Brasil deixa de ter antepassados com os nomes Goularte, Duarte, Garcia, Faria, Fagundes, Leal, Silveira, Rezende e assim por diante.

Aqui foram desbravadores, povoadores e fundadores de cidades.

A grande maioria dedicou-se à cultura de subsistência (milho, feijão, algodão, cana de açúcar) e criação de gado e tropa cavalar, numa época em que a fome era uma constante nas minas de ouro.

Deixaram suas marcas e seus costumes por onde passaram. Ainda hoje, acontecem festas populares e religiosas com o sabor dos Açores. As mulheres ainda tecem as rendas e bordam, como suas antepassadas. A hospitalidade açoriana é notada, principalmente em Minas Gerais, com a farta mesa de pães, biscoitos, queijos e doces para os que chegam.

Ainda em Minas Gerais, encontramos três irmãs que se tornaram figuras lendárias: Antonia da Graça, Júlia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus, que aqui ficaram conhecidas como “AS TRÊS ILHOAS”. Eram filhas de Manuel Gonçalves Correa e de Maria Nunes, vieram da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, na Ilha do Faial – Açores, e chegaram no ano de 1723. Antonia veio casada com Manuel Gonçalves da Fonseca e já com duas filhas: Maria Teresa e Catarina; Júlia e Helena casaram-se aqui, com açorianos. A primeira, com seu conterrâneo Diogo Garcia, e a segunda, com João de Rezende Costa natural da Ilha de Santa Maria. Tiveram muitos filhos e seus descendentes espalharam-se pelos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, enfim por quase todo o centro-oeste brasileiro.

Falar sobre “AS TRÊS ILHOAS”, equivale a descrever uma grande genealogia.

Ascendência Açoriana das Lendárias “Três Ilhoas”

No dia 27 de junho de 1666, na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, na Ilha do Faial (Açores), casam-se JOÃO LOURENÇO ou NUNES, filho de MANOEL LOURENÇO e de AGUEDA NUNES, com MADALENA GEORGE, filha de GASPAR GEORGE e de CATARINA GEORGE, sendo os pais dos noivos já falecidos. (Livro 1º de casamentos – 15/1/1666 a 25/3/1694, pag. 1, 2º assento). Não achei o óbito de João Nunes (provavelmente falecido em outra freguesia), mas foi entre 1675 e 1677, pois no dia 1º de novembro de 1677, Madalena George, viúva, contraiu matrimônio com MANOEL RODRIGUES FURTADO, falecido aos 17 de novembro de 1719 com mais ou menos 68 anos, filho de Manoel Rodrigues e de Catarina Duarte. Madalena George faleceu no dia 1º de junho de 1722, com 80 anos, com testamento, onde declara que foi testamenteira de seu 1º marido.

JOÃO NUNES e MADALENA GEORGE tiveram 4 filhos:

1.1

MARIA NUNES, batizada aos 24 de abril de 1667 na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias e faleceu no Brasil, aos 5 de janeiro de 1742 na vila de Prados, Minas Gerais. Casou-se na mesma localidade onde nasceu, aos 22 de julho de 1685, com MANOEL GONÇALVES CORRÊA apelidado “o Burgão”, natural da Freguesia do Espírito Santo da Feiteira (Faial), filho de JOÃO GONÇALVES e de IGNES CORRÊA. Tiveram 5 filhos, dos quais 4 deixaram descendência. Foram 1 homem e 3 mulheres, estas vieram para o Brasil, onde ficaram conhecidas como “AS TRÊS ILHOAS”. Acredito que tenham vindo com destino certo, pois aqui encontraram Diogo Garcia, conterrâneo e aparentado com a família pelo casamento de sua sobrinha Anna Maria, filha de Maria da Ressurreição com Antonio Nunes, irmão das Três Ilhoas. Filhos:

2.1

ANTONIA DA GRAÇA ou DE AGUIAR (como aparece no assento de seu casamento e batismo de sua 1ª filha), foi batizada aos 21 de fevereiro de 1687 (padrinhos o Capitão Antonio Machado e Maria Rodrigues) e crismada em dezembro de 1696 (tendo como madrinha Luzia Rodrigues, mulher de Matheus Gonçalves). Casou-se aos 7 de fevereiro de 1706 com MANOEL GONÇALVES DA FONSECA, natural da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, filho de FRANCISCO RODRIGUES DA FONSECA e de BARBARA GARCIA (não achei o batismo dele, mas encontrei o casamento de seus pais aos 5 de fevereiro de 1673, sendo o noivo viúvo de Francisca Alvernas, e a noiva filha de Mathias Gonçalves e de Barbara Garcia). Tiveram 3 filhos nascidos no Faial e 1 no Brasil:

3.1

MARIA TERESA DE JESUS, nascida aos 8 de julho de 1714 e batizada aos 14 do mesmo mês e ano. Casou-se 1a vez em fevereiro de 1728, em São João del Rei – MG – Brasil, com o português INÁCIO FRANCO, e 2a vez, na mesma localidade, aos 4 de fevereiro de 1746 com BENTO RABELO DE CARVALHO, nascido aos 29 de janeiro de 1717 e batizado aos 7 de fevereiro do mesmo ano, na Freguesia de São Nicolau, Cabeceiras de Basto, filho de João de Oliveira e de Maria Gonçalves, ela, do lugar de Gondarem (casado s aos 3 de setembro de 1714 na mesma freguesia); n.p. Antonio de Oliveira e Catarina Dias, n.m. João de Carvalho e Maria Gonçalves. Maria Teresa deixou grande geração dos dois casamentos.

