Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – III

Os anais da História Hiboriana

Adaptado de um ensaio de Robert E. Howard

Quando Robert E. Howard começou a escrever as aventuras de Conan, o Cimério, mais de quarenta anos atrás, ele também idealizou toda a história da chamada Era Hiboriana

Esta história tem início cerca de oito mil anos antes do aparecimento do bárbaro, durante a civilização Thuriana, onde nasceu o Rei Kull, época anterior à submersão da Atlântida sob as águas do mar.

Capítulo I – A Era Pré-Cataclísmica

Da era conhecida pelos cronistas nemédios como pré-cataclísmica só se conhece o final, e, ainda assim, este permanece envolto em grande mistério.

Os registros falam do continente Thuriano e de sua importante civilização dominada pelos reinos de Kamelia, Valúsia, Verulia, Grondar, Thule e Commoria.

Esses povos falavam um idioma semelhante, o que leva a crer que tenham tido uma origem comum.

Os bárbaros desta era foram os Pictos, que habitavam ilhas no mar do oeste, os Atlantes, que viviam num pequeno continente entre as ilhas pictas e o continente Thuriano, e os Lemurianos, que povoavam um arquipélago no hemisfério leste.

Existiam também vastas regiões inexploradas. Os reinos civilizados, embora fossem grandes, ocupavam, comparativamente, uma pequena porção do planeta.

Valúsia se impunha como o maior dos reinos do oeste do continente thuriano. Sua capital, a Cidade das Maravilhas, foi, sem dúvida, a mais linda daquela era. Grondar, cuja população era menos civilizada que a maioria dos reinos, era a maior nação a leste do continente.

Em meio a região mais amena do deserto de Grondar, nas florestas infestadas de serpentes, e no alto das montanhas mais elevadas, viviam clãs e tribos primitivas.

A costa leste do continente thuriano era habitada por uma outra raça, misteriosa não-thuriana, com a qual os lemurianos por vezes mantinham contato. Aparentemente, estes povos vieram de algum lugar além das ilhas e continentes conhecidos até então.

Ao sul erguia-se uma segunda civilização, também misteriosa, totalmente afastada da cultura thuriana e aparentemente de natureza pré-humana.

A civilização thuriana se encontrava numa fase de decadência e seus exércitos eram formados basicamente por mercenários. Pictos, Atlantes e Lemurianos eram seus generais, governadores e reis.

De todos os conflitos entre reinos, e das guerras e conquistas de valusianos, comorianos e atlantes, hoje restam mais lendas que histórias verídicas.

Então o cataclismo se abateu sobre o mundo.

A Atlântida foi engolida pelo oceano e as ilhas pictas formaram as montanhas de um novo continente. Enquanto isso, partes do mundo thuriano foram recobertas pelas águas, dando origem a grandes lagos. Vulcões e terremotos surgiram com uma fúria terrível, destruindo tudo que até então era conhecido como civilização. Nações foram aniquiladas e a face do mundo sofreu uma profunda modificação.

Capítulo II – A ascenção dos Hiborianos (17.000 – 15.000 A.C.)

Quando o grande cataclismo causou a destruição da Atlântida e da Lemúria, todos os habitantes das ilhas pictas desapareceram, mas uma grande colônia deles, que havia se instalado nas montanhas ao sul das fronteiras de Valúsia, permaneceu.

Outros milhares de membros do reino de Atlântida também conseguiram escapar da fúria das águas, fugindo em seus navios.

Um grande número de lemurianos foi para a costa oriental do continente thuriano, onde acabou sendo escravizado pelo povo que já ocupava a região. E, por milhares de anos, sua história foi a de triste e brutal servidão a um povo opressor.

Na parte mais ocidental do continente, densas selvas se espalharam pelas grandes planícies, montanhas virgens se ergueram e lagos cobriram as ruínas das velhas cidades. Mesmo forçados a lutar continuamente pelas suas vidas, os atlantes ainda procuravam manter vestígios de seu estado anterior, o barbarismo altamente avançado.

Até que sua cultura teve contato com a poderosa nação picta. A partir de então, os reinos da Idade da Pedra entraram em conflito, e, no decorrer de incontáveis batalhas, os atlantes regrediram ao estado selvagem, enquanto os pictos tiveram sua evolução ameaçada. Quinhentos anos depois do cataclismo, os reinos bárbaros desapareceram.