3.2

MANOEL GONÇALVES DA FONSECA, nascido aos 10 de fevereiro de 1719, batizado aos 16 e falecido aos 17 do mesmo mês e ano.

3.3

CATARINA DE SÃO JOSÉ, nascida aos 25 de agosto de 1721, batizada aos 29 do mesmo mês e ano e falecida aos 30 de julho de 1787 em São João del Rei-MG. Casou-se aos 15 de janeiro de 1737, em Prados-MG, com CAETANO DE CARVALHO DUARTE, filho de João de Carvalho e de Domingas Duarte. Catarina veio para o Brasil com 2 anos de idade, sendo assim confirmada a data aproximada de 1723 como a da vinda das Três Ilhoas.

3.4

JOSÉ GONÇALVES DA FONSECA, nascido em São João del Rei, Minas Gerais-Brasil, casou-se com Teresa Gomes da Rocha, natural de Barbacena-MG, filha de Manoel Gomes Batista e de Maria Gonçalves da Rocha.

2.2

JOSÉ NUNES, filho de Manoel Gonçalves e Maria Nunes, batizado aos 14 de setembro de 1689 e falecido aos 8 de agosto de 1711.

2.3

ANTONIO NUNES – “PILOTO”, batizado aos 12 de julho de 1692 e falecido aos 22 de julho de 1747, na Freguesia de Nossa Senhora das Angústias, onde casou-se aos 10 de outubro de 1717 com ANNA MARIA DA SILVEIRA, falecida aos 5 de dezembro de 1753, filha de PASCOAL SILVEIRA e de MARIA DA RESSURREIÇÃO, esta batizada aos 5 de abril de 1676, filha de MATHEUS LUÍS e de ANNA GARCIA, e irmã de DIOGO GARCIA, que casou-se com JÚLIA MARIA DA CARIDADE. Pascoal Silveira mandou sepultar seu sogro, MATHEUS LUÍS. Antonio e Anna Maria tiveram:

3.1

CATARINA MARIA EUSÉBIA, batizada aos 7 de maio de 1717, falecida aos 30 de janeiro de 1750, casou-se aos 9 de outubro de 1741 com o Piloto MANOEL CORRÊA DE FRAGA, filho de João de Fraga e de Felícia da Luz.

3.2

ANNA, batizada aos 20 de novembro de 1720 e falecida aos 25 de julho de 1724.

3.3

ANTONIO, batizado aos 11 de setembro de 1723.

3.4

ANTONIO, batizado aos 25 de agosto de 1725.

3.5

ANNA, nascida cerca de 1729 e falecida solteira, aos 10 de agosto de 1750.

3.6

ROSA ELISA, batizada aos 24 de março de 1730, casou-se aos 5 de janeiro de 1753 com Antonio Francisco de Castro, filho de Manoel Francisco de Castro e de Maria de Faria.

2.4

JÚLIA MARIA DA CARIDADE, nascida aos 8 de fevereiro de 1707 e batizada aos 12 do mesmo mês e ano. Casou-se aos 29 de junho de 1724 em São João del Rei – MG, com DIOGO GARCIA, batizado aos 13 de março de 1690, na Freguesia de Nossa das Angústias, filho de MATHEUS LUÍS e de ANNA GARCIA.

2.5

HELENA MARIA DE JESUS, nascida aos 15 de janeiro de 1710 e batizada aos 19 do mesmo mês e ano. Casou-se aos 3 de outubro de 1726 em Prados – MG, com JOÃO DE REZENDE COSTA, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Vila do Porto, Ilha de Santa Maria (Açores), filho de de Rezende e de Ana da Costa.

1.2

CATARINA, filha de João Nunes e Madalena George, batizada aos 15 de janeiro de 1670, sem mais notícias.

1.3

MANOEL LOURENÇO- PILOTO, batizado no dia 1 de e 1672, casou-se aos 29 de agosto de 1697 com BARBARA DUARTE, falecida aos 2 de junho de 1704 com 30 anos e já viúva, filha de João Garcia – mareante e de Catarina Duarte. Teve que descobri:

2.1

LOURENÇO, nascido aos 6 e batizado aos 12 de agosto de 1699, tendo por padrinhos Manoel Rodrigues Duarte, filho de Diogo Rodrigues e de Barbara Duarte e Luzia de São Pedro, filha de Manoel Rodrigues e de Madalena George ( a avó paterna e seu 2º marido).

1.4

ANTONIO, último filho de João Nunes, foi batizado aos 4 de fevereiro de 1675, sem mais notícias.

Do 2º casamento com Manoel Rodrigues Furtado, teve Madalena George as 3 filhas seguintes:

1 – FRANCISCA, batizada aos 9 de março de 1679.

2 – LUZIA DE SÃO PEDRO, batizada aos 30 de junho de 1681, falecida aos 20 de outubro de 1703. Casou-se aos 23 de janeiro de 1701 com MANOEL FERNANDES LUÍS, filho de Luís Fernandes e de Aldonça Martins. Filha que descobri:

Antonia, nascida aos 18 e batizada aos 23 de outubro de 1701.

3 – FRANCISCA, batizada aos 26 de dezembro de 1683.