O longínquo sul, que não foi atingido pela grande tragédia, se manteve coberto de mistérios. Seu estágio de desenvolvimento continuou pré-humano. Só houve uma exceção: os remanescentes das nações civilizadas não valusianas, que viveram nas baixas montanhas do sudoeste. Eram conhecidos como os Zhemri.

Enquanto isso, no distante norte, outro povo recomeçava, aos poucos, sua existência. Um grupo de semi-humanos, que fugiu para lá durante a destruição encontrou os continentes de gelo habitados somente por uma espécie de macacos da neve, contra quem lutou, expulsando-os para o outro lado do círculo polar ártico. Os primitivos então se adaptaram ao seu novo e inóspito ambiente e sobreviveram.

Foi quando outro cataclismo, menor que o primeiro, alterou mais uma vez a face original do continente, criando um grande mar interno que separava o leste do oeste. Os crescentes terremotos, inundações e erupções vulcânicas completaram a ruína dos bárbaros, já iniciada pela violência das guerras tribais.

Mil anos depois, bandos de homens-macacos nômades vagavam pelas planícies, sem nenhum conhecimento de fala, fogo ou armas. Eram esses os descendentes dos orgulhosos atlantes.

Já os habitantes do sudoeste dispersaram-se em clãs, ocupando cavernas com uma linguagem primitiva e conservando o nome de pictos.

Mais para o leste, os lemurianos escravizados se rebelaram e destruíram seus opressores, vivendo selvagemente entre as ruínas de uma estranha civilização.

Os sobreviventes daquele povo se dirigiram para o oeste, derrotando os pré-humanos do sul e fundando um novo reino chamado Stygia. Também os remanescentes do reino pré-humano parecem ter sobrevivido, ou pelo menos, eram adorados depois que toda a sua raça foi destruída.

No norte, uma tribo crescia rapidamente, os hiborianos ou hiborígenas. Seu deus era Bori, um grande chefe cuja lenda o elevou ao posto de divindade. 1.500 anos vivendo na neve fez deles uma raça vigorosa e guerreira. Então começaram a visitar o sul.

Certa vez, um andarilho do norte retornou ao seu lar, dizendo que as terras geladas eram habitadas por macacos semelhantes aos homens, descendentes das feras que tinham sido expulsas das terras habitáveis pelos ancestrais dos hiborianos. Para exterminar essas criaturas, um pequeno grupo de guerreiros seguiu o andarilho até o outro lado do círculo polar… e nunca mais voltou!

Nesse mesmo período, as tribos hiborianas seguiram rumo ao sul, transformando a era seguinte num período de peregrinações e conquistas.

Capítulo III – Os Reinos Hiborianos (14.000 – 10.000 A.C.)

1.500 anos depois do pequeno cataclismo que criou o mar interno, tribos de hiborianos morenos rumaram para o leste e para o oeste, conquistando e destruindo pequenos clãs. Mesmo assim estes conquistadores não entraram em contato com as raças mais antigas.

A sudoeste os descendentes dos Zhemris procuraram reviver alguma tênue sombra de sua cultura ancestral. A oeste, os primatas atlantes começavam sua longa escalada de volta à verdadeira humanidade, enquanto ao sul deles os pictos permaneciam selvagens, desafiando as leis da natureza, sem evoluírem ou regredirem. E, mais ao sul, repousava o misterioso reino de Stygia.

No extremo leste, clãs de nômades, conhecidos como os filhos de Shem, vagavam pelas terras sem fim, enquanto próximo aos pictos, na fronteira do vale de Zingg, protegidos por uma cadeia de montanhas, um bando de primatas criava um avançado sistema de agricultura e civilização.

É nesse período que surge o primeiro reino hiboriano, o rude e bárbaro reino de Hiperbórea, que teve seu início numa fortaleza de pedra erguida para evitar ataques tribais. Isso fez com que seus habitantes se transformassem, de um momento para o outro, de bravos nômades em guerreiros defendidos por muros gigantescos.

Durante todo esse tempo, a leste, os lemurianos ergueram uma estranha semicivilização sobre as ruínas daqueles a quem venceram.

Os hiborianos, entretanto, encontraram o reino de Koth, na divisa com as terras férteis de Shem. Os selvagens dessas terras, através do contato com os hiborianos e os estígios, foram lentamente saindo do barbarismo. No extremo norte, o primeiro reino da Hiperbórea era dominado por outra tribo, que manteve o mesmo nome da anterior.

A sudeste da Hiperbórea, um reino dos Zhemris começava a se formar, sob o nome de Zamora.

Já a sudoeste, invasores pictos se uniram aos agricultores do fértil vale de Zingg. Esta raça híbrida seria conquistada pela errante tribo de Hibori, sendo que da junção de todos esses elementos surgirira o reino de Zíngara.

Quinhentos anos depois, todos os reinos do mundo já estavam claramente definidos. Os reinos hiborianos: Aquilônia, Nemédia, Britúnia, Hiperbórea, Koth, Ophir, Argos, Corínthia e o Reino da Fronteira dominavam o mundo ocidental. Zamora estava a leste e Zíngara a sudoeste destes.

Bem distante, ao sul, repousava Stygia, livre de invasões estrangeiras, embora o povo de Shem tivesse chegado a trocar escravos estígios pelos de Koth. Os estígios se dirigiram para o sul do grande rio Styx, também chamado de Nilus ou Nilo, que desemboca nos mares ocidentais.

A norte da Aquilônia estavam os Cimérios, violentos selvagens nunca derrotados por invasores. Descendentes dos antigos atlantes, eles evoluíram mais rápido que seus velhos inimigos, os pictos, nos combates no desértico oeste da Aquilônia.

Passados cinco séculos, o povo de Hibori já era senhor de uma imensa civilização, cujo reino mais poderoso era Aquilônia, apesar dos outros também brilharem em esplendor e força. Ele era supremo sobre todo o mundo ocidental.

Ao norte, bárbaros com cabelos dourados e olhos azuis se espalhavam por todo o continente de neve, com exceção da Hiperbórea. Sua terra era chamada de Nordheim e era dividida entre os Vanirs, de cabelhos vermelhos, e os Aesirs, de cabelos amarelos.

Mais uma vez os lemurianos entraram para a história, mas sob o nome de Hirkanianos. Na direção oeste, uma tribo criava o reino de Turan, a sudoeste de Vilayet, o mar interno. Mais tarde, outros clãs hirkanianos se estabeleceram em torno da margem oeste deste mar.

Rápido perfil dos povos daquela era: os dominadores Hiborianos, que deixaram de ter cabelos morenos e olhos verdes ao se misturarem com outras raças, porém sem se enfraquecerem; os Shemitas, homens de estatura mediana com narizes pontiagudos, olhos negros e barbas negras-azuladas; as classes dominantes da Stygia, constituídas por homens altos, elegantes e sérios; os Hirkanianos, escuros e geralmente altos; o povo de Nordheim, com pele clara, olhos azuis e cabelos loiros ou ruivos; os Pictos, atarracados, pelo muito escura, com olhos e cabelos negros; os Cimérios, altos e fortes, com cabelos negros e olhos azuis ou verdes.

Ao sul da Stygia estavam os vastos reinos negros dos Kushitas e do império híbrido de Zimbabo.

Entre Aquilônia e os desertos pictos encontravam-se os Bossonianos, descendentes de Aborígenas e Hiborianos. Eles eram guerreiros resistentes e grandes arqueiros, pois sobreviveram durante séculos aos ataques bárbaros do norte e do oeste.

Esta foi a “Era Nunca Sonhada”, quando os resplandecentes reinos se estendiam pelo mundo como o manto azul sobre as estrelas. Esta foi, pois, a era de Conan.

Capítulo IV – Ascenção e Queda

Cinco séculos após a época do Rei Conan, a civilização hiboriana foi completamente devastada enquanto sua cultura ainda estava em seu apogeu. De certo modo, isso se deveu à ganância e voracidade da Aquilônia.

Seus reis, ávidos de poder, conquistaram Zíngara, Argos, Ophir e as cidades ocidentais de Shem. Até mesmo Koth, Corinthia e as tribos shemitas foram forçadas a pagar tributos aos aquilonianos e a ajudá-los em suas guerras.

Nemédia, que vinha resistindo bravamente por séculos, havia então formado uma aliança secreta com Britúnia, Zamora e Koth, contra o inimigo comum.

Mas antes que pudessem reunir seus exércitos um novo inimigo surgiu no oriente. Reforçados pelos Hirkanianos, os guerreiros de Turan derrotaram Zamora e enfrentaram os Aquilonianos nas planícies da Britúnia.

Aquilônia não teve problemas de expulsar os Turanianos, mas a espinha dorsal da aliança Nemédia estava quebrada. A derrota do povo do leste mostrou aos demais o verdadeiro poder aquiloniano.

Zamora foi reconquistada, e seus habitantes perceberam que apenas haviam trocado o jugo oriental pelo ocidental. Soldados da Aquilônia se aquartelaram ali, para garantir a completa obediência da população zamoriana.

Ao norte haviam incessantes disputas na fronteira ciméria entre os selvagens guerreiros morenos e seus muitos vizinhos. Os Nordheimrs, os Bossonianos e os poderosíssimos Pictos. Por várias vezes os Cimérios chegaram a atacar até mesmo a Aquilônia, não tanto com o propósito da conquista, mas apenas para pilhar e saquear.

Entretanto, por um curioso capricho do destino, foi o crescente poder dos aparentemente inofensivos pictos que destronou os reis da Aquilônia. Tudo começou quando um sacerdote nemédio conhecido por Arus decidiu aventurar-se no ocidente e catequisar o povo picto na adoração ao deus Mitra. Ele não se abalou ao escutar as trágicas histórias de comerciantes e exploradores que jamais voltaram do oeste.

Por muitos anos os pictos vinham tendo contato com a civilização hiboriana, apesar de resistirem ferozmente à qualquer tentativa de aproximação. Viviam em clãs que guerreavam entre si com frequência. Seus costumes bárbaros e violentos eram chocantes para um homem civilizado, como Arus, da Nemédia.

Arus teve sorte de encontrar um chefe de inteligência acima do normal, chamado Gorm, que lhe permitiu ficar entre os seus com vida. Foi um caso único na história dos pictos, e teria sido melhor para a civilização hiboriana se o sacerdote tivesse sido dizimado de início.

Tendo aprendido rapidamente o idioma picto, Arus pode convencer Gorm das verdades eternas de Mitra sobre direito e justiça. O sacerdote prometeu imensas riquezas materiais aos adoradores do grande deus. Para provar seus argumentos, descreveu o esplendor dos reinos hiborianos, que tudo deviam a Mitra.

Falou sobre ricas cidades, férteis planícies e torres incrustradas de jóias. Gorm, com o instinto infalível dos bárbaros, desprezou os ensinamentos religiosos e se concentrou apenas no aprendizado da luta e da conquista. Ali, naquela mística cabana de vime, onde um sacerdote vestido de seda pura tagarelava enquanto um chefe bárbaro sonhava com riquezas, foram estabelecidas fundações do império picto.

Capítulo V – Destruição e Morte

Arus, o sacerdote de Mitra, despertou em Gorm, um chefe bárbaro, o desejo de conhecer terras civilizadas. A pedido de Gorm, Arus o conduziu, junto com mais alguns de seus guerreiros, através dos pântanos bossonianos, onde foram recebidos com olhares de espanto pelos pacatos aldeões. Logo os pictos chegaram à Aquilônia e tiveram livre acesso à ela.

Arus estava confiante de ter convertido muitos fiéis para Mitra, já que os pictos o ouviam e ele já não se sentia ameaçado por seus machados de cobre. Mas a verdadeira intenção do povo bárbaro era aprender como explorar os extensos depósitos de ferro de suas planícies para forjar armas… e conseguiram. Com elas, Gorm começou a consolidar sua supremacia sobre os outros clãs pictos.

Enquanto isso, insistindo em suas guerras contra o sul e o leste, a Aquilônia desprezava as ainda desconhecidas terras do oeste, de onde saíam guerreiros pictos para servir em seus exércitos mercenários. Após completarem seu serviço, esses guerreiros voltavam para os sertões pictos, conhecendos as táticas civilizadas de batalha e com desprezo pela civilização que a familiaridade com ela causou.

Com o passar dos anos, Gorm tornou-se o Chefe dos chefes, destacando-se como o rei que os pictos tiveram há milhares de anos. Mas a espera foi longa, e Gorm já passara da meia-idade. Com a hegemonia do poder, ele voltou novamente para a fronteira, agora para guerrear.

Arus percebeu tarde demais que alimentara pagãos de ganância, não de fé. E, quando tentou reparar seu erro, teve a cabeça arrebentada por um picto bêbado. Gorm reconhecia gratidão ao sacerdote, e colocou o crânio do assassino sobre seu túmulo.

Os pictos trocaram suas vestimentas de pelo por trajes de malha, e fizeram o sol da fronteira bossoniana refletir em seus sanguinários machados de aço. Ainda assim, os valentes bossonianos resistiram durante anos, poupando a Aquilônia de seu ataque.

Enquanto isso, em pleno apogeu de poder, o arrogante império aquiloniano tratava os povos menos poderosos, inclusive os fiéis bossonianos, com crescente desprezo. Argos, Zíngara, Ophir, Zamora e as cidades Shemitas eram tratadas como simples colônias, o que irritava particularmente os orgulhosos rebeldes zingarianos. Koth também pagava tributos e logo a seguir Estígia e Britúnia sucumbiram em batalhas.

Somente a Nemédia, no centro de todos os conflitos nunca fôra dominada. Assim, os exércitos aquilonianos voltaram sua força contra o estado vizinho. Suas resplandecentes fileiras foram largamente preenchidas por mercenários, principalmente bossonianos.

Com a guerra do leste, foi insuficiente o número de homens que ficou nos pântanos bossonianos para guardar sua fronteira. Ao tomarem conhecimento das atrocidades pictas em sua terra, regimentos bossonianos inteiros abandonaram a campanha nemediana e rumaram ao oeste, onde derrotaram os pictos numa grande guerra.

Esta deserção resultou no fracasso da investida dos aquilonianos contra os enfurecidos nemédios, fazendo com que o reino da Aquilônia voltasse contra os bossonianos a crueldade e a fúria cega dos imperialistas.

Isso se deu quando tropas aquilonianas seguiram para a fronteira dos pântanos e convidaram os chefes bossonianos para irem ao seu acampamento. Lá, os chefes desarmados foram massacrados, e, em seguida, os vingativos visitantes imperiais atacaram o despreparado povo. Quando a ruína dos pântanos se estendeu de norte a sul, o exército aquiloniano voltou da fronteira deixando para trás uma terra completamente devastada.

Agora nada podia deter a poderosa invasão da fronteira pelos pictos sob a liderança de Gorm, então velho, mas ainda inflamado pela avidez de conquista.

Sem os bravos guerreiros bossonianos para se interpor a sua marcha, os enfurecidos selvagens alcançaram a Aquilônia antes que suas legiões pudessem retornar das guerras do leste.

Zíngara aproveitou a oportunidade para livrar-se do jugo, seguida pelos Corínthios e pelos Shemitas. Regimentos inteiros de mercenários e súditos insurgiram e marcharam de volta às suas terras, destruindo e incendiando tudo em seu caminho, enquanto levas implacáveis de pictos vinham para o leste. Em meio ao caos, os bárbaros da Ciméria desceram das colinas do norte para completar a ruína, e o império aquiloniano desmoronou sob fogo e sangue.

Capítulo VI – O Despertar das Trevas

Após a queda do império aquiloniano, hordas de hirkanianos chegam ao reino derrotado, vindas do leste. Hirkanianos e turanianos estão, agora, unidos sob o comando de um grande chefe. Não havendo tropas para combatê-los, eles se tornaram invencíveis. Primeiro arrasaram Zamora, depois Britúnia, Hiperbórea e Corínthia.

Em seguida, tentaram destruir a Ciméria, atacando os bárbaros de cabelos negros e pele morena. Mas, entre as colinas, a cavalaria hirkaniana não se mostrou eficaz, permitindo um contra-golpe cimério. Somente uma retirada desordenada pôde salvá-los do completo extermínio.

Os pictos, enquanto isso, tornaram-se os senhores da Aquilônia, massacrando em sua marcha quase todos os habitantes do outrora poderoso império. É provável que esses ataques tenham levado os hirkanianos a arrefecer sua fúria em anexar até mesmo a Estígia ao seu império em expansão.

Nemédia, nunca antes subjugada, era agora disputada por oeste e leste, enquanto uma tribo de aesires se enveredava pelo sul, saqueando e pilhando. Esses aesires não só derrotaram os hirkanianos, como também interromperam o avanço picto para o leste.

Enquanto isso, Gorm, o chefe picto cuja ambição havia iniciado a carnificina, era morto por Hialmar, líder dos aesires nemédios. Setenta e cinco anos antes, ele ouvia pela primeira vez dos lábios de Arus, sacerdote de Mitra, as lendas a respeito das maravilhas da terra do oeste. Tempo mais que suficiente para uma civilização morrer.

Por um curto período, pictos e hirkanianos hostilizaram-se sobre as ruínas do mundo que haviam conquistado. Até que começa a era glacial. O crescimento das geleiras empurrou muitas tribos nórdicas para o sul, onde clãs semelhantes se atacavam uns aos outros. Nemédia, nesse meio tempo, tornou-se um reino nórdico governado pelos descendentes dos mercenários aesires.

Pressionados pelos povos do norte, os cimérios se deslocavam para a fronteira, destruindo a Gunderlândia, abrindo depois seu caminho através do exército picto para derrotar os nemédios e saquear várias de suas cidades, até alcançar o leste, onde aniquilaram um exército hirkaniano nos limites da Britúnia.

Encurralados, bandos de aesires e vanires aglomeravam-se ao sul, fazendo o recém-edificado império picto cambalear sob seus golpes. A Nemédia por fim sucumbiu, e suas tropas fugiram deixando para trás a população civil. As cidades nemédias ficaram arruinadas e desertas.

Os nemédios fugitivos derrotaram os hirkanianos em Shem, Britúnia e Hiperbórea, forçando os descendentes dos lemurianos a voltarem na direção do mar de Vilayet. Enquanto isso, os cimérios, vagando na direção sudeste, destruíram o antigo reino hirkaniano de Turan e fixaram-se perto do mar interior.

Com seu império ocidental destruído, os hirkanianos chacinaram todos os seus prisioneiros e arrebataram milhares de escravos em seu caminho de volta ao misterioso leste. Eles retornariam milhares de anos depois, como Mongóis, Hunos, Tártaros e Turcos.

Ao mesmo tempo os mercenários ruivos de Vanir se deslocaram para a Estígia, onde derrotaram a classe dominante e ergueram um vasto império ao sul, ao qual deram o nome de Egito. Descender dos vanires era motivo de orgulho para os primeiros faraós.

O mundo ocidental era agora dominado pelos bárbaros nórdicos. Haviam poucas cidades. Os hiborianos, senhores no passado, tinham desaparecido da Terra, deixando apenas um vestígio de seu sangue nas veias de seus conquistadores. Com o tempo, toda a história da Era Hiboriana acabou se diluindo numa nuvem de mitos e fantasias.

Então, outro terrível cataclismo levou tudo novamente ao caos, esculpindo um novo perfil para o relevo dos tempos modernos. A grande faixa da costa oeste submergiu, e as montanhas da Ciméria ocidental transformaram-se no que hoje são as Ilhas Britânicas. Um vasto mar, mais tarde chamado Mediterrâneo, formou-se quando a Estígia se separou do resto do continente.

O território ao redo do mar interior, já em gradual evaporação, não foi atingido. Os nórdicos lá refugiados viveram mais ou menos em paz com os cimérios ainda presentes. Os dois povos formariam uma só raça.

No oeste, os pictos remanescentes, reduzidos então a um bando de selvagens da Idade da Pedra, apoderaram-se das terras outra vez, até que, mais tarde, sucumbiram ao fluxo de cimérios e nórdicos nesta direção.

Esse fluxo resultou de um crescimento populacional que superpovoou as estepes a oeste do mar interior – hoje conhecido como Cáspio e muito reduzido em tamanho – a tal ponto que a migração se tornou uma necessidade econômica. Conhecidos como arianos, esses povos deslocaram-se para as áreas hoje ocupadas pela Índia, Ásia Menor e parte da Europa.

Algumas variações desses primitivos filhos de Árias são ainda hoje reconhecidas, outras, já estão esquecidas há muito. Os nemédios irlandeses vêm dos aesires nemédios, enquanto os dinamarqueses, nômades do mar, eram os descendentes dos vanires.

Por outro lado, os loiros gauleses e bretões são descendentes da raça pura aesir. Os celtas, ancestrais do irlandês e do escocês das montanhas, vieram dos clãs cimérios de raça pura.

Os antigos sumérios descendiam de hirkanianos e shemitas, e os shemitas mais puros foram ancestrais tanto de árabes quanto de israelitas.

Os hirkanianos instalaram-se no extremo leste do continente, e voltariam de forma sangrenta à história ocidental, séculos depois, como Hunos, Mongóis, Tártaros e Turcos.

As origens de outras raças do mundo moderno podem ser traçadas de modo similar. E, na maioria dos casos, por mais remotas que possam parecer, suas histórias remetem-se às névoas da esquecida Era Hiboriana…


Roy Thomas / Walt Simonson

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